5 Outubro 2017

Os governos europeus puseram milhares de afegãos em enorme perigo ao forçá-los a regressarem a um país onde ficam em risco de ser sujeitos a tortura, raptos e mortos, e de outros abusos de direitos humanos, considera a Amnistia Internacional em novo relatório, publicado esta quinta-feira, 5 de outubro.

  • Retornos forçados da Europa aumentam ao mesmo tempo que o Afeganistão se torna mais perigoso
  • Governos europeus estão errados ao sustentarem que há partes do Afeganistão que são seguras
  • 2016 foi o ano mais mortal para os civis de que há registo e 2017 segue pelo mesmo caminho

Numa altura em que as mortes de civis no Afeganistão alcançam os níveis mais altos de que há registo, este novo relatório mostra que os governos da Europa estão a forçar cada vez mais requerentes de asilo a voltarem para os perigos dos quais fugiram, numa desavergonhada violação da lei internacional.

O relatório – intitulado Forced Back to Danger: Asylum-Seekers Returned from Europe to Afghanistan (Forçados a voltar ao perigo: requerentes de asilo devolvidos da Europa ao Afeganistão) – detalha casos lancinantes de afegãos sujeitos a retornos forçados pela Noruega, Holanda, Suécia e Alemanha e que acabaram por ser mortos, feridos em ataques à bomba ou abandonados a uma vida de terror profundo de serem perseguidos devido à sua orientação sexual ou conversação ao cristianismo.

“Determinados em aumentar o número de deportações, os governos europeus implantaram uma política que é ao mesmo tempo ilegal e imprudente. Intencionalmente de olhos fechados às provas de que a violência regista um recorde máximo e de que não há parte nenhuma segura no Afeganistão, [os governos] estão a pôr pessoas em risco de serem torturadas, raptadas, mortas ou outros horrores”, descreve a investigadora da Amnistia Internacional Anna Shea, perita em Direitos dos Refugiados e Migrantes.

Entre os afegãos obrigados a regressar pelos países europeus estão crianças não acompanhadas e jovens adultos que eram menores à data em que chegaram à Europa, é revelado no relatório agora publicado. Muitas pessoas entrevistadas pelos investigadores da organização de direitos humanos foram forçadas a voltar a partes do Afeganistão onde nunca tinham estado, apesar da patente situação perigosa e da impunidade em crimes como a tortura.

“Estes retornos forçados violam descaradamente a lei internacional e têm de parar imediatamente. Os mesmos países europeus que em tempos prometeram ajudar os afegãos a terem um futuro melhor estão agora a esmagar as suas esperanças e a abandoná-los num país que se tornou ainda mais perigoso desde que de lá se conseguiram escapar”, junta por seu lado a investigadora da Amnistia Internacional Horia Mosadiq, perita em Afeganistão.

Números disparam em retornos forçados e em vítimas civis

O número de retornos forçados da Europa aumentou drasticamente numa altura em que as vítimas civis registadas pelas Nações Unidas no Afeganistão atingem os mais elevados níveis.

Estatísticas oficiais da União Europeia (UE) dão conta que, entre 2015 e 2016, o número de afegãos forçados a regressar ao país natal por países europeus quase triplicou: a subida foi de 3 290 pessoas para 9 460. Estes retornos forçados correspondem a uma pronunciada queda na admissão de requerimentos de asilo, de 68% registados em setembro de 2015 para 33% em dezembro de 2016.

Simultaneamente, o número de vítimas civis no Afeganistão disparou, de acordo com os dados compilados pela Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (UNAMA). Em 2016 foram mortas ou feridas 11 418 pessoas e nos primeiros seis meses de 2017, apenas, a UNAMA documentou 5 243 vítimas civis.

Os ataques contra civis ocorreram em todas as partes do país e, na maioria, foram perpetrados por grupos armados, incluindo os talibãs e o autoproclamado Estado Islâmico.

A 31 de maio passado, num dos maiores ataques em toda a história de Cabul, a capital afegã, mais de 150 pessoas foram mortas e o dobro feridas na explosão de uma bomba junto a várias embaixadas europeias.

Mortos, feridos e a viver com medo de perseguição

Os investigadores da Amnistia Internacional entrevistaram várias famílias que descreveram, de forma inesquecível, as provações pelas quais tiveram de passar após terem sido forçadas a regressar ao Afeganistão por países europeus. São histórias de perda de entes queridos, de uma sobrevivência à justa a ataques contra a população civil e de uma vida imersa em medo de serem perseguidos num país que já mal conhecem.

Sadeqa (nome fictício para proteção da testemunha) e a família fugiram do Afeganistão em 2015 depois de o seu marido, Hadi, ter sido raptado, espancado e finalmente liberto em troca de um resgate. Enfrentando os riscos de uma viagem de meses, chegaram à Noruega esperançosos em conseguirem um futuro seguro.

As autoridades norueguesas recusaram-lhes o requerimento de asilo e deram-lhes a escolher entre serem detidos antes de os deportarem ou serem-lhes dados 10 700 euros para que voltassem ao Afeganistão “voluntariamente”.

Alguns meses apenas após o regresso, o marido de Sadeqa desapareceu. Os dias passaram sem saberem do seu paradeiro. Hadi tinha sido morto e a sua mulher acredita que os raptores o mataram. Agora, Sadeqa tem medo até de visitar a campa do marido.

Também forçada a regressar da Noruega para o Afeganistão, em outubro de 2016, a família Farhadi contou que, logo no mês seguinte ao seu retorno forçado, se encontravam nas imediações da mesquita de Baqir-ul-Uloom, em Cabul, quando se deu um ataque à bomba em que morreram pelo menos 27 pessoas. O grupo armado autoproclamado Estado Islâmico reivindicou este atentado.

A intensidade da explosão foi tão brutal que Subhan Farhadi, então com dois anos, caiu dos braços da mãe e ficou ferido. Quando a família voltou para casa, o bebé começou a sangrar dos ouvidos. Continua a sofrer dores num dos ouvidos, vários meses passados desde o ataque à bomba.

Já Farid (nome fictício para proteção da testemunha) fugiu do Afeganistão com a família ainda era criança. Começaram por rumar juntos para o Irão de onde ele acabaria por partir já sozinho para a Noruega, onde se converteu ao cristianismo. Em maio de 2017 foi deportado para Cabul – a mesma cidade onde se registam os mais elevados níveis de violência em todo o Afeganistão, com 19% do total de vítimas civis em todo o país em 2016.

Este jovem afegão não tem memórias nenhumas do Afeganistão. Vive agora aterrado de ser alvo de perseguição, num país onde os grupos armados, incluindo os talibãs, atacam pessoas por se terem convertido a uma fé diferente do Islão. “Tenho muito medo. Não sei nada sobre o Afeganistão. Para onde hei-de ir? Não tenho dinheiro para poder viver sozinho e não posso viver com familiares porque eles veriam que eu não oro”, contou à equipa de investigação da Amnistia Internacional.

Tenho muito medo. Não sei nada sobre o Afeganistão. Para onde hei-de ir?

Outra história de medo da perseguição é a de Azad (nome fictício para proteção da testemunha): também cresceu no Irão e acabou por rumar para a Holanda com o irmão. Forçado a regressar ao Afeganistão em maio de 2017, este afegão identifica-se como homossexual e tem medo de que a sua orientação sexual seja descoberta por pessoas que lhe desejem mal.

O medo de o obrigarem a voltar ao Afeganistão era tão grande que Azad tentou suicidar-se antes de ter sido deportado da Holanda. “Aqui, tento ser um homem. Estou a ficar doido. Fico aterrorizado à noite – tenho mesmo muito medo”, descreveu.

“Uma taça envenenada”

Longe de desconhecerem a situação perigosa no Afeganistão, os governos europeus reconheceram-no quando a UE assinou o acordo “Joint Way Forward” para proceder ao retorno de requerentes de asilo afegãos.

Num documento que foi objeto de fuga de informações, organismos da União Europeia reconheciam o “agravamento da situação de segurança e as ameaças a que as pessoas estão expostas” no Afeganistão. Eram também referidos nesse documento “os níveis recorde em ataques terroristas e de vítimas civis” no país. Porém, insistiram, insensivelmente, que “pode haver a necessidade potencial de mais de 80 mil pessoas serem devolvidas no futuro próximo”.

Existem provas credíveis de que aquela “necessidade” foi expressa pela UE para exercer pressão sobre o Governo afegão. O ministro das Finanças afegão, Ekil Hakimi, explicou ao Parlamento do país: “Se o Afeganistão não cooperar com os países da UE na crise de refugiados, tal terá um impacto negativo no volume da ajuda alocada ao Afeganistão”.

No mesmo sentido, fonte confidencial afegã com conhecimento do texto do acordo avançou à Amnistia Internacional que se trata de “uma taça envenenada” de que o Governo afegão está a ser obrigado a beber em troca da ajuda financeira.

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