19 Junho 2015

 

A mulher de Raif Badawi vive com o coração apertado, e mais ainda a cada sexta-feira, em que o blogger saudita pode ser submetido à cruel e desumana punição de mais 50 chicotadas da pena de 1000 a que foi condenado. Ensaf Haidar (na foto) conta aqui o sofrimento pelo qual a família está a passar, as saudades e reitera o apelo para que o marido seja libertado e poupado à crueldade da flagelação. A Amnistia Internacional apurou que Raif Badawi voltou a não ser chicoteado esta sexta-feira, 19 de junho, sem que as autoridades sauditas apresentassem nenhuma razão oficial.

“Por estes dias, milhões de pessoas pelo mundo inteiro conhecem já o nome do meu marido, Raif Badawi. Toda esta consciencialização global é encorajadora, mas as razões pelas quais isso acontece abalam-me profundamente, até ao mais íntimo de mim.

Raif foi preso no nosso país natal, a Arábia Saudita, há três anos [a 17 de junho], apenas por expressar aquilo que pensa: o que ele fez foi pegar no computador e criar um website.

Raif é uma pessoa que ama a vida e adora a liberdade, e por esta razão recebeu a mais dura das sentenças. Está preso desde 2012, a cumprir uma pena de dez anos de prisão, e já sofreu 50 chicotadas em público das indescritivelmente cruéis 1000 a que o condenaram – demais para qualquer pessoa suportar.

Desde que o Supremo Tribunal da Arábia Saudita confirmou recentemente a sentença, sem nenhuma hipótese de recurso judicial, Raif continua a enfrentar a ameaça de mais 19 sessões de flagelação, apesar do seu frágil estado de saúde. E tudo isto apenas porque expressou as suas opiniões.

Após termos casado, em 2002, a nossa vida juntos era linda, livre, sem preocupações, até que ele decidiu criar, alguns anos mais tarde, o fórum de discussão online “Liberais Sauditas”. Desde aí que fiquei a temer pela segurança de Raif, pois sei muito bem como o regime religioso na Arábia Saudita é poderoso, feroz e arbitrário.

E estes meus receios foram concretizados em 2007, quando Raif foi oficialmente convocado pela primeira vez pela Segurança do Estado e a vida depressa se tornou muito dura para nós. Tudo piorou muito mais após a sua detenção em 2012 e então esta sentença drástica foi proferida no ano passado.

É com o mais profundo pesar que tenho de dizer que esta sentença desumana e cruel pronunciada contra Raif no ano passado tem o propósito de enviar uma mensagem clara para todos aqueles que ousem desafiar a linha-dura religiosa na Arábia Saudita. E que a recebi como um choque do qual ainda não recuperei – tornou-se um verdadeiro inferno de tortura insuportável.

Raif sempre desejou tudo de bom para mim e para os nossos filhos. Ele é pai de três anjos e um excelente marido. Jamais conseguirei descrever as saudades que tenho dele. Nós perdemos praticamente tudo desde que ele foi preso.

No primeiro dia em que Raif foi para a prisão, decidi que tinha duas escolhas: ser fraca, desistir e esconder-me num canto a chorar, ou permanecer forte e lutar pela liberdade de Raif. Sou aquele tipo de pessoa que tem sempre grandes esperanças, apesar dos obstáculos.

Passei por dias muito difíceis, mas os primeiros que passei no Canadá foram ainda piores: uma nova língua, novas pessoas e uma nova vida. E tive de lidar com tudo isto, além dos pensamentos, da falta e da enorme distância entre mim e Raif, assim como com a realidade de que não posso regressar à Arábia Saudita. Mas no Quebeque encontrei pessoas verdadeiras que me fizeram desejar que eu e Raif nos tivéssemos mudado para aqui há muito tempo.

A minha vida no Canadá pode ser descrita como ótima e perfeita. A forma como as pessoas no Quebeque nos receberam e nos tratam é mais do que magnífica. O Governo e a oposição política no Quebeque têm-nos dado enorme apoio; são todos esplêndidos. A única coisa que me falta é ter o Raif aqui connosco.

Muito para lá do Canadá, pessoas do mundo inteiro têm-nos também demonstrado enorme apoio, a mim e a Raif – e, em particular, graças aos ativistas da Amnistia Internacional que não se pouparam a esforços em campanhas e ações para nos ajudarem.

Nem todas as palavras no mundo inteiro são suficientes para expressar quão grata estou a todos pelos seus esforços para a libertação de Raif. Recentemente foi organizado um excelente périplo para que eu e as minhas mensagens cheguem aos países europeus, onde me encontrei com líderes políticos. Os líderes europeus acolheram-me bem, como se eu fosse diplomata ou política, e essa forma como me trataram fez-me sentir otimista e cheia de esperança. Toda a gente está a tentar ajudar, e tenho esperanças de que estes esforços venham a dar frutos um dia.

Implorei e quero reiterar o meu apelo a Sua Majestade, o rei Salman, governante da Arábia Saudita, para que liberte Raif e ponha fim à flagelação. É verdade que não recebi ainda resposta mas permaneço otimista e continuarei sempre a implorar, até ao último momento.”

 

Apoiantes e ativistas da Amnistia Internacional pelo mundo inteiro fazem campanha com Ensaf Haidar pela libertação de Raif Badawi. A organização de direitos humanos continua a instar as autoridades sauditas a libertarem o blogger imediatamente e de forma incondicional, assim como todos os outros prisioneiros de consciência no país. Junte-se à petição da Amnistia Internacional, apelando ao rei saudita para que Raif Badawi seja libertado: assine!

 

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