27 Junho 2014

Livre por fim! Meriam Ibrahim, a sudanesa cristã condenada à morte por se recusar a renegar a sua fé, foi libertada de novo na noite de 26 de junho, e estará já em segurança na embaixada dos Estados Unidos em Cartum, junto com o marido e os dois filhos, incluindo a bebé que nasceu há um mês na prisão.

Meriam Ibrahim tinha sido detida de novo na terça-feira passada no aeroporto de Cartum quando toda a família se preparava para partir do Sudão, um dia apenas após ter sido libertada da prisão por ordem do tribunal de recurso que anulara a sentença proferida contra ela em primeira instância: de pena de morte (por apostasia) e de flagelação (por adultério, sendo que a sharia, em vigor no Sudão, não lhe reconhece o casamento com o marido cristão, oriundo do Sudão do Sul e com cidadania norte-americana).

As novas acusações deduzidas contra ela esta quarta-feira são de falsificação de documentos e prestação de informações falsas, em relação aos documentos que apresentara no aeroporto de Cartum, segundo foi apurado pela Amnistia Internacional. A organização confirmou ainda que Meriam Ibrahim acabou por ser libertada sob caução passadas mais de 24 horas e que permanece impedida de partir do Sudão até que o processo seja encerrado.

A sudanesa esteve presa juntamente com o filho de quase dois anos desde que foi detida em Agosto de 2013. A 15 de maio passado foi-lhe confirmada a sentença de pena de morte por apostasia e a 100 chicotadas por adultério. Três dias antes, o juiz instara-a a renegar a fé cristã e abraçar o Islão, o que a pouparia à pena de morte. Meriam recusou fazê-lo.

“O facto de uma mulher ser condenada à morte pela sua fé religiosa e a ser chicoteada por ser casada com um homem alegadamente de uma religião diferente é chocante e abjeta. A apostasia e o adultério são atos que não podem de forma nenhuma ser considerados crimes. Esta é uma violação flagrante das leis internacionais de direitos humanos”, frisara então a investigadora da Amnistia Internacional para o Sudão, Manar Idriss.

A organização de direitos humanos defendeu desde o início deste caso que Meriam Yehya Ibrahim é prisioneira de consciência, e que foi condenada unicamente devido à sua fé religiosa e identidade, devendo ser libertada imediata e incondicionalmente. “O direito de liberdade de pensamento, de consciência e religião, em que se inclui a liberdade de fé, é profundo e tem um longuíssimo alcance; incorpora a liberdade de pensamento em todas as áreas, as convicções pessoais e o compromisso assumido com a religião e fé”, sustenta Manar Idriss.

Criminalização da apostasia e do adultério é violação dos direitos humanos

Meriam Yehya Ibrahim é cidadã sudanesa, cristã e está casada com um homem cristão oriundo do Sudão do Sul. O seu casamento é considerado nulo ao abrigo das leis da sharia (lei islâmica) tal como esta é praticada no Sudão e incluída no Código Penal do país, e, assim, considerado que vive em adultério. Esta mulher cresceu como cristã ortodoxa, a religião da mãe, sendo que o pai, muçulmano, ter-se-á mantido ausente durante a sua infância.

Fora inicialmente detida e acusada de adultério na sequência de uma denúncia feita por um familiar que alegou que Meriam mantinha uma relação adúltera uma vez que estava casada com um homem sul-sudanês cristão. Já em fevereiro deste ano, o tribunal acrescentou ao processo a acusação de apostasia, quando Meriam declarou ser cristã e não muçulmana.

A lei internacional proíbe a coerção que impeça um indivíduo de exercer o seu direito de escolher e adotar uma religião ou fé, o que inclui o recurso a ameaças físicas e a sanções penais para forçar as pessoas a abraçarem outras crenças religiosas, a renegarem a religião que praticam ou a converterem-se a outra.

Além disto, a criminalização da apostasia de uma fé é incompatível com o direito de liberdade de pensamento, de consciência e de religião. E, por seu lado, a criminalização do adultério viola os direitos da liberdade de expressão e de associação e discrimina invariavelmente as mulheres ao ser imposta. A Amnistia Internacional opõe-se à pena de morte em todos os casos e sem nenhuma exceção, considerando-a o castigo mais cruel, desumano e degradante.

Mais de um milhão de assinaturas

A condenação de Meriam Ibrahim provocou desde logo declarações de preocupação na sociedade civil sudanesa, nas Nações Unidas e em governos por todo o mundo, assim como uma resposta excecional por parte dos ativistas da Amnistia Internacional: mais de um milhão de pessoas juntaram-se ao pedido de ajuda para a libertar, incluindo 51 mil em Portugal.

“O apelo e a coragem desta jovem mãe grávida tocou claramente o mundo”, avaliara a investigadora da Amnistia Internacional para o Sudão, Manar Idriss, quando Meriam foi libertada após a audiência de recurso. “Desde a condenação que estamos extremamente preocupados com as condições da sua detenção e com o uso de formas cruéis e desumanas de imobilização. Recebemos relatos preocupantes de que tem os pés permanentemente acorrentados. As autoridades sudanesas devem garantir a segurança de Meriam e liberta-la imediata e incondicionalmente”.

Os advogados da sudanesa apresentaram recurso junto do Tribunal de Recurso de Bahri e Sharq Al Nil a 22 de maio. “Congratulamos-mos com o facto de ter sido apresentado recurso, embora Meriam nunca devesse ter sido acusada e julgada. Temos esperança que com a atenção e apoio internacional e local esta condenação abjeta pode ser revertida”, afirmou então Manar Idriss.
 
 

Artigos Relacionados