7 Outubro 2015

 

Provas contundentes de crimes de guerra atribuíveis à coligação liderada pela Arábia Saudita nos bombardeamentos sobre o Iémen – onde chega armamento de vários países, incluindo os Estados Unidos – sublinham a urgência com que é necessária uma investigação independente e eficaz a violações cometidas, assim como a suspensão pronta das transferências de certos armamentos, avalia a Amnistia Internacional em novo relatório.

“’Bombs fall from the sky day and night’: Civilians under fire in northern Yemen” (“As bombas caem dia e noite”: Civis debaixo de fogo no Norte do Iémen) examina 13 raides aéreos mortais feitos pela coligação sobre Saada, no nordeste do Iémen, nos quais morreram mais de 100 civis, incluindo 59 crianças. O relatório, publicado esta quarta-feira, 7 de outubro, documenta também o uso de bombas de fragmentação, que são proibidas internacionalmente. E segue-se ao trabalho de campo já feito pela Amnistia Internacional nas cidades de Taiz e Aden, no sul do Iémen, em junho e julho passados, que indiciava também estarem a ser cometidos crimes de guerra no conflito no país.

“Esta investigação traz à luz ainda mais provas de que foram feitos ataques aéreos ilegais pela coligação militar liderada pela Arábia Saudita, alguns dos quais constituem crimes de guerra. E demonstra, em angustiante pormenor, como é crucial que seja vedado o recurso a armas para cometer graves violações como estas”, avança a investigadora da Amnistia Internacional perita em situações de crise Donatella Rovera, que chefiou a missão da Amnistia Internacional no Iémen.

A perita frisa que “os Estados Unidos e outros países que exportem armas para qualquer das partes envolvidas no conflito no Iémen têm a responsabilidade de garantir que as transferências de armamento a que dão luz verde não estão a facilitar que sejam cometidas graves violações da lei humanitária internacional”.

A Amnistia Internacional defende a suspensão das transferências de armamento e de munições para os membros da coligação liderada pela Arábia Saudita que participam na campanha militar e as quais têm vindo a ser usadas para cometer graves violações da lei humanitária internacional no Iémen, incluindo crimes de guerra – em particular bombas da série MK 80 e outras bombas de uso geral, caças, helicópteros de combate, assim como seus componentes e peças.

O conflito no Iémen tem registado mais mortes de civis em resultado dos raides aéreos do que de qualquer outra causa. E a cidade de Saada, no Norte do Iémen, em especial, tem sofrido um grau de destruição mais elevado do que qualquer outra cidade do país, devido aos bombardeamentos aéreos da coligação liderada pela Arábia Saudita.

O novo relatório da Amnistia Internacional revela um padrão de terrível desrespeito pelas vidas de civis a ser demonstrado pela coligação militar liderada pelos sauditas, que considera cidades inteiras, como Saada e Marran – onde vivem dezenas de milhares de pessoas –, alvos militares, em flagrante violação da lei internacional. Em pelo menos quatro dos raides aéreos investigados pela organização de direitos humanos foram atacadas residências civis mais do que uma vez, sugerindo que eram esses os alvos pretendidos nos bombardeamentos, apesar de não existirem quaisquer provas de estarem a ser usadas com propósitos militares.

“A identificação de vastas áreas densamente povoadas como alvos militares e o repetido ataque sobre residências civis são exemplos reveladores do falhanço claro das forças da coligação em tomarem as precauções necessárias para evitarem a perda de vidas civis como é exigido pela lei humanitária internacional”, sublinha Donatella Rovera.

Uma família inteira dizimada numa casa sem uso militar

Nos 13 raides aéreos documentados pela Amnistia Internacional foram mortas pelo menos 59 crianças na região de Saada entre maio e julho de 2015, muitas delas quando estavam a brincar no exterior das suas casas, outras enquanto dormiam.

Num dos bombardeamentos, a 13 de junho de 2015, sobre uma casa em Al-Safra, no vale de Dammaj, as forças da coligação causaram a morte a oito crianças e duas mulheres, todas da mesma família, e deixaram feridos outros sete familiares.

“Estavam 19 pessoas naquela casa quando se deu o raide, todas mulheres e crianças, com exceção de uma pessoa. As crianças, que normalmente estariam no exterior, encontravam-se em casa pois era hora do almoço. Todas ficaram feridas ou morreram no bombardeamento. Um dos mortos era um bebé de 12 dias”, descreveu Abdullah Ahmed Yahya al-Sailami, cujo filho de um ano morreu naquele raide.

Um outro membro da mesma família, que ajudou no salvamento, contou ter sido tirado dos destroços o corpo de um bebé de um ano ainda com a chucha na boca. Na investigação feita no local, a Amnistia Internacional encontrou apenas objetos normais de uma casa: brinquedos de criança, livros, utensílios de cozinha. Nenhum sinal de armas ou de qualquer tipo de objetos militares foram detetados, nem tão pouco indícios que sugerissem que a residência era um alvo militar legítimo.

Outros raides atingiram veículos que transportavam civis em fuga do conflito, ou animais, ou ainda alimentos e outros bens de ajuda humanitária. O relatório da Amnistia Internacional detalha também vários bombardeamentos contra lojas, mercados e outras propriedades comerciais.

Os civis em Saada, que vivem sob o terror dos constantes ataques aéreos, enfrentam igualmente uma grave crise com deploráveis condições de sobrevivência, tendo a eletricidade sido cortada em toda a cidade, e o sistema de saúde encontra-se em colapso nas áreas mais remotas, além de uma falta aflitiva de médicos.

Nesta investigação, a equipa da Amnistia Internacional descobriu partes de dois tipos de bombas de fragmentação: sub-munições BLU-97 e seus disparadores (CBU-97) e também as mais sofisticadas CBU-105, com sensores, normalmente usadas contra veículos. As bombas de fragmentação, banidas pela lei internacional, dispersam numerosas sub-munições numa vasta área e muitas destas munições, do tamanho de uma lata de refrigerante, não explodem no impacto, o que faz com que permaneçam como uma ameaça mortal para qualquer pessoa que as toque.

Foi o que aconteceu a Mohammed Hamood al-Wabash, de 13 anos, o qual sofreu fraturas múltiplas no pé esquerdo por ter pisado uma sub-munição de uma bomba de fragmentação.

A Amnistia Internacional insta os membros da coligação militar liderada pela Arábia Saudita a pararem de usar munições de bombas de fragmentação, e todos os Estados a suspenderem prontamente os fornecimentos deste tipo de armamento.

Chamados à responsabilidade

As tentativas feitas na semana passada no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, para lançar uma investigação independente e internacional ao conflito no Iémen colapsaram. Acabou por ser adotada uma resolução de apoio à criação de um comité de investigação iemenita.

“A indiferença do mundo ao sofrimento dos civis no Iémen neste conflito é chocante. E o falhanço do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas na semana passada em estabelecer uma investigação às violações cometidas por todas as partes é o mais recente de uma série de falhanços por parte da comunidade internacional para pôr termo à impunidade total dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos no Iémen”, critica Donatella Rovera.

A perita sustenta ainda que “a falta de responsabilização tem contribuído para o agravamento da crise e, a não ser que os responsáveis percebam que serão levados à justiça pelos seus crimes, os civis continuarão a sofrer as consequências”.

Uma investigação ou inquérito de âmbito internacional pode ser estabelecido através da aprovação de resolução pela Assembleia Geral das Nações Unidas ou do Conselho de Segurança. Assim como pelo secretário-geral da ONU e ainda do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, por sua própria iniciativa.

 

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