2 Abril 2014

Milhões de pessoas em todo o mundo continuarão a sofrer as consequências mortais da fraca regulação do comércio global de armas até que muitos mais países deem rapidamente os passos necessários para tornar efetivo o Tratado sobre o Comércio de Armas Convencionais (TCA, ATT na sigla em inglês), reitera a Amnistia Internacional ao completar-se esta quarta-feira, 2 de abril, um ano da adoção do documento na Assembleia Geral das Nações Unidas.

A 2 de abril de 2013, um total de 154 países votaram a favor da adoção deste crucial tratado em sede da Assembleia geral das Nações Unidas. Desde que o instrumento legal foi aberto a ser assinado, a 3 de junho daquele mesmo ano (na foto), 118 países de fizeram-no, todos indicando a vontade política de o ratificarem posteriormente e assim o transporem para as suas respetivas leis nacionais. Neste grupo incluem-se quatro dos maiores produtores e exportadores mundiais de armas: a França, a Alemanha, o Reino Unido e os Estados Unidos (que assinaram o ATT em setembro de 2013).

Mas em 43 dos estados que votaram favoravelmente o tratado há um ano, nada foi feito desde então para lhe dar a força de lei (ver lista).

“Há demasiados governos que continuam a arrastar os pés. Esta lista de 43 países que votaram a favor sem entretanto sequer assinarem o tratado são essencialmente nações onde os conflitos armados, a repressão violenta e a violência armada são mais frequentes – o que faz deles os que mais têm a ganhar com o tratado. Este é um enorme falhanço de liderança política”, aponta o chefe do departamento de Controlo de Armamento e Direitos Humanos da Amnistia Internacional, Brian Wood.

“É extraordinário que o Quénia, que faz parte do grupo de países que instaram originalmente as Nações Unidas a dar o seu apoio ao ATT, não tenha ainda assinado o tratado”, salienta este perito.

Pelo menos 17 dos 28 estados membros da União Europeia comprometeram-se a ratificar agora o ATT, na cerimónia nas Nações Unidas que marca o primeiro aniversário da sua adoção. Mas mesmo contando com este importante progresso, o total de países que terão ratificado o documento fica aquém das 50 ratificações necessárias para que o mesmo entre em vigor (90 dias após a 50ª ratificação). Até à data, só 13 países no mundo inteiro tinham já cumprido todas as suas promessas, assinando e ratificando o ATT.

Meio milhão de pessoas morre todos os anos devido à violência armada

O Tratado sobre o Comércio de Armas Convencionais contém um conjunto de regras que visa fortalecer a proteção dos direitos humanos de centenas de milhões de pessoas, cujas vidas e existências são ameaçadas pela proliferação e abuso do recurso às armas convencionais. Estima-se que pelo menos meio milhão de pessoas morram todos os anos, e milhões mais sejam deslocados e sofram abusos, devido à violência armada e conflitos.

Se for posto em prática de forma firme, o ATT parará o fluxo de armas para países onde se sabe que serão usadas para cometer ou tornar mais fácil a prática de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra. Uma concretização substancial dos termos do ATT irá ainda fazer com que os estados que o assinam e ratificam fiquem obrigados a avaliar com seriedade os riscos de fornecerem armas a um outro país – sendo que os países que aprovaram o ATT acordaram expressamente em que uma tal transferência de armas não ocorreria sempre que existisse um risco substancial de essas armas serem usadas para cometer ou facilitar a prática de violações graves das leis internacionais e de direitos humanos.

Vários países, em que se incluem a Espanha, Bélgica, Alemanha, México, Noruega, Sérvia, Islândia, Costa Rica, Antígua e Barbados, e Trindade e Tobago, declararam já que vão dar entrada em vigor ao clausulado do tratado respeitante aos direitos humanos mesmo antes de o ATT ter reunido as 50 ratificações.

A Amnistia Internacional vê com preocupação, porém, o facto de alguns países – incluindo estados membros da União Europeia – continuarem a fornecer armas a países onde existe o risco claro de que serão usadas em graves violações e abusos de direitos humanos. Ainda em dezembro de 2013, por exemplo, a República Checa enviou dezenas de milhares de armas às forças de segurança do Egito, às mãos das quais foram mortos centenas de manifestantes nos protestos que se seguiram ao golpe militar que depôs o então Presidente Mohamed Morsi.

“Se os países da União Europeia que agora vão ratificar o Tratado sobre o Comércio de Armas Convencionais pensam que continuarão a poder fazer negócios de armas como costumam, fornecendo instrumentos mortais a quem persistentemente comete graves violações dos direitos humanos, isso irá inviabilizar a eficácia do tratado logo à nascença”, avalia Brian Wood.

Amnistia em campanha pelo controlo das armas desde 1990

Seguro é que a Amnistia Internacional continuará a fazer campanha para que todos os países assinem, ratifiquem e cumpram escrupulosamente o ATT. A organização mantém esta frente de pressão desde o início da década de 1990, com o propósito de serem postas em práticas regras globais, sólidas e legalmente vinculativas nos fornecimentos de armas, de forma a contrair o fluxo de armamento e munições que alimentam a prática de atrocidades e abusos por todo o mundo e, assim, proteger vidas.

Para que o tratado abra uma verdadeira era global de controlo das armas, os países que são os principais fabricantes e permanecem céticos – como o Canadá, Israel e os Estados Unidos –, e aqueles que são os principais importadores – como o Paquistão e a Ucrânia –, têm também de ratificar o documento junto com as 43 nações que ainda andam a arrastar os pés, apesar de todos estarem entre os 154 que votaram a favor do ATT há um ano na Assembleia Geral das Nações Unidas.

Quanto à China e à Rússia, ambos grandes exportadores mundiais de armas que se abstiveram na votação, há a expectativa expressa já por vários diplomatas de que assinem o tratado assim que um grande número de outros países o tiver feito.

 

São estes os 43 países que votaram “sim” à adoção do ATT mas que ainda não o assinaram nem ratificaram: Afeganistão, Andorra, Argélia, Azerbaijão, Botswana, Brunei, Butão, Camarões, Canadá, Cazaquistão, Eritreia, Etiópia, Gâmbia, Geórgia, Ilhas Marshall, Ilhas Salomão, Iraque, Israel, Jordânia, Líbano, Maldivas, Marrocos, Maurícias, Micronésia, Mónaco, Namíbia, Nepal, Paquistão, Papua Nova Guiné, Quénia, Quirguistão, República Centro Africana, República Democrática do Congo, São Marino, Singapura, Somália, Tailândia, Timor-Leste, Tonga, Tunísia, Turquemenistão, Uganda e Ucrânia.

E estes os 31 países ratificadores do ATT (incluindo, a negrito, aqueles que prometeram fazê-lo agora, a 2 de abril de 2014, dia do primeiro aniversário de adoção do tratado): Albânia, Alemanha, Antiga República Jugoslava da Macedónia, Bulgária, Antígua e Barbados, Costa Rica, Croácia, Dinamarca, El Salvador, Estónia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Finlândia, França, Granada, Guiana, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Lituânia, Mali, Malta, México, Nigéria, Noruega, Panamá, Reino Unido, Roménia, Trindade e Tobago.

 

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