14 Novembro 2014

As autoridades do Qatar estão a mover-se a passo demasiadamente lento para resolverem os abusos generalizados dos direitos dos trabalhadores migrantes no país, é sustentado numa análise da Amnistia Internacional publicada seis meses após o Governo ter anunciado uma série de reformas que visam refrear a exploração laboral que está a anteceder o Mundial de Futebol de 2022.

“No Extra Time: How Qatar is still failing on workers’ rights ahead of the World Cup” (Sem tempo extra: as falhas do Qatar nos direitos dos trabalhadores na antecipação para o Mundial de Futebol) expõe a forma como o Governo do país tem vindo a falhar na tarefa de fazer reformas nos sistemas legislativos que permitem o abuso dos trabalhadores migrantes; assim como os muito pequenos progressos feitos em numerosos planos que anunciara em 2014.

“O tempo está a esgotar-se. Passaram-se já quatro anos desde que o Qatar ganhou a candidatura para ser anfitrião do Mundial de Futebol, colocando-se no centro das atenções mundiais, e, até à data, as autoridades não fizeram muito mais do que prometer agir e projetos-de-lei no que toca aos abusos dos trabalhadores migrantes”, sublinha o responsável de Direitos dos Refugiados e Migrantes da Amnistia Internacional, Sherif Elsayed-Ali. “É preciso agir urgentemente para garantir que não teremos um Mundial de Futebol construído com trabalho forçado e exploração”, prossegue o perito.

Este documento analisa a resposta dada pelas autoridades do Qatar a nove questões fundamentais dos direitos dos trabalhadores migrantes no Qatar. Em cinco delas não se registaram nenhuns progressos, e nas restantes quatro apenas evoluções muito limitadas ou parciais foram alcançadas.

“Apesar das repetidas promessas de corrigir a sua conduta na antecipação para o Mundial de Futebol, o Governo do Qatar parece continuar a arrastar os pés em algumas das muito cruciais mudanças necessárias, como a abolição da obrigatoriedade de autorização de saída do país e a revisão do abusivo sistema de patrocinadores [que “amarra” os trabalhadores aos empregadores]”, explica Sherif Elsayed-Ali.

Trabalhadores encurralados

A Amnistia Internacional tem vindo a instar repetidamente o Qatar para pôr fim ao mecanismo de autorização de saída do país, que constitui uma violação flagrante dos direitos dos migrantes e o qual põe nas mãos do empregador o controlo sobre as deslocações do trabalhador, podendo facilmente conduzir a que migrantes em situação de exploração fiquem encurralados e sem possibilidade de abandonarem o Qatar.

Tem sido também um apelo constante da Amnistia Internacional às autoridades do Qatar que façam uma reforma do sistema de patrocinadores, também conhecido como “kafala”, o qual encoraja a ocorrência de situações de trabalho forçado.

A organização de direitos humanos denunciou já, em dois relatórios emitidos em 2013, as práticas exploratórias que persistem no Qatar – atrasos no pagamento dos salários dos migrantes, condições de trabalho duras e perigosas, muito más condições de vida – e detalhou casos chocantes de trabalho forçado e de violência física e sexual contra trabalhadores domésticos.

Na esteira do bem audível protesto internacional estimulado por notícias críticas nos meios de comunicação social e pela pressão exercida pela Amnistia Internacional e outras organizações de direitos humanos, o Governo do Qatar contratou a empresa de advocacia DLA Piper para investigar as alegações de abuso reportadas.

Em maio passado, a DLA Piper apresentou uma série de recomendações ao Governo num relatório abrangente que também destaca críticas ao sistema de patrocinadores. E, pouco depois, as autoridades do Qatar anunciaram uma série de reformas, incluindo propostas de revisão ao “kafala”, assim como ao mecanismo de autorização de saída do país, além de prometerem abolir a lei que impede os trabalhadores migrantes de voltarem ao Qatar por um prazo de dois anos após terem terminado um contrato de trabalho.

Oportunidade perdida

Para a Amnistia Internacional, o anúncio destas reformas resultou numa oportunidade perdida, uma vez que estas não resolvem o problema que está no cerce das questões que contribuem para o abuso generalizado dos trabalhadores migrantes naquele país. E até mesmo aquelas muito limitadas propostas de reformas continuam por ser cumpridas.

Além disto, verifica-se que foram totalmente desadequadas as medidas tomadas pelo Governo para afastar os principais obstáculos com que os trabalhadores se deparam quanto tentam obter justiça, assim como para resolver as sérias preocupações que respeitam à saúde e à segurança dos trabalhadores do sector da construção.

“Seis meses passaram e apenas uma mão cheia das muito limitadas medidas anunciadas em maio foram parcialmente postas em marcha. Na generalidade, os passos dados até agora foram lamentavelmente insuficientes”, avalia o responsável de Direitos dos Refugiados e Migrantes da Amnistia Internacional. “Ao não agir rapidamente para resolver as falhas e as lacunas que existem em direitos humanos, o Qatar arrisca-se seriamente a danificar a sua credibilidade e a ver o seu compromisso com os direitos humanos ser posto em causa”, remata o perito.

A Amnistia Internacional insta as autoridades do Qatar a darem passos iniciais e concretos, como parte das reformas abrangentes necessárias para que o sistema de patrocinadores e as leis laborais respeitem as obrigações de direitos humanos do país. São eles:

  • abolir inequivocamente o mecanismo de autorização de saída do país,
  • lançar uma investigação independente às causas das mortes de trabalhadores migrantes,
  • reduzir os proibitivos custos judiciais dos processos em que trabalhadores demandam em tribunal os empregadores,
  • tornar públicos os nomes dos recrutadores de trabalho e empregadores que recorrem à exploração laboral,
  • alargar aos trabalhadores domésticos as garantias legais laborais que estão consagradas aos outros sectores.

A organização de direitos humanos vai continuar a monitorizar os passos dados pelo Qatar para resolver estes e outros assuntos ao longo dos próximos seis meses.

 

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