24 Janeiro 2014

As autoridades egípcias estão a lançar mão de todos os recursos possíveis para estrangular qualquer forma de dissidência e esmagar os direitos humanos, sustenta a Amnistia Internacional no relatório divulgado esta quinta-feira, em vésperas de se assinalar o terceiro aniversário da “Revolução de 25 de janeiro”, bem no auge da Primavera Árabe.

O documento, intitulado Roadmap to repression: No end in sight to human rights violations (Mapa para a repressão: violações dos direitos humanos sem fim à vista), descreve uma imagem bem negra do estado dos direitos e liberdades no Egito desde o derrube do Presidente Mohamed Morsi, em julho passado.

“O Egito tem assistido nestes últimos sete meses a uma série de ataques aos direitos humanos e de violência do Estado a um nível sem precedentes. Três anos passados, as aspirações da ‘Revolução de 25 de janeiro’ por dignidade e direitos humanos no país parecem ainda mais longe de alcançar do que nunca. Muitos dos arquitetos da revolta estão agora presos e a repressão e impunidade estão na ordem do dia”, critica a diretora-adjunta do programa da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África, Hassiba Hadj Sahraoui.

Em todos os planos do poder, as autoridades egípcias estão a limitar a liberdade de expressão e de reunião e de assembleia. Foi aprovada legislação profundamente repressiva que torna muito mais fácil ao Governo silenciar os críticos e esmagar os protestos. As forças de segurança têm agora rédea livre para agirem fora do âmbito da lei e sem a perspetiva de poderem ser responsabilizados por quaisquer abusos cometidos.

Devido a estas medidas, o Egito está claramente no caminho “para uma cada vez maior repressão e confrontos”, sustenta Hassiba Hadj Sahraoui. “A não ser que as autoridades mudem de rumo e adotem medidas concretas para mostrar que respeitam os direitos humanos e o Estado de direito, a começar já com a libertação imediata e incondicional dos prisioneiros de consciência, o Egito ficará muito provavelmente com as prisões cheias de pessoas detidas ilegalmente e as morgues e hospitais receberão cada vez mais vítimas da força arbitrária e abusiva da polícia”, avalia ainda a diretora-adjunta da AI para o Médio Oriente e Norte de África.

O Presidente egípcio, Adly Mansour, num discurso feito no passado fim-de-semana, argumentou que a nova Constituição, adotada em referendo, abre o caminho para construir um país que “respeita a liberdade, a democracia e faz dos direitos e da justiça um modo de vida e de trabalho”.

“Na verdade, o estado atual de direitos humanos no Egito não pode ser mais diferente. O Governo será julgado pelas suas ações e não pelas palavras. Garantias verbais soam vazias se a repressão no terreno continua a aumentar e qualquer pessoa pode ser presa apenas por fazer um tweet. As autoridades egípcias têm de aliviar o controlo estrangulador que mantêm sobre a sociedade civil e permitir as manifestações pacíficas e outras formas legais de expressão de desacordo. As políticas que estão a ser seguidas agora constituem uma traição às aspirações por pão, liberdade e justiça social da ‘Revolução de 25 de janeiro’”, nota Hassiba Hadj Sahraoui.

 

Violência sem precedentes contra manifestantes

Nos meses recentes, o país tem sido palco de uma violência sem precedentes, com as forças de segurança a serem responsáveis por gravíssimas violações de direitos humanos, recorrendo frequentemente a força excessiva, mesmo letal, contra manifestantes da oposição e protestos nos campus universitários.

Desde 3 de julho de 2013, pelo menos 1.400 pessoas foram mortas devido a violência policial, a maior parte na sequência de uma repressão excessiva por parte das forças de segurança. Não foi tão-pouco feita nenhuma investigação séria à morte de mais de 500 apoiantes de Morsi, quando foram brutalmente dispersos num protesto na praça de Rabaa al-Adawiya, bem no coração da capital, em agosto de 2013 (na foto). Nem um só agente das forças de segurança foi acusado em relação ao incidente, que foi um cruel banho de sangue a uma escala sem precedentes.

“Em vez de controlar as forças de segurança, as autoridades deram-lhes efetivamente um mandato para reprimir. Uma vez mais no Egito a retórica do “antiterrorismo” está a ser usada para justificar razias radicais que não distinguem entre dissidência legítima e ataques violentos”, argumenta a diretora-adjunta da AI para o Médio Oriente e Norte de África. E insta as autoridades a asseverarem que “as forças de segurança são responsabilizadas por estas violações de direitos humanos” – ao contrário do que lhes tem sido permitido, “de agirem impunemente e, assim, sentirem-se com poder para fazerem o que quiserem”.

O ciclo de abusos só terminará quando o Estado de direito for respeitado e ninguém esteja acima da lei, independentemente do cargo e afiliações políticas. Mas desde a “Revolução de 25 de janeiro”, apenas um pequeno grupo de agentes de baixas patentes das forças de segurança foram condenados pela morte de manifestantes.

Nos meses que se seguiram ao golpe militar que derrubou Mohamed Morsi da presidência, aumentaram significativamente os ataques a postos de controlo e edifícios das forças de segurança e governamentais, que as autoridades atribuem a “grupos terroristas”. O Governo egípcio tem o direito e o dever de proteger vidas e julgar aqueles que são responsáveis por tais crimes, mas os direitos humanos não podem ser sacrificados em nome do “antiterrorismo”.

Bem nas vésperas do terceiro aniversário da revolta egípcia na Primavera Árabe, este sábado, 25 de janeiro, o ministro do Interior, Mohamed Ibrahim, avisou que tanto prisões como esquadras da polícia foram reforçadas com um arsenal de armas pesadas. Numa mostra de poderio, e revelando até que ponto as forças de seguranças se sentem confiantes, Mohamed Ibrahim desafiou quem quisesse a testar a sua força.

 

Carta-branca para a repressão

A mais severa repressão tem sido sobre a liberdade de expressão e de reunião e de assembleia. Milhares de pessoas tidas como apoiantes e membros da Irmandade Muçulmana (de Morsi) são detidos apenas por criticarem o derrube do Presidente. Mulheres, homens e crianças que manifestam pacificamente a sua oposição ao regime militar também não são poupados.

Em dezembro, a Irmandade Muçulmana foi oficialmente designada uma “organização terrorista”, o que tornou ainda mais fácil para as autoridades controlarem e estrangularem o grupo – pelo menos 1.055 organizações de beneficência e apoio ligadas à Irmandade Muçulmana tiveram os seus bens congelados a 23 de dezembro.

Centenas de estudantes foram também detidos durante protestos e confrontos de manifestantes com a polícia. Num caso emblemático, em novembro, Mohamed Reda, de 19 anos, foi morto a tiro na Universidade do Cairo quando a polícia antimotim disparou gás lacrimogéneo e balas reais no campus universitário.

Ativistas seculares e estudantes têm sido alvos da repressão, no que se revela uma tentativa generalizada por parte do Governo para esmagar toda e qualquer dissidência no país, através de todo o espectro político. Figuras de proa do movimento que conduziu à “Revolução de 25 de janeiro” estão hoje presos apenas por terem ousado exigir responsabilização das autoridades nas violações e abusos de direitos humanos.

Nova legislação sobre as manifestações, que introduziu uma série de maiores limitações à possibilidade de marchas e protestos, constitui uma ameaça muito séria à liberdade de expressão e de reunião e assembleia, ao permitir que as forças de segurança usem força excessiva contra manifestantes pacíficos. Estas leis são um autêntico aval do Estado à repressão e uma carta-branca para todo o tipo de abusos por parte das forças de segurança.

Além de tudo isto, registam-se ataques contra jornalistas e à liberdade de expressão nos media, assim como buscas e tentativas de adotar ainda mais fortes restrições à ação das organizações não-governamentais. As autoridades estão a tentar ainda usar o sistema de justiça criminal como um instrumento de repressão, para punir opositores do Governo.

“Está a assistir-se a um esforço concertado para expelir e esmagar observadores independentes e ativistas, jornalistas e trabalhadores das organizações não-governamentais. É uma tentativa deliberada de fazer com que se torne cada vez mais difícil funcionarem no Egito e continuarem o seu trabalho de documentar e relatar os abusos que estão a ser cometidos pelo Estado”, remata Hassiba Hadj Sahraoui.

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