3 Outubro 2016

O Parlamento Europeu tem de aprovar medidas para fortalecer a histórica regulação da União Europeia (UE) no combate ao comércio de equipamento e instrumentos que possam ser usados em práticas de tortura, para infligir maus-tratos ou executar pessoas, instam a Amnistia Internacional e a Omega Research Foundation, em vésperas do debate e voto crucial esta terça-feira, 4 de outubro, na assembleia europeia, das últimas emendas ao Regulamento (Council Regulation, EC) 1236/2005 sobre o comércio de tortura, já validadas pelo Conselho Europeu.

“O mercado global está repleto de equipamento sinistro como correntes para as pernas e bastões com picos que podem facilmente ser transformados em ferramentas de tortura. Introduzir na UE restrições mais apertadas à venda, negociação e promoção destes instrumentos aproximar-nos-á mais um passo da erradicação deste comércio vergonhoso”, frisa a consultora em Controlo de Armas, Comércio de Segurança e Direitos Humanos da Amnistia Internacional, Ara Marcen Naval.

Esta perita lembra que “há demasiado tempo que é permitido às empresas lucrarem com o sofrimento humano”. “Este voto [no Parlamento Europeu] constitui uma oportunidade para a UE enviar a mensagem de que não tolerará a tortura”, sublinha ainda.

A Amnistia Internacional e a Omega têm desenvolvido intensa campanha para que seja posto fim às lacunas na regulação existente, incluindo as que permitem que empresas com sede na UE e empresas que fazem negócios na UE possam promover abertamente no espaço europeu dispositivos em feiras de armas, exposições e também online, quando a importação e exportação desse mesmo equipamento estão proibidas pela UE.

Por exemplo: catálogos em que é promovido equipamento banido como algemas de polegares, bastões com picos e instrumentos pesados de restrição de movimentos das pernas foram distribuídos na exposição Milipol, em Paris, em novembro de 2015. Estavam em exibição no local imobilizadores de pernas em ferro e um escudo com picos. E a 28 de setembro passado, o site da empresa alemã PKI Electronic Intelligence GmbH continuava a anunciar algemas de choques elétricos com 60 mil volts, e com a arrepiante frase promocional “Nunca viram uma pessoa em fuga parar tão depressa!”

O pacote de emendas que os eurodeputados vão votar esta terça-feira inclui uma série de medidas pelas quais a Amnistia Internacional, a Omega e outras organizações têm exercido pressão.

“A Comissão, o Parlamento e os Estados-membros da UE têm de garantir agora que dispositivos proibidos feitos para infligir dor e sofrimento, ou outros que possam ter essa utilização, não podem ser exibidos despreocupadamente em feiras comerciais no espaço da UE nem promovidos online por empresas europeias”, exorta o investigador da Omega Michael Crowley. “E instamos todos os órgãos, todas as instituições e todos os 28 Estados-membros da UE a assegurarem que as novas medidas aprovadas no âmbito do fortalecimento do Regulamento são postas em práticas total, imediata e eficazmente”, prossegue este perito.

Mais emendas positivas ao Regulamento que a Amnistia Internacional e a Omega apoiam incluem:

  • a proibição explícita de circulação pelo espaço da UE de equipamento e dispositivos concebidos especificamente para infligir tortura e maus-tratos ou executar pessoas;
  • a proibição de negociação por empresas com sede na UE de equipamento banido quando este não entra em território da UE
  • a proibição de prestar treino e assistência técnica no uso de equipamento banido;
  • a adoção de um “procedimento de emergência” que permitirá à UE ativar de forma mais célere controlos sobre novos tipos de dispositivos considerados inerentemente abusivos

A Amnistia Internacional e a Omega instam a que sejam tomadas ainda mais medidas para concretizar os objetivos do Regulamento. Aqui se incluem a proibição de que empresas da UE prestem treino a polícias e a forças de segurança pelo mundo inteiro em técnicas que podem ser definidas como tortura e outros maus-tratos.

É o caso de vídeos com sessões de treino que estão disponíveis no site de uma empresa checa, os quais mostram pessoas a serem ensinadas a aplicar pressão na garganta de um preso no que é designado como técnica de imobilização “choke-hold” (sufocar e agarrar). O treino nesta técnica não é atualmente proibido, apesar de a técnica em si mesma parecer infringir as recomendações do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura.

A Amnistia Internacional e a Omega exortam também as instituições e os Estados-membros da UE a agirem para pôr fim ao comércio global da tortura.

Os negócios a nível internacional de equipamento de segurança e policiamento são, na maior parte dos países, muito menos rigorosamente controlados do que o comércio de armas militares convencionais e munições.

“Os líderes da UE estão a definir fortes padrões regionais com estas novas regras. Isto pode funcionar como um exemplo a seguir por outros países fora da UE. É chegada a hora da UE assumir uma posição forte e ajudar a pôr fim ao comércio da tortura”, remata Ara Marcen Naval.

Regulamento histórico

O histórico Regulamento (Council Regulation, EC) 1236/2005 é o único mecanismo regional legalmente vinculativo no combate ao comércio de dispositivos “de forças de segurança” que não têm nenhum outro uso prático que não a tortura, os maus-tratos e a execução de pessoas, assim como de controlo do comércio de instrumentos que podem ter uma utilização legítima mas que também podem facilmente ser mal utilizados para aqueles mesmos fins.

A sessão plenária do Parlamento Europeu em Estrasburgo, esta terça-feira, vai debater e votar um pacote de emendas que receberam já o aval e foram acordadas em negociações do Parlamento e do Conselho Europeu no início deste ano em encontros informais de “trílogo” (nos quais se reúnem negociadores do Parlamento, do Conselho e da Comissão Europeia). As emendas foram também já votadas na Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu.

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