2 Setembro 2016

 

O arranque do ano letivo é um momento especial na vida das crianças, uma mistura de excitação e ansiedade por tudo o que o futuro lhes reserva. Mas nos campos de refugiados na Grécia é desilusão e um desejo fermente que se sente – um desejo enorme de poderem, também elas, ir à escola. Kondylia Gogou, da equipa de investigação da Amnistia Internacional na Grécia, conta aqui como crianças e pais vivem estes dias em que, para eles, as aulas não começam.

“Eis-nos chegados a setembro – e, na Europa, ao início de um novo ano letivo. Mas nas orlas do continente europeu, milhares de crianças apenas podem sonhar com o dia em que conseguirão prosseguir a sua preciosa educação.

O Parlamento grego aprovou uma nova lei a 31 de agosto que dá alguma esperança a dezenas de milhares de crianças refugiadas em idade escolar que estão encurraladas na Grécia. Esta legislação visa começar a prestar o que é designado como aulas de receção até ao final de setembro, com o propósito de preparar as crianças refugiadas no país a se integrarem no sistema nacional educativo da Grécia. Porém, persistem dúvidas sobre se é possível recrutar o número necessário de professores qualificados e sobre quão rápida a integração se concretizará.

Visitei recentemente alguns dos campos de refugiados na Grécia. Estes campos improvisados e a perder de vista não são lugar para nenhuma criança viver. Ficam alagados quando chove e no verão o calor é implacável. Há cobras e vimos crianças mordidas por mosquitos pelo corpo todo. As crianças vivem aterrorizadas com os confrontos que frequentemente eclodem nos campos. São lugares muito diferentes das salas de aulas frescas e limpas da Europa.

As crianças que encontrei nos campos falam eloquentemente sobre como era a vida delas antes e durante a guerra – na Síria, no Afeganistão e no Iraque – e como os conflitos afetaram a sua educação. “A minha escola fechava a cada dois ou três dias por causa dos bombardeamentos; uma vez caiu uma bomba nos pátios e tivemos de fugir da escola”, recordou Ghena, de 17 anos, que fugiu da Síria.

Maher, refugiado yazidi de 13 anos, teve a imensa sorte de conseguir chegar à Grécia. “Tive muito medo durante a viagem para a Grécia. Os soldados turcos dispararam contra nós. Estivemos duas horas na água… Não vou à escola há dois anos. Tenho saudades da escola”, contou.

De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR, UNHCR na sigla em inglês), dos mais de 163 000 refugiados e migrantes que chegaram à Grécia entre janeiro e agosto deste ano, 38% são crianças. Mas a Europa fechou-lhes as fronteiras.

Muitas crianças não recebem ensino formal há mais de cinco anos. Algumas contaram-nos, tristemente, que se esqueceram de como se lê e escreve; a energia e o tempo que antes dedicavam a aprenderem é agora gasta em perigosas viagens e em trabalhos mal pagos.

Diana, uma curda-síria de 14 anos, que conheci no campo Sinatex, trabalhou durante três meses como ajudante de alfaiate da Turquia. “Trabalhava 12 horas todos os dias e ganhava 500 liras turcas por mês [cerca de 151 euros]. Fui à escola só durante três anos e não sei ler nem escrever árabe nem curdo. Quero ser médica quando crescer”, contou.

Este desejo de Diana em ser médica parece estar muito fora do seu alcance, enquanto permanece à espera no campo de refugiados com a mãe e os irmãos. O pai foi reconhecido com o estatuto de refugiado na Alemanha, mas o resto da família não sabe quando nem tão pouco se alguma vez lhes será permitido reunirem-se. Diana tem enormes saudades do pai.

A falta de acesso a ensino formal agrava a monotonia da vida nos campos e exacerba a desilusão das crianças face às terríveis condições de sobrevivência que enfrentam naqueles locais. Este contexto não só as deixa num impasse de desenvolvimento como, e de forma ainda mais alarmante, contribui para distúrbios de saúde mental.

Um homem no campo de Samos expressou estar profundamente preocupado com a filha adolescente que estava a perder peso muito rapidamente devido ao stress e à baixa qualidade nutricional da alimentação. E um rapaz, num campo no Norte da Grécia, confessou que se questionava se valia a pena viver perante tão sombrias perspetivas de futuro.

Muitos pais e mães consideram que o ensino constitui uma das mais importantes perdas que têm de enfrentar. Yusuf, alfaiate de 47 anos oriundo da Síria, ficou sem uma perna num bombardeamento em Alepo e luta para se conseguir deslocar na cadeira de rodas no campo de Nea Kavala. Apesar das suas próprias dificuldades, diz que a mais dolorosa consequência da guerra é os filhos não conseguirem ir à escola há seis anos. “Aprender é como um diamante. É algo que nunca se tem o suficiente”, defende.

Voluntários dedicados, refugiados e trabalhadores de organizações não-governamentais fazem tudo o que podem. Em todos os campos que visitámos, estas pessoas providenciam atividades educativas, incluindo aulas nas línguas maternas das crianças e também em inglês e em alemão. Claro que esta linha de ação tem os seus próprios desafios: “É muito difícil as crianças conseguirem concentrar-se porque não vão à escola há muitos anos”, explica Ali, de 30 anos, licenciado em Literatura Inglesa e oriundo de Damasco que agora, no campo de Nea Kavala, ensina inglês às crianças.

“As crianças não ficam quietas mais do que alguns minutos”, descreve ainda.

Nos campos de refugiados, as crianças desejam desesperadamente a segurança de uma casa. Muitas daquelas com quem falámos disseram-nos que só desejam conseguir reunir-se com os familiares que já estão a viver em outros países da Europa, e voltar à escola normalmente e construírem as suas vidas.

“Estamos aqui há 423 dias sem nenhuma esperança, sem ensino, sem escolas. Preciso da oportunidade de ir à escola”, desabafou Abdullah, sírio de 16 anos.

Crianças, adolescentes e pais sentem que os líderes europeus lhes estão a falhar.

Eu não sabia como tranquilizar Abdullah, que garantias lhe podia dar, mas prometi-lhe que a voz e a mensagem dele seriam ouvidas – na esperança de que os líderes da Europa comecem a agir e não continuem a falhar-lhe.

A responsabilidade não é apenas da Grécia. Os líderes europeus têm até agora fracassado de forma abismal na abordagem à crise de refugiados. Os governos da Europa têm de lançar mão de todos os meios para aceitar requerentes de asilo que estão na Grécia, acelerando os processos de recolocação noutros países, facilitando a reunificação familiar e oferecendo vistos humanitários e de estudo para que as pessoas prossigam a sua viagem.

No primeiro dia do ano letivo, com as crianças de toda a Europa a – nas palavras de William Shakespeare – “rastejarem como caracóis, relutantemente, para a escola” é crucial recordar que o quanto estas crianças refugiadas desejam ir para a escola. Mas as fronteiras estão fechadas para elas. Apesar de a Grécia lhes dar esperança com o acesso a algum ensino, as probabilidades de completarem a sua educação são muito escassas e as suas brilhantes ambições estão a desvanecer-se em sonhos desesperados e cada vez mais distantes.”

Este artigo foi originalmente publicado na The European Magazine 

 

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