11 Novembro 2014

 

As declarações feitas pelo procurador-geral do México, Jesús Murillo Karam, admitindo que os 43 estudantes que desapareceram em setembro passado no estado de Guerrero poderão ter sido mortos, e os corpos queimados e largados a um rio, não dão respostas cabais sobre a cumplicidade do Governo nesta tragédia, avalia a Amnistia Internacional.

A investigação feita aos desaparecimentos forçados e às mortes extrajudiciais foi limitada e incompleta, com responsáveis governamentais a não terem averiguado devidamente o conluio enraizado entre as autoridades estaduais e o crime organizado, que está na base destas graves violações de direitos humanos.

Ainda em setembro passado, a Amnistia Internacional divulgou um relatório abrangente sobre a difícil situação de direitos humanos no México, com incidência especial nas práticas de tortura e maus tratos às mãos da polícia e forças militares do país.

“Tragicamente, os desaparecimentos forçados destes estudantes são o mais recente incidente numa longa linha de horrores que infestam o estado de Guerrero, e o resto do país. Os sinais de alerta da corrupção e da violência estão à vista de todos há muitos anos, e aqueles que negligentemente os ignoraram são cúmplices nesta tragédia”, sublinha a diretora do Programa Américas da Amnistia Internacional, Erika Guevara Rosas.

No relato mais pormenorizado que foi feito até à data neste caso, o procurador-geral escusou-se a admitir que este é um crime estadual e não um incidente isolado. Também não se referiu à negligência nem à cumplicidade das entidades do estado em investigarem uma série de denúncias contra o presidente da Câmara de Iguala e de chamar às suas responsabilidades tanto a polícia federal como local envolvidas na tortura e morte de outros estudantes da Escola de Ayotzinapa, em dezembro de 2011.

Depoimentos e suspeitas ignoradas

O presidente da Câmara de Iguala, principal suspeito dos desaparecimentos forçados dos estudantes, é há muito tido como envolvido em corrupção e noutros crimes graves. Em junho de 2013, o sobrevivente de um ataque contra oito ativistas locais, no qual morreram três pessoas, relatou que o autarca participara diretamente nos homicídios. Aquela testemunha forneceu uma descrição pormenorizada dos acontecimentos, que foi entregue a um notário devido a receios de que a polícia viesse a abafar aquele depoimento. A procuradoria do estado de Guerrero não fez porém qualquer averiguação àquelas denúncias.

Apesar dos indícios que apontam para o presidente da Câmara, a investigação no caso de Ayotzinapa em 2011 foi fechada em maio de 2014.

“Se as alegações contra o presidente da Câmara de Iguala e a polícia, federal e local, tivessem sido investigadas quando ocorreram outras graves violações dos direitos humanos, é mais do que provável que os desaparecimentos forçados e os horríveis homicídios destes 43 estudantes não acontecessem”, sustenta Erika Guevara Rosa.

Durante as buscas pelos estudantes desaparecidos, foram encontradas 19 valas comuns na região de Iguala e arredores. Pelo menos 74 pessoas foram detidas neste caso que eclodiu quando a polícia local atacou um grupo de estudantes e professores, a 26 de setembro passado, no qual seis pessoas foram mortas e os 43 estudantes desapareceram.

Familiares dos estudantes desaparecidos declararam que também não confiam na informação prestada pela procuradoria-geral, até que esta seja confirmada por provas científicas fornecidas por peritos forenses independentes da Argentina e que as autoridades do estado de Guerrero admitam as suas responsabilidades.

Presidente viaja do país em plena crise 

Até agora, as ações do Presidente do México, Enrique Peña Nieto, não têm sequer respeitado as promessas que o chefe de Estado fez às famílias dos estudantes desaparecidos. A sua Administração não aceitou a assistência técnica internacional que foi oferecida ao país pela Comissão Inter-Americana para os Direitos Humanos.

Aliás, bem no auge desta profunda crise de direitos humanos no México, Peña Nieto viajou para a cimeira do Fórum para a Cooperação Económica da Ásia-Pacífico (APEC), em Pequim, a 10 e 11 de novembro, dando assim provas do pouco interesse em abordar a grave situação de direitos humanos no México.

“As autoridades têm de garantir que serão levados à justiça todos os que trabalham a nível federal e estadual e que são cúmplices nestas graves violações de direitos humanos, assim como aqueles que foram negligentes no cumprimento dos seus deveres de investigar tais atos e dar resposta à prevalecente crise de direitos humanos no México”, remata a diretora do Programa Américas da Amnistia Internacional.

 

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