11 Maio 2016

Pelo menos 11 crianças com menos de seis anos, incluindo quatro bebés, estão entre as 149 pessoas que morreram desde o início deste ano após terem sido encarceradas em condições horríveis no infame centro de detenção do quartel de Giwa, nos arredores da cidade nigeriana de Maiduguri, denuncia a Amnistia Internacional.

 

 

  • Há bebés entre as 149 pessoas que morreram sob detenção no quartel de Giwa em 2016

  • 11 crianças com menos de seis anos morreram desde fevereiro

  • Mais de 120 crianças permanecem detidas no quartel

Provas recolhidas pela organização de direitos humanos em entrevistas com antigos detidos e testemunhas oculares, e através de vídeos e fotografias, demonstram que muitos detidos em Giwa podem ter morrido de doença, fome, desidratação e ferimentos causados por balas. O briefing “If you see it, you will cry”: Life and death in Giwa barracks” (Se o vissem, choravam: a vida e a morte no quartel de Giwa) contém também imagens de satélite que corroboram os depoimentos feitos por várias testemunhas ouvidas pela Amnistia Internacional.

“A descoberta de que bebés e crianças muito novas morreram em péssimas condições sob detenção militar é ao mesmo tempo horrível e angustiante. Temos feito soar o alarme repetidas vezes sobre a elevada taxa de mortalidade dos detidos no quartel de Giwa, mas estas descobertas mais recentes mostram que, tanto para adultos como para crianças, aquele centro de detenção continua a ser um local de morte”, descreve o diretor de Pesquisa e Políticas da Amnistia Internacional para a região de África, Netsanet Belay.

Este perito frisa que “não pode haver desculpas nem mais demoras”. “O centro de detenção no quartel de Giwa tem de ser fechado imediatamente e todos os que ali esse encontram detidos libertos ou transferidos para a tutela das autoridades civis”. O Governo da Nigéria tem ainda de pôr em funcionamento urgentemente sistemas que garantam a segurança e o bem-estar das crianças que são libertas após a detenção”, insta.

A Amnistia Internacional estima que cerca de 1 200 pessoas estão atualmente detidas no quartel de Giwa, em condições de sobrepopulação e insalubres. Muitas foram arbitrariamente detidas em vagas de detenções maciças, frequentemente sem nenhuma prova recolhida contra elas. E uma vez dentro do centro de detenção do quartel, ficam encarceradas sem nenhum acesso ao mundo exterior nem a julgamento. Pelo menos 120 dos 1 200 detidos em Giwa são crianças.

Detenções e morte de crianças

Pelo menos 12 crianças morreram no quartel de Giwa desde fevereiro passado, 11 delas com menos de seis anos. Crianças com menos de cinco anos, e até bebés, têm sido mantidas em três celas de mulheres amplamente sobrelotadas. Só no último ano registou-se um aumento para dez vezes mais no número de detidos nestas celas: de 25 em 2015 para 250 no início de 2016. As condições de insalubridade fazem com que as doenças se espalhem. A Amnistia Internacional recolheu testemunhos de que estão cerca de 20 bebés e crianças com menos de cinco anos em cada uma daquelas três celas.

Uma testemunha descreveu aos investigadores da organização de direitos humanos ter visto os cadáveres de oito crianças, incluindo um bebé de cinco meses, dois com um ano, uma criança de dois anos, outra de três, uma outra de quatro e ainda duas com cinco anos.

Dois antigos detidos em Giwa reportaram que dois meninos e uma menina, entre o um ano e dois, morreram em fevereiro de 2016. Uma dessas antigas detidas no quartel nigeriano, uma mulher de 20 anos, contou à Amnistia Internacional que foi mantida encarcerada numa cela de mulheres durante mais de dois meses em 2016. “Morreram três [bebés] enquanto lá estive. Quando morrem crianças, é uma enorme tristeza”.

Outra testemunha ouvida pela Amnistia Internacional, uma mulher de 40 anos que esteve presa em Giwa durante mais de quatro meses, contou que os soldados ignoraram sistematicamente os pedidos de assistência médica aos detidos. “O sarampo eclodiu quando começou a estação quente. De manhã, eram dois ou três [bebés doentes], e ao fim do dia já eram cinco. Via-se como estavam cheios de febre, como os corpos ficavam quentes e eles choravam dia e noite. Tinham os olhos vermelhos e a pele com erupções. Mais tarde apareceu pessoal médico que confirmou que era um surto de sarampo”.

Após as mortes destas crianças, começaram a ser feitos controlos médicos mais regulares, avança a mesma testemunha. “A cada dois dias vinha alguém ao pátio [prisional] e dizia para lhes levarmos as crianças que estavam doentes. O médico observava-as ali à porta para o pátio e dava os remédios”.

Apesar destas medidas, há indícios de que as crianças continuaram a morrer no centro de detenção. Entre 22 e 25 de abril, morreu um bebé de um ano, e um rapazinho e uma rapariga de cinco anos.

Os rapazes com mais de cinco anos, quer tenham sido detidos sozinhos ou com os pais, são mantidos juntos em outras celas. Tal como acontece com todos os outros detidos no quartel, é-lhes negado o acesso a familiares e são mantidos sem possibilidade de contactarem com o exterior.

Duas crianças que estiveram detidas naquela cela contaram aos investigadores da Amnistia Internacional que não receberam visitas de nenhum familiar nem lhes foi permitido sair da cela com exceção das ocasiões em que eram chamados para serem contados pelos soldados.

Um dos rapazes ouvidos pelos investigadores descreveu que as famílias que foram detidas todas juntas eram separadas à chegada ao quartel de Giwa. “O pai é posto numa cela, a mãe noutra e as raparigas vão com as mães”. E as condições em todo o centro de detenção, continuou: “É fome e sede e calor – estes são os principais problemas”.

O outro rapaz, que esteve detido na mesma cela, confirmou: “Não havia comida suficiente. A comida era mesmo muito pouca”.

Libertações públicas de grupos numerosos de detidos, incluindo crianças muito novas e bebés, feitas no início de 2016, demonstraram que a detenção de menores no quartel de Giwa não é nenhum segredo.

A 12 de fevereiro passado, as autoridades fizeram uma cerimónia de libertação de 275 pessoas que estavam detidas injustificadamente em Giwa sob “suspeita de envolvimento em atividades terroristas ou de rebelião”. Segundo o major general Hassan Umaru, entre aqueles 275 detidos estavam “142 homens, 49 mulheres, 22 menores e 50 crianças filhos de mulheres que foram ilibadas”.

De acordo com declarações de fontes militares nigerianas, notícias veiculadas pelos órgãos de comunicação locais e testemunhas, o Exército libertou pelo menos 162 crianças desde julho de 2015.

Detenções e morte de adultos

Pelo menos 136 homens morreram em detenção no quartel de Giwa em 2016, incluindo 28 que aparentavam ter ferimentos causados por balas.

Provas fotográficas e de vídeo dos corpos esqueléticos de 11 homens e de uma criança com menos de dois anos foram analisadas por um perito forense independente. Um antigo detido em Giwa contou aos investigadores da Amnistia Internacional que “de manhã abrem as celas e levam para fora os baldes da urina e fezes, depois são os cadáveres que são levados para fora”.

Vários corpos foram levados para uma casa mortuária em Maiduguri e daí funcionários da Agência de Proteção Ambiental do Estado de Borno transferiram-nos em camiões do lixo para serem enterrados em valas comuns não marcadas no cemitério de Gwange.

Uma testemunha descreveu à Amnistia Internacional que, desde novembro de 2015, um camião do lixo daquela agência se desloca ao cemitério duas ou três vezes por semana, onde os funcionários enterram os cadáveres numa zona separada da área pública.

Fotografias tiradas no cemitério mostram covas recentemente abertas na zona que é visitada pelos funcionários da agência ambiental nigeriana. E imagens de satélite, captadas em novembro de 2015 e em março de 2016, corroboram que a terra foi revolvida naquela zona do cemitério.

Condições de detenção horríveis

Várias testemunhas indicaram aos investigadores da organização de direitos humanos que as condições de detenção são piores nas celas dos homens. Um homem de 38 anos, que esteve quatro meses em 2016 encarcerado em Giwa, reportou que os detidos recebiam cerca de meio litro de água por dia. “Há uma pequena tijela de plástico para a comida, do tamanho que se usa para as crianças. É só isso que dão a cada refeição”.

Outro homem, recentemente liberto ao fim de cinco meses detido no quartel, avançou por seu lado: “Não há colchões nas celas, por isso dorme-se no chão. Há muita gente nas celas. Dá para nos deitarmos, mas só de lado, e não conseguimos virarmo-nos de um lado para o outro”.

Os detidos não têm instalações para se lavarem e as celas só muito raramente são limpas. As doenças propagam-se facilmente e depressa. Um outro antigo detido de Giwa contou que “ninguém tem camisolas e dá para contar as costelas nos troncos; não há forma de nos limparmos, por isso vive-se no meio da doença; é como estar dentro de uma sanita; eu e o meu irmão ficámos doentes na cela; as diarreias são comuns”.

Apesar das medidas tomadas para melhorar as condições nas celas de detenção no quartel de Giwa em 2014 e em 2015, com os detidos a receberem refeições três vezes por dia, cobertores e colchões e um maior acesso a instalações sanitárias e a assistência médica, as detenções maciças recentes anularam na prática algumas destas melhorias e as taxas de mortalidade sob detenção estão a aumentar.

“Perante um inimigo tão brutal como o [grupo armado islamita], tem sido um desafio essencial para o Exército nigeriano derrota-lo sem jamais deixar de respeitar os direitos humanos e os princípios do Estado de direito. E este é um desafio em que parece estarem a falhar”, avalia Netsanet Belay. “As mortes de detidos no nordeste da Nigéria não são novidade. Mas com a sobrelotação dos centros de detenção a aumentar, também cresce o número de cadáveres esqueléticos que saem do quartel de Giwa, com bebés e crianças entre eles”, prossegue odiretor de Pesquisa e Políticas da Amnistia Internacional para a região de África.

O perito salienta ainda que “quase um ano depois de a Amnistia Internacional ter revelado que numerosas pessoas morreram sob detenção na Nigéria, é mais do que tempo para o Presidente [, Muhammadu] Buhari, cumprir a promessa de lançar uma investigação urgente a estas mortes, libertar as crianças e fechar o centro de detenção do quartel de Giwa sem mais demoras”.

Três anos de alertas

A Amnistia Internacional recolheu indícios substanciais de que pelo menos 149 pessoas morreram sob detenção no quartel de Giwa, em Maiduguri, entre janeiro e 28 de abril de 2016. O mês com um mais elevado registo de mortes foi abril, com o total de 65 pessoas a perecerem naquele centro de detenção militar nigeriano. Em abril morreram mais 39 pessoas, incluindo oito bebés e crianças.

As condições existentes no quartel de Giwa e em outros centros de detenção militar na Nigéria têm sido objeto de alertas desde 2013. Em junho de 2015, a Amnistia Internacional publicou o relatório “Stars on their shoulders. Blood on their hands: War crimes commited by the Nigerian military” (Divisas de estrelas nos ombros. Sangue nas mãos: os crimes de guerra cometidos pelo Exército da Nigéria), onde é revelado que sete mil pessoas morreram em detenção militar na Nigéria desde 2011, devido a fome, sede, doença, tortura e falta de cuidados médicos. Esta investigação demonstrou que só em 2013 mais de 4 700 corpos foram levados do quartel de Giwa para uma casa mortuária.

Em fevereiro deste ano, o chefe de estado-maior do Exército nigeriano garantiu aos investigadores da Amnistia Internacional que as condições de detenção sob tutela militar eram significativamente melhores do que aquilo que era documentado no relatório “Stars on their shoulders”. Este responsável militar asseverou que o quartel de Giwa e outras estruturas de detenção militar no nordeste do país são “detenções provisórias” e que os suspeitos eram rapidamente transferidos para uma outra prisão noutra zona da Nigéria.

A sobrelotação nas celas do quartel de Giwa é resultado direto de um sistema de detenções arbitrárias maciças no estado de Borno. Conforme o Exército ia recuperando o controlo de cidades e vilas que estiveram nas mãos do grupo armado islamita Boko Haram durante 2015, os residentes daquelas zonas fugiram para as áreas conquistadas pelos militares. Estas pessoas – em especial os homens e rapazes adolescentes – foram detidos ao chegarem a cidades como Banki e Bama ou após terem passado algum tempo em campos para deslocados internos.

Em três casos, a Amnistia Internacional documentou detenções arbitrárias em larga escala feitas em 2016, envolvendo centenas de pessoas. Estas detenções têm todas as caraterísticas de serem arbitrárias, resultado de avaliações aleatórias baseadas no género da pessoa e idade em vez de quaisquer provas de comportamento criminoso.

A organização de direitos humanos escreveu ao chefe de estado-maior do Exército nigeriano a 12 de abril de 2016 pedindo uma resposta às provas recolhidas nas suas investigações e mais informação sobre as mortes que ocorreram sob detenção militar. A 20 de abril desse mês, o chefe de estado-maior reagiu indicando que a Amnistia Internacional deveria contactar diretamente o Procurador-geral, sem se pronunciar sobre as provas apresentadas. Nova carta foi dirigida ao procurador-geral e ao chefe de estado-maior da Defesa, a 27 de abril passado – de onde não chegou ainda nenhuma resposta.

Os detidos que são libertos dos centros de detenção militar enfrentam frequentemente forte estigma devido a terem estado presos sob suspeita de pertencerem ou apoiarem grupos armados. O Governo tem, assim, de criar urgentemente mecanismos que garantam a segurança e bem-estar de antigos detidos, especialmente crianças.

 

Artigos Relacionados