21 Julho 2016

Tanto as autoridades ucranianas como os separatistas que gozam do apoio da Rússia estão sistematicamente a deter civis no Leste da Ucrânia de forma arbitrária, em alguns casos em locais secretos e privando-os de toda a comunicação com o mundo exterior e a torturarem os detidos, apuraram a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch numa investigação conjunta publicada esta quinta-feira, 21 de julho.

Este relatório, intitulado “’You don’t exist’: Arbitrary detentions, enforced disappearances and torture in Eastern Ukraine” (“Tu não existes”: detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados e tortura no Leste da Ucrânia), assenta em entrevistas feitas a 40 vítimas de abusos, familiares, testemunhas, advogados das vítimas e outras fontes no terreno.

A Amnistia Internacional e a Human Rights Watch documentaram nove casos de detenção arbitrária e prolongada de civis pelas autoridades ucranianas, incluindo casos de desaparecimentos forçados em locais de detenção não oficiais, e também nove outros casos de detenção arbitrária e prolongada de civis pelas forças separatistas apoiadas pela Rússia. A maior parte dos casos detalhados neste relatório ocorreram durante 2015 e no primeiro semestre de 2016.

“As pessoas no Leste da Ucrânia que estão a ser capturadas e escondidas, por ambos os lados envolvidos no conflito, ficam à total mercê dos captores”, descreve a investigadora da Human Rights Watch Tanya Lokshina, perita em Europa e Ásia Central. “Nunca é legal nem justificável que se apanhem as pessoas nas ruas e se lhes corte todo o contacto com familiares e advogados, tão pouco espancá-las e cometer abusos contra elas”, critica.

O diretor de investigação da Amnistia Internacional para a Eurásia, Denis Krivosheev, frisa por seu lado que “a tortura e a detenção em locais secretos não são práticas que pertencem ao passado – nem sequer são desconhecidas – na Ucrânia”. “Estão a acontecer agora e às mãos de ambos os lados do conflito. E os países que prestam apoio, a qualquer dos lados, sabem-no perfeitamente. Não podem continuar a olhar para o lado e a ignorar estes abusos horríveis”, exorta o perito da organização de direitos humanos.

Desaparecimentos forçados e tortura

As autoridades ucranianas e os grupos paramilitares pro-Kiev têm detido civis dos quais suspeitam estarem envolvidos ou que apoiam os separatistas apoiados pela Rússia, e as forças separatistas têm detido civis de que suspeitam serem apoiantes ou que espiam para o Governo ucraniano – foi apurado na investigação conduzida pela Human Rights Watch e pela Amnistia Internacional.

Num dos casos documentados neste relatório, “Vadim” (nome fictício para proteção da identidade da testemunha), de 39 anos, foi detido e torturado primeiro por uma das fações, depois pela outra. Em abril de 2015 foi capturado por um grupo de homens armados num posto de controlo das forças ucranianas que lhe enfiaram um saco na cabeça e o interrogaram sobre alegadas ligações aos separatistas apoiados pela Rússia.

“Vadim” passou seis semanas em cativeiro, a maior parte do tempo num local aparentemente sob controlo dos Serviços de Segurança Ucranianos (SBU). Foi torturado pelos interrogadores com choques elétricos, queimado com cigarros e espancado, sendo-lhe exigido que confessasse trabalhar para os separatistas que gozam do apoio russo.

Após ter sido finalmente liberto, “Vadim” regressou à cidade de Donetsk onde foi imediatamente detido pelas autoridades locais de facto (separatistas), sob a suspeita de ter sido recrutado pelos SBU no período em que esteve cativo dos serviços secretos ucranianos. Passou então mais de dois meses em regime de incomunicabilidade numa prisão não oficial no centro de Donetsk onde os novos captores também o espancaram e sujeitaram a maus-tratos.

A tortura de detidos é sempre proibida e é sempre um crime, sublinham conjuntamente a Human Rights Watch e a Amnistia Internacional. A liderança ucraniana e as autoridades separatistas de facto têm, ambas, de garantir que todas as forças sob o seu controlo têm presente e cumprem aquele princípio essencial e deixar claro que os maus-tratos de detidos não serão tolerados.

Em alguns casos, as detenções documentadas neste relatório constituíram desaparecimentos forçados porque as autoridades rejeitaram reconhecer que a pessoa estava detida ou se negaram a prestar quaisquer informações aos familiares sobre o seu paradeiro e o que lhe aconteceu. A maior parte dos detidos foram submetidos a práticas de tortura e outros maus-tratos. Muitos dos que sofreram ferimentos devido aos atos de torturam viram ser-lhes recusados cuidados médicos.

Na quase totalidade dos 18 casos investigados no relatório “You don’t exist” a libertação de detidos civis foi objeto de conversações pela fação que os mantinha em cativeiro no contexto de troca de prisioneiros. Isto dá azo a séria apreensão de que ambos os lados no conflito podem estar a deter civis com o propósito de terem uma “moeda de troca” em potenciais trocas de prisioneiros, denunciam a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch. Tais detenções podem constituir tomada de reféns, o que é um crime de guerra.

Locais de detenção secretos dos SBU

Em três casos de desaparecimentos forçados ocorridos em território controlado pelas forças leais ao Governo ucraniano, as pessoas detidas declararam que os SBU as mantiveram em detenção secreta por períodos entre seis semanas até 15 meses. Um dos detidos foi liberto numa troca de prisioneiros; os outros dois acabaram por ser libertos sem jamais serem julgados.

A Amnistia Internacional e a Human Rights Watch apuraram nesta investigação que ocorreram detenções secretas e ilegais em locais controlados pelos SBU em Kharkiv, em Kramatorsk, em Izium e em Mariupol. Um relatório das Nações Unidas, de junho passado, identificou também a base de operações dos SBU em Kharkiv como um alegado local de detenção secreta.

Informação obtida pela Human Rights Watch e pela Amnistia Internacional através de diversas fontes, incluindo detidos recentemente libertos, indica que pelo menos 16 pessoas podem permanecer em detenção secreta no complexo dos SBU em Kharkiv. Numa carta enviada às duas organizações de direitos humanos, a agência de serviços secretos ucraniana negou ter sob sua tutela quaisquer locais de detenção além do seu único centro de detenção temporária em Kiev; foi também negado que tivessem qualquer informação referente aos alegados abusos cometidos pelos SBU que são documentados no relatório.

“As alegações de detenções secretas feitas pela Ucrânia são sérias e convincentes e merecem ser totalmente investigadas. O Governo ucraniano tem de ser honesto nisto e os países que prestam apoio internacional têm de se mostrar determinados na exigência de que acabem aquelas práticas”, insta o diretor de investigação da Amnistia Internacional para a Eurásia.

Detenções arbitrárias nas áreas sob controlo dos separatistas

Nas autoproclamadas repúblicas de Donetsk e de Luhansk, os serviços de segurança locais – que funcionam sem nenhuma monitorização nem controlo de poderes – têm detido civis arbitrariamente e, em alguns casos, submetido estas pessoas a tortura. Habitantes nas duas cidades descreveram os ministérios de segurança de facto como sendo as organizações mais poderosas e temidas nas autoproclamadas repúblicas separatistas que gozam do apoio da Rússia.

“O vazio de Estado de direito nas zonas controladas pelos separatistas priva os cidadãos que são detidos dos seus direitos e deixa-os, basicamente, em total desamparo”, critica a investigadora da Human Rights Watch Tanya Lokshina.

As pessoas que são detidas por ambos os lados em conflito no Leste da Ucrânia estão protegidas pelas leis internacionais de direitos humanos e pela lei humanitária internacional, que, inequivocamente, proíbem a detenção arbitrária, a tortura e outros maus-tratos. Os padrões internacionais exigem que alegações de tortura e outros maus-tratos têm de ser investigados e que, quando as provas o sustentam, os responsáveis têm de ser acusados e julgados em conformidade. Acresce que os detidos têm de receber alimentação, água, vestuário e abrigo adequados, além de cuidados médicos.

O Governo ucraniano e as autoridades de facto das autoproclamadas repúblicas de Donetsk e de Luhansk têm de pôr imediatamente fim aos desaparecimentos forçados e às detenções arbitrárias e em regime de incomunicabilidade, assim como adotar e executar políticas de tolerância zero à tortura e maus-tratos de detidos. Todas as partes envolvidas neste conflito devem garantir que todas as forças sob o seu controlo e tutela estão conscientes das consequências de infligir abusos a detidos, consagradas na lei internacional, exortam conjuntamente a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch.

 

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