6 Agosto 2014

As linhas das frentes de combate no Leste da Ucrânia têm estado constantemente a mudar ao longo dos últimos meses, depois de os grupos separatistas terem ganho controlo efetivo sobre algumas das mais estratégicas cidades na região. Os combates prosseguem com a tentativa das forças leais ao Governo ucraniano de reconquistarem o terreno e restabelecerem a autoridade de Kiev. Mas a lei e a ordem nem sempre o acompanham.

No contexto de degradação cada vez maior da segurança no Leste ucraniano, a Amnistia Internacional tem repetidamente manifestado preocupações às autoridades do país – em particular sobre a conduta do deputado parlamentar Oleg Liachko, líder do Partido Radical (pró-Governo) e antigo candidato presidencial, que tem vindo a fazer “detenções” – na verdade, raptos – e a infligir maus-tratos em pessoas que entende serem seus opositores.

Oleg Liachko (na foto, de boné) viaja pelo Leste da Ucrânia acompanhado de um grupo de homens armados, envergando uniformes camuflados e sempre com uma câmara de vídeo com a qual filma as suas “façanhas”, que são publicadas no website www.liashko.ua. São imagens chocantes: o deputado é filmado a invadir locais públicos e privados, junto com os homens armados que o seguem, e rapta indivíduos e obriga-os a cumprirem à letra as suas ordens.

Este deputado deveria ser um legislador, cumprindo o seu papel no Parlamento e os princípios de justiça e do Estado de direito. Em vez disso, anda a “fazer justiça” pelas próprias mãos. “Glória à Ucrânia! Morte aos ocupadores!” é o seu grito de guerra.

Apesar de não ter autoridade para deter ninguém, Oleg Liachko rapta quem quer e submete estas pessoas a abusos verbais e físicos enquanto é filmado. O seu website, e outros de teor similar, mostram vários vídeos que mostram situações de aparentes casos de rapto e violações flagrantes dos direitos a julgamento justo, à liberdade e à segurança dos cidadãos, assim como dos direitos de não ser submetido a tortura e outros maus-tratos.

Ameaças de morte

Em maio de 2014, este deputado ucraniano e o seu grupo armado raptaram dois homens, os quais são vistos num dos vídeos sentados na traseira de uma carrinha com as mãos atadas e encapuçados. As imagens mostram Oleg a questionar um daqueles homens, após lhe ser retirado o capuz, e o qual diz chamar-se Igor Khakimjianov, antigo “ministro da defesa” da autodeclarada República Popular de Donetsk. Durante o interrogatório, este homem tem apenas a roupa interior e são visíveis as marcas de dois cortes ensanguentados no corpo.

Num outro vídeo, datado de 10 de março passado, aparece Oleg Liachko a raptar Arsen Klitchaiev, membro do Conselho Regional de Luhansk, num edifício público da cidade. Os homens armados agarram-no à força e levam-no para dentro de uma carrinha, onde é interrogado. Arsen Klitchaiev está de tronco nu, algemado e é patente que se encontra aturdido. Ao fim de algumas voltas pela cidade, o veículo volta para junto do edifício do Conselho Regional, onde o líder do Partido Radical insulta Klitchaiev e o ameaça, dizendo-lhe mesmo que será mandado para a prisão por 15 anos caso não lhe obedeça.

Em três outros vídeos, todos datados de 8 de julho, é exposta de forma clara a campanha de violência, intimidação e raptos levada a cabo por Oleg Liachko contra pessoas que entendem oporem-se-lhe. Num destes, vê-se Liachko a forçar o presidente da Câmara de Sloviansk a assinar uma carta de demissão. Este último resiste, ao que Liachko responde ameaçando atirá-lo da janela do gabinete em que se encontram, num quarto andar. O presidente da Câmara acaba por ceder.

Outras imagens mostram Oleg Liachko a ameaçar de morte o procurador de Sloviansk, assim como o chefe da polícia daquela cidade, os quais responsabiliza por não terem ainda detido Vitali Ribalko, alegado líder separatista pró-russo. O chefe da polícia dá então ao grupo o endereço da casa de Ribalko e, nas imagens seguintes, Liachko é visto a entrar na casa, a raptar Ribalko e a levá-lo para a esquadra.

Noutro vídeo ainda postado no website, Liachko interroga um homem cujo nome não é possível identificar, mas que se ouve a dizer que tem 62 anos. Este tem a cabeça enfiada num saco de plástico, as mãos atadas às pernas com fita adesiva e está encolhido num local inidentificável. Está a ser interrogado sobre o seu suposto envolvimento com o movimento separatista, alegações que nega repetidamente.

Um dos mais recentes vídeos postados no website de Oleg Liachko é o clip de uma notícia de televisão que o mostra junto com quatro homens armados a raptarem e agredirem fisicamente Iuri Borisov, suposto presidente de Câmara interino de Stakhanov e Berdiansk, a 27 de julho passado. Imagens captadas no dia seguinte mostram Borisov de joelhos a pedir desculpa ao povo ucraniano pelo seu papel na organização do referendo em Stakhanov, realizado a 10 de maio, e na sequência do qual o movimento separatista declarou a “independência” daquela região da tutela de Kiev.

Governo garante que Liachko não tem autoridade

A Amnistia Internacional considera a conduta de Oleg Liachko e do grupo armado que o segue uma flagrante violação dos princípios legais internacionais que consagram expressamente que apenas as autoridades competentes podem deter ou prender cidadãos. Apesar dessa total ilegalidade, o líder do Partido radical ucraniano continua a agir de rédea solta no país e com total impunidade.

A organização de direitos humanos tem vindo a documentar a deterioração da segurança no Leste da Ucrânia, com abusos a serem cometidos por ambos os lados no conflito, incluindo vários casos de raptos e maus-tratos de pessoas mantidas cativas tanto pelas forças leais ao Governo de Kiev como pelos grupos separatistas armados.

Ao longo de muitos anos, a Amnistia Internacional documentou a vulnerabilidade dos cidadãos às mãos de responsáveis corruptos e o continuado falhanço das autoridades ucranianas em investigarem adequadamente as violações de direitos humanos e julgarem os responsáveis pelas mesmas. Dadas as circunstâncias extraordinárias que se registam atualmente na Ucrânia, esta impunidade só irá degradar ainda mais o Estado de direito no país.

Numa carta enviada recentemente ao Procurador-Geral da Ucrânia, a Amnistia Internacional instou à abertura imediata de investigações às violações de direitos humanos atribuídas a Oleg Liachko e a todos os casos de raptos e maus-tratos cometidos pelas forças pró-Kiev. Uma delegação da Amnistia Internacional reuniu-se com responsáveis do Conselho Nacional de Segurança ucraniano, do Ministério do Interior e dos Serviços de Segurança do Estado no final de junho passado, e em todos estes encontros foi garantido que Liachko não está autorizado pelo Governo a fazer quaisquer detenções.

Todos os responsáveis por estas violações de direitos humanos, assim como os cúmplices nelas, têm de ser julgados, e as vítimas destes abusos devem ser compensados. Além disto, qualquer pessoa que tenha sido raptada tem de ser imediatamente libertada e, quem for entregue às autoridades ucranianas, deve ser prontamente informada das acusações formuladas, assim como ter acesso a advogado e ser levado a tribunal, ou libertado.

Qualquer coisa menos do que isto irá conduzir a mais abusos e impunidade, em que indivíduos como Oleg Liachko se sentem com carta-branca para fazerem o que quiserem sem receio de serem julgados.

 

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