25 Maio 2016

Sumário

Esta política foi desenvolvida com a perceção das elevadas taxas de abusos de direitos humanos de que são alvo, por todo o mundo, as pessoas envolvidas em trabalho sexual – termo que a Amnistia Internacional usa exclusivamente em referência a trocas consensuais entre adultos. A política identifica os maiores obstáculos à concretização e fruição dos direitos humanos por parte de quem faz trabalho sexual e destaca as obrigações dos Estados para os resolverem.

Múltiplas formas de discriminação e de desigualdades estruturais, que se entrecruzam, exercem impacto nas vidas de muitas pessoas que desempenham trabalho sexual, e podem ter peso na tomada de decisão de uma pessoa em se envolver ou permanecer na atividade de trabalho sexual, assim como nas experiências pelas quais passam enquanto mantêm essa atividade. Pessoas que são alvo de múltiplas formas de discriminação e de desigualdades estruturais, como as mulheres e quem enfrenta discriminação devido à sua orientação sexual, identidade de género, raça, casta, etnia, identidade indígena, estatuto de migração ou outro ainda, estão frequentemente sobre-representadas no trabalho sexual.

Além da marginalização que quem tem a atividade de trabalho sexual pode enfrentar, com base no seu género e/ou outras características da sua identidade e estatuto, estas pessoas são frequentemente confrontadas também com censura, juízos de valor e atribuição de culpa por serem vistas como transgressoras das normas sexuais ou sociais e/ou estereótipos de género com base no seu envolvimento em trabalho sexual. A natureza estigmatizada e criminalizada do trabalho sexual força, de forma quotidiana, quem desempenha essa atividade a fazê-lo às margens da sociedade, em ambientes clandestinos e perigosos, com muito limitado recurso a segurança ou à proteção do Estado. Consequentemente, as pessoas que fazem trabalho sexual enfrentam riscos acrescidos de ser alvo de violência e de abusos, e os crimes contra elas cometidos não são muitas vezes reportados, ou são muito parcamente investigados e/ou não são punidos, o que dá impunidade aos perpetradores.

Esta política adotada pela Amnistia Internacional estabelece as obrigações dos Estados em respeitarem, protegerem e a fazerem cumprir a fruição completa dos direitos humanos de quem desempenha trabalho sexual. Também detalha as medidas a adotar e/ou adotadas pelos Estados que a Amnistia Internacional avalia como serem as melhores para minorar os obstáculos com que rotineiramente se confrontam as pessoas que têm a atividade de trabalho sexual para conseguirem exercer e fruir dos seus direitos. Esta política está alicerçada nos princípios de redução dos efeitos nocivos e danosos, da igualdade de género, do reconhecimento do sentido individual de controlo sobre si mesmo de quem faz trabalho sexual e nos padrões internacionais de direitos humanos.

 

Em especial, esta política estabelece que os Estados devem:

  • Abordar os subjacentes estereótipos nocivos de género e outros, a discriminação e as desigualdades estruturais que conduzem à marginalização e à exclusão e levam as pessoas de grupos marginalizados a vender sexo em números desproporcionados, assim como à discriminação de quem exerce a atividade de trabalho sexual.

  • Cumprir as obrigações a que estão vinculados no que se refere aos direitos económicos, sociais e culturais de todas as pessoas, em particular garantindo o acesso de todos à educação e a opções de emprego e a segurança social, para prevenir que qualquer pessoa tenha de recorrer à venda de sexo como meio de sustento devido a pobreza ou discriminação.

  • Combater a discriminação direta e indireta de género e de outras formas, assim como assegurar que são respeitados, protegidos e satisfeitos igualmente os direitos humanos de todas as pessoas, incluindo mulheres e raparigas, e também aqueles que se encontram em risco de discriminação e de abusos devido à sua orientação sexual ou identidade de género e de expressão, à sua raça, casta, etnia, identidade indígena, estatuto de migrante ou quaisquer outras características de identidade.

  • Repelir as leis existentes e refrearem-se de adotar nova legislação que criminalize ou penalize diretamente, ou na prática, a troca consensual de serviços sexuais entre adultos a troco de pagamento.

  • Refrearem-se de aplicar discriminatoriamente outras leis contra pessoas que exercem a atividade de trabalho sexual, como as de vagabundagem, mendicidade e ociosidade, assim como as dos requisitos de imigração.

  • Garantir a participação significativa de pessoas que fazem trabalho sexual no desenvolvimento da legislação e das politicas que afetam diretamente as suas vidas e segurança.

  • Reorientar as leis de um quadro de ofensas que criminalizam todos ou a maior parte dos aspetos do trabalho sexual para legislação e políticas que protegem a saúde e a segurança de quem exerce trabalho sexual, e que se opõem a todos os atos de exploração e de tráfico na atividade comercial do sexo (incluindo de crianças).

  • Assegurar que existem enquadramentos e serviços eficazes que permitam às pessoas deixarem a atividade de trabalho sexual se e quando o quiserem.

  • Garantir que quem desempenha trabalho sexual têm acesso igual à justiça, a cuidados de saúde e a outros serviços públicos, assim como a proteção igual ao abrigo da lei.

 

Os Estados devem concretizar as obrigações mencionadas através dos seguintes três níveis de intervenção:

  • Aplicar as leis penais para prevenir o trabalho forçado, o tráfico humano, o abuso e a violência no contexto da atividade comercial de sexo, assim como o envolvimento de crianças em atos comerciais sexuais.

  • Assegurar que as proteções legais referentes à saúde, ao emprego e à discriminação estão acessíveis a quem desempenha trabalho sexual, e que são eficazes na proteção destas pessoas de serem alvo de abusos e de exploração.

  • Operacionalizar medidas legislativas e de políticas económicas, sociais e culturais para abordar e encontrar soluções para a discriminação intersecional, os estereótipos de género nocivos e o impedimento do exercício dos direitos económicos, sociais e culturais que podem conduzir à entrada no trabalho sexual, à estigmatização de quem exerce essa atividade e à limitação da sua saída quando e se quiser deixar de vender sexo.

 

A Amnistia Internacional exorta à descriminalização de todos os aspetos do trabalho sexual consensual entre adultos dado as previsíveis barreiras que a criminalização cria ao exercício e fruição dos direitos humanos por quem faz trabalho sexual.

Tal como é descrito nesta política (ver documento na íntegra, em inglês), a Amnistia Internacional considera que, para proteger os direitos de quem tem a atividade de trabalho sexual, é necessário não só repelir as leis que criminalizam a venda de sexo, mas também aquelas que fazem com que a compra de sexo entre adultos e com consentimento, ou a organização do trabalho sexual (como é o caso das proibições de licenças de arrendamento de propriedades para o trabalho sexual), seja uma ofensa criminal.

Tais leis forçam as pessoas que desempenham trabalho sexual a operarem secretamente, de formas que põem em risco a sua segurança, e impedem condutas que quem exerce trabalho sexual adota para maximizar a sua segurança, além de que acabam por permitir que sejam negados apoio e proteção a estas pessoas por parte de responsáveis governamentais. E, dessa forma, tais leis minam uma série de direitos humanos de quem exerce trabalho sexual, incluindo o direito à segurança pessoal, a alojamento e à saúde.

Esta política não argumenta que exista um direito humano a comprar sexo nem um direito humano a beneficiar financeiramente da venda de sexo por uma terceira pessoa. Em vez disso, exorta a que quem exerce a atividade de trabalho sexual tenha proteção, para que não seja alvo de exploração nem abusos por outros, e reconhece que a criminalização do trabalho sexual consensual entre adultos interfere na concretização e fruição dos direitos humanos de quem tem essa atividade.

A Amnistia Internacional não assume posição sobre a forma exata de regulamentação que o trabalho sexual deve ter, nem se é necessário que os Estados desenvolvam legislação específica para o trabalho sexual, autonomizada das leis gerais que regulam de forma abrangente outras áreas de atividade comercial ou práticas de trabalho em determinada jurisdição.

 

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