8 Fevereiro 2016

 

Os civis na República Centro Africana permanecem em elevado risco de violência e instabilidade a não ser que seja dada solução urgente às graves fraquezas da missão das Nações Unidas no país (MINUSCA), alerta em novo relatório a Amnistia Internacional.

Com as eleições presidenciais daqui a menos de uma semana, o novo relatório, publicado esta segunda-feira, 8 de fevereiro – intitulado Mandated to protect, equipped to succeed? Strengthening peacekeeping in Central African Republic (Mandatados para proteger, equipados para terem sucesso? O fortalecimento da missão de paz na República Centro Africana) –, analisa como enormes falhas de pessoal e em equipamento resultaram no falhanço da missão da ONU em prevenir e conter a grave vaga de violência em Bangui, a capital, em setembro de 2015, que provocou a morte de mais de 75 pessoas, incluindo muitos civis.

A organização de direitos humanos exorta a uma reavaliação abrangente deste aparente falhanço na devida proteção aos civis, em setembro de 2015, incluindo à capacidade da MINUSCA em cumprir o seu mandato, devendo incidir sobre as questões de treino, equipamento, coordenação e o número de membros operacionais da missão, militares e civis.

“A presença da MINUSCA na República Centro Africana salvou muitas civis e evitou muito derramamento de sangue, mas a violência extrema que eclodiu em Bangui em setembro de 2015 expôs as fraquezas da missão. Mesmo assim, presentemente a missão continua a não ter os recursos de que precisa para proteger adequadamente as populações civis”, frisa o vice-diretor da Amnistia Internacional para região da África Ocidental e Central, Steve Cockburn.

O perito defende que “garantir uma força de paz bem equipada para prevenir e conter violência em larga escala, assim como para dar apoio ao Governo para que seja garantida a justiça, tem de ser uma prioridade absoluta de forma a pôr fim ao ciclo de conflitos e injustiças que têm destruído a República Centro Africana durante tanto tempo da sua história”.

A 31 de janeiro passado, o ministro da Defesa francês, Jean-Yves Le Drian, anunciou que a maioria dos 900 militares de França que estão na República Centro Africana (RCA) seriam retirados do país até ao final de 2016, o que torna a reavaliação da missão da MINUSCA tanto mais urgente.

A vaga de violência de setembro

Apesar da presença de 2 660 polícias e militares em Bangui, as forças da MINUSCA não conseguiram conter adequadamente a violência que eclodiu na capital da RCA a 26 de setembro de 2015. Pelo menos 75 pessoas foram mortas, na maioria civis, em três dias. Foram destruídas casas, mais de 42 mil pessoas deslocadas pelos combates e pelo menos 12 mulheres violadas num só distrito da capital apenas no primeiro dia da vaga de violência.

Uma jovem de 18 anos testemunhou à Amnistia Internacional que foi violada a 26 de setembro: “Fui ao mercado para fazer as compras… e ouvi disparos de armas. Corri de volta a casa mas perto dos escritórios locais da Cruz Vermelha fui mandada parar por seis homens que envergavam uniformes militares. Eles puseram um bocado de cartão no chão. Um homem jovem e um velho violaram-me”.

A Amnistia Internacional apurou que a MINUSCA foi incapaz de dar resposta a alguns apelos de pessoal clínico para ajudar a transferir vítimas da violência a 27 de setembro. Um médico contou à organização de direitos humanos: “Recebemos 25 feridos, 13 deles em estado muito grave, e não os pudemos levar para o hospital nos nossos veículos porque o acesso estava bloqueado por falta de segurança. A minha equipa pediu apoio à MINUSCA, mas disseram-nos que não podiam acudir-nos… No dia seguinte, seis dos feridos graves morreram”.

De acordo com testemunhas entrevistadas pelos investigadores da organização de direitos humanos, a MINUSCA não interveio em zonas cruciais mergulhadas no conflito até ao segundo dia da vaga de violência, e não tomou nenhuma medida para remover os bloqueios de estradas montados por grupos armados antes do terceiro dia.

Mal equipados para responder à violência

As fraquezas do próprio Estado na RCA são frequentemente identificadas como um fator muito importante que prejudica os esforços de proteção dos civis, mas peritos ouvidos pela Amnistia Internacional também citaram uma série de preocupações sobre a capacidade da MINUSCA em responder à violência. Estes peritos indicaram falhas graves no treino e em equipamento, e uma alegada falta de tropas disponíveis para darem o necessário apoio aos capacetes azuis.

Fonte de topo da MINUSCA reportou à equipa da Amnistia Internacional: “Quando há disparos, só podemos sair para as ruas nos veículos armados. Mas muitos não estão atualmente a funcionar”.

Peritos indicaram também que há problemas muito significativos de coordenação entre as várias partes da força de paz no país. E esses problemas resultaram em que 450 tropas da ONU em Bangui não foram ativadas nos primeiros dias da vaga de violência.

Membros das comunidades revelaram, por seu lado, um claro aumento dos sentimentos de hostilidade e suspeita em relação à MINUSCA. Um homem de 45 anos, residente em Bangui, contou à equipa da Amnistia Internacional: “As pessoas tinham grandes expectativas. A MINUSCA disse-nos para aguardarmos. E que em breve eles seriam uns 12 000. Mas agora que são 12 000 não os vemos no terreno. E quando as pessoas ficam à espera que intervenham, eles não aparecem. E quando aparecem já é tarde demais”.

Entrevistas com líderes dos grupos armados mostraram que a falta de proteção prestada pela MINUSCA em muitas áreas é usada para justificar que estes grupos continuem a existir para “proteger” as populações.

Uma oportunidade para o fortalecimento

Medidas adotadas pela MINUSCA depois da violência de setembro de 2015, em que se incluem a chegada de tropas adicionais a Bangui e uma mudança nas estruturas de comando, permitiram que a resposta da missão da ONU fosse mais eficaz numa série de episódios violentos em outubro de 2015. E foram evitados incidentes de grande violência entre outubro de 2015 e janeiro de 2016, mesmo durante a visita do Papa ao país, no referendo constitucional e na primeira ronda das eleições presidenciais.

Mas continua a haver muito poucas garantias de que a MINUSCA seja capaz de dar resposta apropriada a nova eclosão de violência em larga escala. O Conselho de Segurança das Nações Unidas deverá analisar a renovação do mandato da MINUSCA em abril próximo.

“A República Centro Africana tem um dos ambientes de missões de paz com mais desafios no mundo inteiro e é crucial que a MINUSCA possua os meios necessários para exercer o seu mandato de proteger as populações civis, de garantir a justiça e dar apoio ao novo Governo”, sublinha Steve Cockburn.

O vice-diretor da Amnistia Internacional para região da África Ocidental e Central recorda que “tem havido um enorme investimento da comunidade internacional em tentar pôr fim a décadas de instabilidade na RCA”. “É chegada a altura de o Conselho de Segurança das Nações Unidas redobrar os seus esforços e compromisso e trabalhar com um novo Governo para colocar o país num rumo mais estável de uma vez por todas”, remata o perito da organização de direitos humanos.

Denúncias de abusos e crimes de direitos humanos

A MINUSCA foi ativada na RCA em setembro de 2014, assumindo as funções até então desempenhadas pela MISCA-Missão Internacional de Apoio à República Centro Africana, liderada pela União Africana.

Entre 14 de outubro e 23 de novembro de 2015, a Amnistia Internacional fez entrevistas a 85 pessoas nas cidades de Bangui e de Carnot, incluindo a responsáveis do Governo da RCA, diplomatas, funcionários de organizações não-governamentais do país e internacionais, membros de grupos armados, assim como a testemunhas e vítimas de crimes previstos pela lei internacional e abusos e violações de direitos humanos.

Nos meses recentes, as forças internacionais na RCA, incluindo a missão de paz das Nações Unidas, têm sido alvo de numerosas denúncias de abusos sexuais. A reação da ONU a estas investigações foi criticada por um painel de peritos em dezembro de 2015, e as Nações Unidas assumiram entretanto o compromisso de levar a cabo uma série de medidas para investigar as acusações.

Em agosto de 2015, o chefe da missão da MINUSCA na República Centro Africana demitiu-se, após a Amnistia Internacional ter revelado provas da violação de uma rapariga de 12 anos e o aparente assassinato indiscriminado de um rapaz de 16 anos e do seu pai por militares da força das Nações Unidas no país.

 

Artigos Relacionados