23 Agosto 2016

 

O legado de segurança dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro foi arruinado com as mais recentes oito mortes resultantes de operações policiais durante o grande evento e uma intensa repressão de manifestações pacíficas, avalia a Amnistia Internacional.

“O Brasil perdeu a medalha mais importante em jogo no Rio 2016: a hipótese de se tornar campeão nos direitos humanos”, frisa o diretor executivo da Amnistia Internacional Brasil, Atila Roque. “As autoridades desperdiçaram uma oportunidade de ouro no cumprimento das promessas que fizeram em pôr em prática políticas de segurança pública que tornassem o Rio de Janeiro numa cidade segura para todos. A única forma de corrigir alguns dos muitos erros cometidos durante os Jogos Olímpicos é garantir que todas as mortes e outras violações de direitos humanos pela polícia são eficazmente investigadas e os responsáveis julgados”, insta o perito.

Aumento de mortes às mãos da polícia

O número de mortes por ação policial no Rio de Janeiro tem aumentado de mês para mês em 2016, conforme a cidade se preparava para acolher o mundo no grande evento desportivo.

De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro, a polícia matou 35 pessoas só na cidade do Rio em abril deste ano, mais 40 em maio e 49 em junho – o que corresponde a uma média de mais de um morto todo os dias.

Muito violentas operações policiais ocorreram durante os Jogos do Rio 2016 (de 5 a 21 de agosto) em várias zonas da cidade, incluindo Acari, Cidade de Deus, Morro do Borel, Manguinhos, Complexo do Alemão, Complexo da Maré, em Del Castilho e em Cantagalo. Nestas operações foram mortas pelo menos oito pessoas (três em Del Castilho, quatro no Complexo da Maré e uma em Cantagalo) – e este balanço pode ainda aumentar, uma vez que estão ainda por confirmar mais mortes ocorridas em duas outras favelas, Acari e Manguinhos.

Os habitantes destas zonas do Rio de Janeiro denunciaram outras violações de direitos humanos, como invasões de propriedade, ameaças diretas e agressões físicas e verbais cometidas pela polícia.

A “guerra às drogas” no Brasil e a abordagem de operações de segurança com agentes fortemente armados põem também as forças de segurança em risco. Pelo menos dois polícias foram mortos durante os primeiros dez dias dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro.

Só na primeira semana do grande evento mundial (entre 5 e 12 de agosto) foram registados 59 incidentes envolvendo armas de fogo na região metropolitana do Rio de Janeiro – uma média assustadora de 8,4 por dia, que representa quase o dobro da semana anterior, em que foram identificados 32 incidentes de tiroteios (uma média de 4,5 por dia). Naquele mesmo período, foram mortas pelo menos 14 pessoas e outras 32 feridas devido a violência armada, segundo os dados coligidos na app Fogo Cruzado, aplicação móvel lançada pela Amnistia Internacional em julho passado para rastrear incidentes com armas de fogo ocorridos nas favelas da cidade.

Repressão de protestos

As manifestações foram duramente reprimidas pela polícia, tanto dentro como fora dos complexos desportivos. Protestos públicos pacíficos feitos no Rio de Janeiro entre 5 e 12 de agosto foram confrontados com violência policial, incluindo o recurso das forças de segurança a armas menos letais como gás lacrimogéneo e granadas de atordoamento. Muitos manifestantes foram detidos e outros forçados a abandonar zonas onde decorriam provas dos Jogos Olímpicos por empunharem cartazes ou terem vestido t-shirts com mensagens de protesto – o que constitui uma flagrante violação do direito de expressão.

Em São Paulo, também, ocorreu um episódio de repressão de uma manifestação, a 5 de agosto, envolvendo um forte dispositivo policial e do qual resultaram mais de 100 detenções, incluindo as de pelo menos 15 menores de idade.

“Chegámos ao fim dos Jogos Olímpicos com ainda mais políticas militarizadas de segurança pública, caraterizadas por uma repressão muito seletiva, o uso de força excessiva e operações de táticas de combate nas favelas. O resultado é claro: um aumento no número de mortes e de outras violações de direitos humanos dos habitantes daquelas zonas da cidade, em particular de homens negros jovens”, descreve Atila Roque.

O diretor executivo da Amnistia Internacional Brasil sublinha ainda que “uma vez mais, o legado de um grande evento desportivo no Brasil ficou manchado por mortes às mãos da polícia e abusos cometidos contra manifestantes pacíficos”. “O Comité Olímpico Internacional e outros organismos desportivos não podem permitir que estes eventos sejam feitos à custa dos direitos das pessoas”, remata o perito da organização de direitos humanos.

 

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