8 Janeiro 2016

O estado de direitos humanos na Arábia Saudita continuou a deteriorar-se ao longo de 2015, desde que Raif Badawi foi flagelado em praça pública, a 9 de janeiro, por ter exercido o direito de liberdade de expressão, defende a Amnistia Internacional na véspera do primeiro aniversário do cumprimento da punição do blogger e ativista saudita.

Ao longo deste último ano, o registo de direitos humanos na Arábia Saudita tem ido de mal a pior. Mais recentemente, a execução de 47 pessoas num só dia (a 2 de janeiro), incluindo a do líder religioso xiita xeique Nimr Baqir al-Nimr, lançou uma onda de choque que continua a repercutir-se por toda a região do Médio Oriente.

Apesar da muito aclamada participação das mulheres nas eleições municipais recentes no país, a Arábia Saudita prosseguiu em 2015 a sua extensa repressão dos ativistas de direitos humanos e levou a cabo uma devastadora campanha de bombardeamentos aéreos no Iémen, na qual se tem registado a prática de graves violações da lei internacional humanitária, incluindo crimes de guerra.

“Um ano após o alarido de críticas internacionais à flagelação de Raif Badawi, este ativista e dezenas de outros prisioneiros de consciência permanecem na prisão e em risco de serem submetidos a punições cruéis e maus-tratos devido aos seus atos de ativismo pacífico”, critica o vice-diretor da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África, James Lynch. “São cada vez mais os defensores de direitos humanos que acabam condenados a penas de muitos anos de prisão ao abrigo da lei antiterrorismo da Arábia Saudita, de 2014, enquanto os aliados do reino continuam a apoiar de forma desavergonhada a repressão que é exercida no país em nome da chamada ‘guerra ao terrorismo’”, prossegue o perito da organização de direitos humanos.

Entre os muitos presos na Arábia Saudita está o advogado de Raif Badawi, Waleed Abu al-Khair, o primeiro defensor de direitos humanos a ser condenado no país ao abrigo da lei antiterrorismo (em vigor desde fevereiro de 2014), na sequência de um julgamento injusto. Dezenas de outros foram presos ao longo de 2015 com recurso àquela lei, incluindo os defensores de direitos humanos Abdulkareem al-Khoder e Abdulrahman al-Hamid – ambos membros e fundadores da agora desmantelada Associação Saudita de Direitos Civis e Políticos –, também no contexto de julgamentos injustos.

A Arábia Saudita continua a banir as associações independentes de direitos humanos e a condenar os seus fundadores e membros a longas penas de prisão por criarem “organizações não autorizadas”. Todas as reuniões públicas, incluindo manifestações pacíficas, continuam a ser proibidas ao abrigo de um decreto emitido pelo Ministério do Interior em 2011.

As autoridades sauditas têm também lançado mão da legislação antiterrorismo de 2014 e dos infames tribunais “antiterrorismo” – os Tribunais Criminais Especiais – para reprimir sistematicamente todas as formas de ativismo, incluindo com recurso a sentenças de morte contra ativistas muçulmanos xiitas como o reputado líder religioso xeique Nimr Baqir al-Nimr, forte crítico do Governo saudita e que foi executado, tal como outros três ativistas muçulmanos xiitas, no passado sábado.

Ali al-Nimr, sobrinho do xeique, e os também ativistas xiitas Dawood Hussein al-Marhoon e Abdullah Hasan al-Zaher foram detidos quando eram menores de 18 anos. E todos sujeitos a julgamentos profundamente injustos e condenados à pena de morte com base apenas em “confissões” que os jovens garantem terem sido extraídas sob tortura. O tribunal que os julgou recusou investigar as denúncias de tortura.

“As autoridades sauditas, numa vaga de repressão sangrenta sobre todas as formas de dissidência, confirmaram as sentenças de pena capital impostas a três alegados arguidos que eram menores de idade quando foram detidos, numa escandalosa violação da lei internacional e sem fundamento em nenhumas provas senão nas ‘confissões’ que os três ativistas asseveram ter sido torturados a fazer”, frisa James Lynch.

O vice-diretor da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África aponta que “isto acontece numa altura em que a Arábia Saudita intensificou a sua deriva de execuções, com pelo menos 151 pessoas a terem sido executadas entre janeiro e novembro de 2015 – o número mais elevado no reino desde 1995”. “Quase metade dos executados foram condenados por crimes que não deveriam nunca, de acordo com a legislação internacional, ser punidos com a pena capital”, critica ainda.

A Arábia Saudita tem também liderado uma coligação militar que, desde março de 2015, leva a cabo ataques aéreos em zonas do Iémen que estão sob controlo dos grupos armados huthi (tribo xiita que é apoiada pelo Irão). Centenas de civis têm sido mortos nestes raides, os quais atingem também infraestruturas civis como instalações médicas, escolas, fábricas, centrais energéticas, pontes e estradas. A Amnistia Internacional apurou que estes bombardeamentos aéreos têm sido frequentemente desproporcionados ou indiscriminados e, em alguns casos, parecem ter sido diretamente direcionados a civis ou estruturas civis.

Algumas das armas usadas no Iémen pela coligação liderada pela Arábia Saudita e que atingiram alvos civis foram produzidas ou desenhadas nos Estados Unidos e no Reino Unido. Os governos destes dois países têm também providenciado apoio logístico e informações secretas à coligação militar liderada pelos sauditas.

“Aliados da Arábia Saudita como os Estados Unidos e o Reino Unido deviam estar a usar as suas relações diplomáticas próximas para pressionar o Governo saudita, até de forma pública, a melhorar o estado de direitos humanos no país e a cumprir a lei internacional na sua campanha militar no Iémen. O seu silêncio, enquanto continuam a fornecer armas mortais à Arábia Saudita, não é sustentável”, defende James Lynch.

A flagelação de Raif Badawi

Um agente das forças de segurança sauditas infligiu 50 chicotadas com uma vara a Raif Badawi numa praça da cidade de Jidá a 9 de janeiro de 2015. Estas eram as primeiras lategadas de uma sentença de mil e ainda dez anos de prisão em que o ativista foi condenado por um tribunal em maio de 2014, por ter criado um fórum de debate público online e por ter tido atos que as autoridades consideraram “insultuosos para o Islão”.

As subsequentes séries de chicotadas foram sendo adiadas (50 a cada sexta-feira), inicialmente com a justificação de preocupações médicas sobre o estado de saúde de Badawi e depois por razões nunca divulgadas pelas autoridades do país.

Foram enviadas mais de um milhão de mensagens de apoio ao blogger saudita desde que a Maratona de Cartas de 2014 da Amnistia Internacional chamou a atenção para este caso. E em 2015, uma campanha destacou também o sofrimento pelo qual está a passar o seu advogado, Waleed Abu al-Khair.

 

Apoiantes e ativistas da Amnistia Internacional pelo mundo inteiro fazem campanha pela libertação de Raif Badawi (na foto: vigília da AI Portugal, em fevereiro de 2015, junto à embaixada da Arábia Saudita em Lisboa). A organização de direitos humanos continua a instar as autoridades daquele país a libertarem o blogger imediatamente e de forma incondicional, assim como todos os outros prisioneiros de consciência. Junte-se à petição da Amnistia Internacional, apelando ao rei saudita para que Raif Badawi seja libertado: assine!

 

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