25 Junho 2015

Um aumento significativo no número de refugiados a chegarem às ilhas gregas do mar Egeu está a levar o sistema de acolhimento – que já era pouco estável – a um nível de rutura, e é sintomático do falhanço dos líderes europeus em lidarem adequadamente com a crise de refugiados, alerta a Amnistia Internacional a poucas horas do início da cimeira europeia que esta quinta-feira, 25 de junho, junta os chefes de Estado e de Governo da União Europeia.

Uma missão recente da Amnistia Internacional às ilhas gregas e posterior investigação revelaram que os migrantes e refugiados que agora estão a chegar – incluindo crianças – têm encontrado condições de acolhimento deploráveis. A falta de planeamento, o uso ineficaz dos fundos da União Europeia e o congelamento das contratações fazem com que as autoridades gregas não estejam a ser capazes de satisfazer as necessidades dos refugiados e de proteger os seus direitos. A cada mês que passa a crise aumenta, agravada pelo desastre financeiro grego.

“Milhares de pessoas vulneráveis fazem as perigosas viagens por via marítima para fugirem à guerra e à pobreza e chegam a estas ilhas e encontram um sistema de apoio que está de joelhos. A maioria das pessoas que chega agora tem acesso limitado, ou nenhum acesso, a ajuda médica ou humanitária e muitas vezes é forçada a permanecer em condições precárias em centros de detenção sobrelotados ou em campos ao ar livre”, denuncia o diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, John Dalhuisen.

“A crise no mar Egeu não é apenas uma tragédia grega, é produto do falhanço do sistema de migração europeu. Cabe aos líderes europeus reunidos esta semana reconhecerem que os esforços intoleráveis que estão a ser exigidos a países que estão na primeira linha de entrada na Europa, como a Grécia e Itália, são produto do falhanço das políticas europeias de migração. Devem ser com urgência postas em prática soluções eficazes de resposta à crise mundial de refugiados e de partilha de responsabilidades de forma mais equitativa dentro da União Europeia”.

A investigação da Amnistia Internacional revela que pelo menos 61.474 refugiados chegaram às ilhas gregas entre 1 de janeiro e 22 de junho de 2015 – um número muito superior ao registado em todo o ano de 2014 (43.500). O número de pessoas a chegar às ilhas está a aumentar, com uma média de mais de 5.000 pessoas por semana nas primeiras três semanas de junho.

A grande maioria dos refugiados e migrantes arrisca viagens por mar devido ao aumento das medidas de segurança nas fronteiras terrestres, à vedação instalada na fronteira terrestre com a Turquia e à prática das “devoluções” – a ilegal expulsão coletiva de migrantes junto à fronteira, forçando-os a regressar à Turquia.

À chegada às ilhas gregas, é esta a realidade:

Risco de retorno à Turquia

Apesar da condenação desta prática por diversos governos e de uma aparente redução no número de retornados por via marítima, continuam a ser feitos retornos ou “devoluções” na fronteira terrestre entre a Grécia e a Turquia. A Amnistia Internacional recolheu no local testemunhos de violentos retornos de migrantes.

“Começaram a dar-nos murros e pontapés no chão. Puxaram-me pelos cabelos e empurraram-me para o rio”. Começa assim o relato de um refugiado sírio à Amnistia Internacional sobre os maus-tratos sofridos às mãos da polícia grega que envergava balaclavas (passa-montanhas, um tipo de gorros que cobrem a cabeça até ao pescoço). O refugiado foi reenviado para a Turquia juntamente com vários outros migrantes, um grupo grande “devolvido” a 14 de abril de 2015.

“Na nossa investigação fica claro que, apesar das condenações por parte de governos, o retorno brutal de migrantes continua a acontecer”, garante John Dalhuisen. “Estes reenvios a partir das fronteiras terrestres gregas são ilegais, segundo a legislação internacional, e estão a levar cada vez mais refugiados desesperados a embarcarem em viagens perigosas pelo mar Egeu”.

Falhanço do sistema de Acolhimento Inicial

Nas ilhas gregas há apenas duas Unidades Móveis de Acolhimento Inicial, em Lesvos e Samos. A maioria das pessoas que chega agora ao país não tem acesso a Serviços de Acolhimento Inicial. Estes serviços – que visam determinar a nacionalidade dos recém-chegados e providenciar-lhes assistências médica, psicossocial e humanitária básicas  – ou existem com uma grave falta de pessoal ou são de todo inexistentes, como acontece em algumas ilhas onde o número de migrantes a chegarem é elevado (como Kos e Chios).

Um refugiado do Afeganistão que chegou com a mulher e duas crianças pequenas a Lesvos conta à Amnistia Internacional: “Os meus filhos dormiram com as roupas molhadas… Ninguém veio ter connosco. A situação aqui está muito má. Os meus filhos estão doentes, nós estamos doentes…Precisamos de um médico e de roupas”.

A falta de uma triagem faz com que grupos vulneráveis, como crianças não acompanhadas, não cheguem a ser identificados e assinalados. Dados oficiais de 2014 referem que 1.097 crianças não acompanhadas chegaram às ilhas e à região de Evros e que 216 terão dado entrada entre 1 de janeiro e 3 de junho de 2015. Os números atualizados são provavelmente muito superiores.

A quantidade muito limitada de lugares disponíveis nos abrigos faz com que muitas crianças não acompanhadas sejam mantidas em centros de detenção de imigrantes por períodos prolongados – em média, 37 dias.

Crianças não acompanhadas dão conta à Amnistia Internacional de situações de maus-tratos. Um rapaz afegão descreve que um polícia o atirou para o chão no centro de detenção para imigrantes de Moria, em Levros. Um outro rapaz afegão de 17 anos, que passou 70 dias no mesmo local, conta: “Não temos água quente para os lavarmos… e muitos nem sequer têm cobertores”.

Condições de detenção desumanas e degradantes

As pessoas que pretendem requerer asilo são frequentemente detidas durante semanas até os seus requerimentos serem registados. As dificuldades que os refugiados que requerem asilo enfrentam resulta de um número insuficiente de Gabinetes Regionais de Asilo e da falta de pessoal.

As condições nos centros de detenção para imigrantes estão muito abaixo dos padrões internacionais e nacionais e, em algumas situações, podem mesmo constituir uma forma de tratamento desumano e degradante.

Há uma sobrelotação crónica e uma falta de higiene que passam por casas de banho inundadas, colchões manchados, poucas camas e roupas, cortes de energia e falta de água quente. É frequente não ser dada nenhuma muda de roupa aos recém-chegados, o que os obriga a dormirem com as roupas molhadas com que chegam.

A sobrelotação implica que muitos refugiados tenham de dormir ar livre, por exemplo, em portos. Em Lesvos os requerentes de asilo são forçados a dormir num campo montado num parque de estacionamento com lotação já três vezes acima da sua capacidade. Um centro de detenção de imigrantes em Samos, com capacidade para 280 pessoas, em junho acolhia 600 refugiados. Um dentro de detenção em Chios com capacidade para 208 excedia este número, na mesma altura, em mais de 300 pessoas.

É tempo de agir

“A dupla crise financeira e de refugiados causou uma ‘tempestade perfeita’ nas ilhas gregas, apenas possível de dominar com uma ação concertada das autoridades gregas e dos líderes europeus. A Grécia deve ter nas suas ilhas, com urgência e em número suficiente, guarda-costeiros, polícias e autoridades para fazer o acolhimento inicial por forma a permitir a gestão da receção dos refugiados recém-chegados”, insta JohnDalhuisen.

“Embora a concretização dos planos da União Europeia de deslocalização dos migrantes deva, a curto prazo, tirar alguma pressão às ilhas gregas e italianas, o que é preciso é criar rotas mais seguras e legais de entrada na Europa para os refugiados. Tal devem incluir: mais locais para reinstalação, aumento significativo dos apoios financeiros e operacionais para o acolhimento e para os procedimentos de asilo e maior liberdade de movimento para os requerentes que obtêm asilo”.

 

A Amnistia Internacional tem em curso, desde 20 de março de 2014, a campanha “SOS Europa, as pessoas acima das fronteiras“, iniciativa de pressão global para que a União Europeia mude as políticas de migração e asilo, no sentido de minorar os riscos de vida que migrantes, refugiados e candidatos a asilo correm para chegar à Europa, e garantir que estas pessoas são tratadas com dignidade à chegada às fronteiras europeias. A esta campanha está aliada uma petição que conta já com mais de 10.500 assinaturas em Portugal. Assine e partilhe!

 

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