10 Novembro 2016

As autoridades iraquianas têm de investigar imediatamente relatos de que combatentes envergando uniformes da Polícia Federal do Iraque torturaram e executaram extrajudicialmente habitantes de vilas e aldeias que capturaram a sul de Mossul, insta a Amnistia Internacional.

Investigadores da organização de direitos humanos visitaram várias localidades nos distritos de Al-Shura e de Al-Qayyara, governorado de Ninewa, a sudoeste e sul de Mossul (região Norte do Iraque), tendo recolhido indícios de que pelo menos seis pessoas foram executadas extrajudicialmente nos finais de outubro passado, aparentemente por suspeitas de terem ligações ao grupo armado autoproclamado Estado Islâmico (EI).

“Homens com os uniformes da Polícia Federal cometeram múltiplas mortes ilegais, detendo e deliberadamente mantando a sangue-frio moradores de aldeias a sul de Mossul. Em alguns casos, os habitantes foram torturados antes de serem executados a tiro”, precisa a vice-diretora de Investigação do escritório regional em Beirute da Amnistia Internacional, Lynn Maalouf.

A perita sublinha que “matar deliberadamente cativos e outras pessoas indefesas é proibido pela lei internacional humanitária e constitui um crime de guerra”. “É crucial que as autoridades iraquianas encetem imediatamente investigações completas, imparciais e independentes a estes crimes previstos na lei internacional, e que julguem em tribunal os responsáveis. Sem medidas eficazes para suprimir e punir graves violações de direitos humanos, existe o risco real de assistirmos à repetição de crimes de guerra deste tipo em outras aldeias e vilas iraquianas durante a ofensiva de Mossul”, alerta ainda.

As execuções extrajudiciais investigadas pela Amnistia Internacional ocorreram no contexto dos combates na região de Al-Shura, a 21 de outubro, entre o EI e as forças governamentais iraquianas. Como toda a zona se encontrava já largamente sem população e as forças iraquianas sofreram pelo menos uma baixa mortal na manhã daquele dia, estas terão presumido que só combatentes do EI teriam ali permanecido.

Para a Amnistia Internacional é crucial não apenas que as autoridades iraquianas abram investigações a estes incidentes mas que também garantam que as testemunhas destes crimes e as suas famílias sejam protegidas de quaisquer ataques de retaliação ou de intimidação.

Os investigadores da Amnistia Internacional recolheram testemunhos de que numerosas forças iraquianas que participam na ofensiva militar contra o EI, incluindo unidades do exército, membros de duas milícias locais da chamada Mobilização Tribal e operacionais da polícia federal e local, estavam presentes nas aldeias, ou as atravessaram, quando os atos de tortura e as execuções extrajudiciais foram cometidos. Alguns relatos sugerem que um comandante de topo das “Operações de Libertação de Ninewa” estaria nas proximidades na mesma altura.

Informação obtida pela organização de direitos humanos indica que, na manhã de 21 de outubro, cerca de dez homens e um rapaz de 16 anos, na maioria oriundos das aldeias de Na’na’a e de Al-Raseef, foram torturados e sujeitos a maus-tratos depois de se terem entregado a um pequeno grupo de indivíduos que envergavam uniformes da Polícia Federal do Iraque, numa zona conhecida localmente como Nus Tal. Os dez homens e o rapaz acenaram com um pano branco e levantaram as camisas para mostrar que não tinham cintos de explosivos e que não constituíam nenhuma ameaça.

Pouco depois chegaram reforços das forças iraquianas e os dez homens e o adolescente foram levados a pé durante um quilómetro para uma área de deserto, entre a cidade de Al-Qayyarah e a região de Al-Shura. Aí, combatentes envergando uniformes da Polícia Federal agrediram-nos com cabos e com as coronhas das espingardas, esmurram-nos e pontapearam-nos e puxaram-lhes as barbas; a um deles lançaram fogo às barbas.

Os homens uniformizados forçaram-nos a deitarem-se no chão de barriga para baixo e dispararam tiros entre as suas pernas, insultaram-nos, em muitos casos usando linguagem sectária, e acusaram-nos de serem membros dos “Daesh” (o acrónimo árabe, usado localmente, em referência ao Estado Islâmico).

Ahmed Mahmoud Dakhil e Rashid Ali Khalaf, ambos da aldeia de Na’na’a, assim como um terceiro homem, oriundo de Tulul Nasser, foram depois separados do grupo. Os combatentes uniformizados espancaram-nos brutalmente antes de os matarem a tiro. Os corpos dos três homens, já em decomposição, foram encontrados no local cinco dias depois. A cabeça de Rashid Ali Khalaf tinha sido cortada do resto do corpo.

Um outro aldeão, de Al-Raseef, Hussein Ahmed Hussein, foi visto vivo pela última vez a 21 de outubro. Estava a ser algemado e levado por um grupo de homens com uniformes da polícia Federal, na mesma zona deserta entre Al-Qayyarah e Al-Shura, após ter sido agredido com coronhadas, esmurrado e insultado. O seu cadáver foi encontrado uma semana mais tarde.

Em retirada face ao avanço das forças governamentais iraquianas em direção a Mossul, os guerrilheiros do EI deslocaram à força das suas casas centenas de mulheres, crianças e idosos moradores nas aldeias de Na’na’a e de Al-Raseef para Hamam Alil, no que aparenta ser uma tentativa de os usar como escudos humanos. Os combatentes do EI fizeram anúncios públicos a 19 de outubro, usando os altifalantes das mesquitas, dando ordem aos habitantes para que abandonassem as suas casas. Porém, alguns homens jovens terão conseguido permanecer nas aldeias, escondendo-se em edifícios abandonados ou inacabados.

Hussein Dakhil é um dos que desafiaram as ordens do EI. Dois dias depois de o anúncio ser ouvido nos altifalantes das mesquitas, e já depois de as tropas governamentais iraquianas terem entrado na aldeia, a 21 de outubro, foi encontrado morto com ferimentos de dois tiros, no peito e na cara, pouco após ter saído de uma casa perto do edifício da empresa Mishraq Sulphur, na zona de Shura, que os membros do EI tinham incendiado mesmo antes de abandonarem a aldeia. O corpo de Hussein Dakhil foi encontrado com os olhos vendados e o tronco desnudado, o que sugere que foi capturado e mantido cativo durante algum tempo antes de ser executado extrajudicialmente.

Naquele mesmo dia, um outro homem, Bashar Hamadi, terá também sido morto a tiro quando corria em direção das forças iraquianas, entre as quais estavam operacionais uniformizados da Polícia Federal. Testemunhas descreveram aos investigadores da Amnistia Internacional que Bashar Hamadi mantinha a camisa levantada com as mãos enquanto corria, para mostrar que não tinha explosivos, e que foi alvejado a uns 50 metros de alcançar as forças iraquianas e ali abandonado. O corpo foi encontrado uma semana depois.

Todas estas pessoas mortas foram enterradas sem autópsias, depois de os seus cadáveres terem sido encontrados.

“Quando a ofensiva de Mossul começou, o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, deixou claro que violações [de direitos humanos] cometidas pelas forças armadas do país e suas aliadas não seriam toleradas. Agora chegou a hora para o provar”, frisa Lynn Maalouf.

A vice-diretora de Investigação do escritório regional em Beirute da Amnistia Internacional exorta as autoridades iraquianas a “investigarem imediatamente estes relatos alarmantes de execuções extrajudiciais e de tortura e a suspenderem do serviço ativo todos os indivíduos que sejam suspeitos de cometer crimes de guerra e outras graves violações de direitos humanos durante a pendência das investigações judiciais”.

Punidos por crimes do EI

A Amnistia Internacional já documentou em ocasiões anteriores casos de execuções extrajudiciais cometidas por homens envergando uniformes da Polícia Federal do Iraque. A 27 de maio de 2016, durante as operações para reconquistar Faluja e zonas circundantes, pelo menos 16 homens e rapazes da tribo Jumaila foram mortos a tiro perto de Sijir, depois de se terem entregado às forças iraquianas, em que alguns dos seus membros envergavam uniformes da Polícia Federal.

A Polícia Federal do Iraque é uma força tutelada pelo Ministério do Interior do país e tem estado envolvida nos esforços de combate à rebelião.

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