25 Setembro 2014

Quem se lembra de Beatriz? Aos 22 anos quase morreu no hospital quando as autoridades de El Salvador rejeitaram a interrupção da gravidez essencial para lhe salvar a vida. A pressão internacional levou o governo a abrir uma exceção, mas poucas têm a mesma sorte. A repressiva e retrógrada proibição total do aborto vigente no país está a tirar a vida a muitas mulheres, reitera a Amnistia Internacional num relatório lançado esta quinta-feira, 25 de setembro.

El Salvador é um dos países mais restritivos em matéria de legislação relacionada com a interrupção da gravidez. O aborto é proibido em toda e qualquer circunstância. No relatório “On the brink of death: Violence against women and the abortion ban in El Salvador” (“À beira da morte: Violência sobre as mulheres e a proibição do aborto em El Salvador”), a Amnistia Internacional demonstra como a lei restritiva se traduz na morte de centenas de mulheres e raparigas.

A proibição total do aborto empurra as mulheres para abortos clandestinos, inseguros, ou força-as a uma gravidez perigosa, relata o relatório da Amnistia Internacional. Dados do Ministério da Saúde de El Salvador indicam que foram realizados no país 19.290 abortos clandestinos entre 2005 e 2008. Mais de um quarto terá sido feito por raparigas com menos de 18 anos. Hoje estima-se que a realidade seja ainda pior.

A criminalização da prática também resulta em longas sentenças de prisão para mulheres que se suspeite terem abortado. As penas podem ir de dois a oito anos de prisão, mas o relatório da Amnistia Internacional documenta casos de mulheres que abortaram espontaneamente e foram sentenciadas a décadas atrás das grades. A legislação para homicídio permite penas de até 50 anos de prisão.

“No dia da leitura da sentença só sentia dor. Quando leram pedi forças a Deus. ‘Senhor’, disse, ‘o meu filho terá 45 anos quando eu sair deste lugar’”, conta María Teresa Rivera aos investigadores da Amnistia. Tudo aconteceu em 2011, tinha então 28 anos e era mãe solteira de um rapaz de cinco. Não sabia que estava grávida quando, no trabalho, sentiu uma necessidade urgente de ir à casa de banho. Foi encontrada pela sogra, no chão, com uma hemorragia.

Seguiu para o hospital e foi um funcionário que denunciou o sucedido à polícia. María Teresa foi julgada e considerada culpada de homicídio qualificado. Está a cumprir 40 anos de prisão e é apenas uma de um grupo de 17 mulheres presas no país por aborto espontâneo. Algumas estão há mais de 10 anos atrás das grades. Todas esgotaram os recursos judiciais disponíveis e pedem clemência ao Presidente. María Teresa, como a maioria das mulheres mencionadas no relatório da Amnistia Internacional, pertence à camada mais pobre da sociedade.

A proibição de aborto em El Salvador aplica-se também a quem tenha sido violada. A lei obriga todas as mulheres a levarem a gravidez até ao fim, mesmo que tal possa ter efeitos devastadores, a nível físico ou psicológico.

“A terrível repressão que mulheres e raparigas enfrentam em El Salvador é verdadeiramente chocante e assemelha-se a tortura. Está a ser-lhes negado o direito fundamental a tomarem decisões sobre o seu próprio corpo e caso ousem fazê-lo são severamente punidas”, denuncia o secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty, no lançamento do relatório, esta quinta-feira, 25 de setembro, em El Salvador.

“O mundo não pode ficar de braços cruzados a assistir ao sofrimento e à morte de mulheres e raparigas em El Salvador. A Amnistia Internacional insta o governo de El Salvador a descriminalizar o aborto”, continua Salil Shetty. “O governo deve garantir que todas as mulheres têm acesso a serviços de interrupção da gravidez seguros e legais sempre que a gravidez seja um risco para a vida e saúde da mulher, sempre que resulte de violação ou quando exista malformação grave do feto”.

O secretário-geral da Amnistia Internacional está numa visita de alto nível ao país. Acompanhe no Twitter @SalilShetty.

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