10 Março 2014

Crimes de guerra e crimes contra a humanidade estão a ser cometidos contra os milhares de palestinianos e sírios sitiados em Yarmouk, nos arredores de Damasco, que se encontra sob um cerco armado brutal por parte das forças governamentais sírias, denuncia a Amnistia Internacional.

O relatório “Squeezing the life out of Yarmouk: War crimes against besieged civilians” (“Espremer a vida em Yarmouk: Crimes de guerra contra civis sitiados”), publicado esta segunda-feira, 10 de março, a poucos dias do terceiro aniversário do conflito na Síria, salienta que contam-se já quase 200 mortos desde que o cerco se intensificou, em julho de 2013, cortando o acesso dos residentes de Yarmouk a comida e medicamentos.

A investigação da Amnistia Internacional apurou que pelo menos 128 pessoas morreram à fome na catastrófica crise humanitária provocada nestes últimos oito meses pelo cerco a Yarmouk. “A vida em Yarmouk está cada vez mais difícil para os civis, que se encontram numa situação de total desespero, à fome, e encurralados numa espiral de sofrimento sem forma nenhuma de conseguirem escapar”, frisa o diretor do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional, Philip Luther.

“Os civis em Yarmouk estão a ser tratados como peões num jogo mortal no qual não têm nenhum controlo”, salienta.

Este relatório atesta que as forças governamentais sírias e aliados têm repetidamente lançado ataques, incluindo raides aéreos e bombardeamentos com armas pesadas, contra edifícios civis: escolas, hospitais e pelo menos uma mesquita em Yarmouk. Algumas das zonas atacadas serviam de abrigo a pessoas que estavam deslocadas dentro da Síria, devido ao conflito que eclodiu há quase três anos, ou a refugiados palestinianos. Médicos e outros profissionais de saúde têm igualmente sido um alvo constante.

“Os ataques indiscriminados contra as áreas civis, causando mortos e feridos, constituem um crime de guerra. Atacar repetidamente zonas densamente povoadas, onde os civis não têm quaisquer meios de fuga, revela uma atitude cruel e desprezo total pelos princípios mais básicos das leis internacionais humanitárias”, nota Philip Luther.

Pelo menos 60 por cento das pessoas que permanecem em Yarmouk estão em estado de má nutrição. Residentes testemunharam à Amnistia Internacional que não comem fruta nem vegetais há vários meses. Os preços dos alimentos mais essenciais dispararam e um quilo de arroz chega ali a custar mais de 70 euros.

“As forças sírias estão a cometer crimes de guerra, a deixar civis à fome como uma arma de guerra. As histórias angustiantes que nos chegam, de famílias a terem de comer cães e gatos para não morrerem à fome, de civis atacados por atiradores furtivos quando estão nas ruas em busca de comida, são episódios recorrentes da história de terror que ganhou forma em Yarmouk”, revela ainda o diretor do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional.

Ajuda humanitária permitida tem sido  “uma gota no oceano”

O campo de refugiados de Yarmouk está sem energia elétrica desde abril de 2013. A partir de julho seguinte, o cerco das forças governamentais cerrou-se mais ainda: nenhum alimento, nenhum fornecimento de água, nenhuns medicamentos chegam aos que lá estão.

Mesmo com as entregas intermitentes de alimentos feitas pela Agência das Nações Unidas de Assistência Humanitária (UNRWA) em janeiro e em fevereiro de 2014, esta ajuda está muito aquém de responder às necessidades básicas em Yarmouk. Os trabalhadores das agências humanitárias comparam os esforços feitos até agora a “uma gota no oceano”. E o recomeço dos bombardeamentos a que se assistiu nos últimos dias cortou mais uma vez o fornecimento de bens essenciais à zona uma vez mais.

“O número de mortos continua a aumentar em Yarmouk e a situação é catastrófica. É angustiante pensar em quantas vidas podiam ter sido salvas se tivesse sido possível fazer chegar cuidados médicos adequados a estas pessoas”, lamenta Philip Luther.

A Amnistia Internacional colheu relatos de que houve mulheres a morrerem durante o parto, de crianças e idosos a sofrerem mais ainda que quaisquer outros. Morreram em Yarmouk 18 crianças, incluindo crianças, desde o intensificar do cerco. Há também registo de muitos casos em que pessoas adoecem por terem comido plantas não comestíveis ou venenosas e carne de cão.

Os hospitais na zona já há muito tempo que não têm nem mesmo os mais simples suprimentos clínicos. A maior parte, de resto, viram-se obrigados a fechar portas. Residentes de Yarmouk contaram à Amnistia Internacional que grupos da oposição armada saquearam tudo a que conseguiram deitar a mão nos hospitais e roubaram ambulâncias.

Os profissionais de saúde estão sob constante intimidação. Pelo menos 12 foram detidos durante o cerco, a maior parte em postos de controlo; outros seis desapareceram após serem capturados pelas forças governamentais sírias. Pelo menos um médico terá sido morto sob tortura às mãos das tropas do Presidente sírio, Bashar al-Assad.

“Atacar médicos e demais profissionais de saúde que estão a prestar assistência a pessoas doentes e feridas é um crime de guerra. Ambos os lados neste conflito têm de parar com os ataques contra os médicos e contra os trabalhadores das agências humanitárias”, lembra Philip Luther.

Desde o início do cerco, em abril de 2011, foram detidas pelo menos 150 pessoas em Yarmouk – 80 delas permaneciam presas em finais de fevereiro de 2014, quando a Amnistia Internacional conduziu esta investigação. A organização insta à libertação imediata e incondicional de todos quantos foram detidos apenas devido às suas opiniões políticas ou à sua identidade.

Um castigo coletivo

Para a Amnistia Internacional o cerco de Yarmouk está a ser feito como um castigo coletivo de uma população civil, que não merece o sofrimento que está a ser obrigada a suportar. “O Governo sírio tem de pôr fim a este cerco prontamente e permitir o acesso incondicional das agências de ajuda humanitária aos civis”, frisa ainda o diretor do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional.

Uma resolução aprovada no mês passado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas insta todas as partes envolvidas no conflito na Síria a levantarem os cercos às zonas povoadas, a permitirem acesso incondicional às agências humanitárias e a porem fim às violações de direitos humanos e das leis internacionais humanitárias. Mas isto não resultou ainda em nenhuma melhoria tangível da situação dos civis cercados na Síria.

“O cerco de Yarmouk é o mais mortal de uma série de cercos armadas de zonas civis que já foram impostos pelas forces governamentais sírias ou pelos grupos armadas da oposição e afetaram mais de 250 mil pessoas por todas as partes da Síria. Estes cercos estão a causar um sofrimento humano imensurável e têm de terminar imediatamente”, remata Philip Luther.

A Amnistia Internacional insta a que qualquer pessoa suspeita de cometer ou dar ordem à prática de crimes de guerra e crimes contra a humanidade seja julgada – incluindo o encaminhamento dos casos para o procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI). Os princípios reguladores do TPI constantes no Estatuto de Roma (de 1998) deixam bem claro que certos atos, em que se incluem o homicídio, a tortura e os desaparecimentos forçados, constituem crimes contra a humanidade quando são cometidos num ataque generalizado e sistemático contra uma população civil.

Artigos Relacionados