7 Junho 2016

Um aumento drástico no número de mortes de pessoas com albinismo, cujas partes dos corpos são usadas em práticas rituais, expõe a nu o falhanço sistemático do policiamento e das medidas de segurança no Malawi que deixam este grupo extremamente vulnerável a viver imerso em terror, revela a Amnistia Internacional em novo relatório publicado esta terça-feira, 7 de junho.

O documento – intitulado “We are not animals to be hunted or sold”: Violence and discrimination against people with albinism in Malawi” (Não somos animais para sermos caçados e vendidos: a violência e a discriminação contra pessoas com albinismo no Malawi) – mostra como a vaga de ataques violentos contra pessoas com albinismo aumentou drasticamente ao longo dos últimos dois anos, com quatro pessoas, incluindo um bebé, a serem mortas só em abril de 2016.

“Esta vaga sem precedentes de ataques brutais contra pessoas com albinismo criou um clima de terror para um grupo populacional muito vulnerável e para as suas famílias, que vivem imersos num medo permanente pelas suas vidas”, frisa o diretor da Amnistia Internacional para a África Austral, Deprose Muchena. “As autoridades do Malawi estão a falhar tristemente, deixando este grupo à mercê de gangues criminosos que os caçam para obter partes dos seus corpos”, prossegue o perito.

Desde novembro de 2014, foram mortas pelo menos 18 pessoas e pelo menos outras cinco foram raptadas e continuam desaparecidas. Estima-se que os ossos são vendidos a praticantes de medicina tradicional no Malawi e em Moçambique para uso em feitiços, amuletos e poções, na crença de que estes trazem riqueza e boa-sorte. O comércio macabro de partes de corpos de albinos é também alimentado pela convicção de que os ossos destas pessoas contêm ouro.

A Amnistia Internacional calcula que o verdeiro número de pessoas com albinismo mortas no Malawi é muito provavelmente maior, uma vez que muitos rituais secretos feitos nas zonas rurais nunca são reportados. Acresce que não é feita no Malawi uma documentação sistemática dos crimes contra pessoas com albinismo.

Este relatório identifica que, além de atos de violência extrema, as pessoas com albinismo no Malawi enfrentam também discriminação social generalizada, no que se incluem insultos verbais e exclusão de acesso a serviços públicos essenciais. Os albinos são discriminados no sistema de ensino e muitos morrem de cancro da pele em consequência da falta de acesso a meios de prevenção como protetores solares e informação sobre o albinismo.

Mortes e raptos

A Amnistia Internacional regista um aumento acentuado nas mortes e raptos de pessoas com albinismo desde novembro de 2014 no Malawi. Mulheres e crianças com albinismo estão especialmente vulneráveis a serem mortas, às vezes pelos seus próprios familiares próximos.

O mês mais sangrento registado pela organização de direitos humanos foi abril de 2016, mês durante o qual quatro pessoas com albinismo foram assassinadas.

Entre elas está Whitney Chilumpha, que não tinha ainda feito dois anos quando foi raptada de casa enquanto dormia ao lado da mãe. Pedaços do crânio da bebé, alguns dentes e peças de roupa foram encontrados quatro dias mais tarde numa colina próxima da casa onde vivia. Cinco homens, incluindo o pai de Whitney, foram detidos sob suspeita de envolvimento no seu homicídio.

Outra vítima foi Jenifer Namusyo, de 30 anos, que foi encontrada morta a 30 de abril passado. Fora apunhalada nas costas, no abdómen e num dos cotovelos; os seios e os olhos removidos.

E dias antes, Davis Fletcher Machinjiri, de 17 anos, foi raptado por um grupo de homens que o traficaram para Moçambique, onde foi morto e as suas pernas e braços cortadas e ossos removidos do cadáver.

Ainda em abril, no dia 14, um grupo de agricultores encontrou o corpo de Enelesi Nkhata, uma mulher de 21 anos, enterrado numa cova rasa. Fora enganada por um familiar, o qual a convenceu que lhe arranjara um emprego num outro distrito. Apanhada indefesa, foi apunhalada no peito e foram-lhe cortados os braços e as pernas. Pelo menos dez homens, incluindo o familiar de Enelesi Nkhata, foram detidos pelo seu homicídio.

Uma mulher entrevistada pelos investigadores da Amnistia Internacional contou que “a maior parte de quem ataca [as pessoas com albinismo] são familiares próximos”. “Conheci uma mulher em Chitipa que escondia os filhos por medo. Por isso, as crianças não iam à escola”.

Pelo menos cinco pessoas foram raptadas e o seu paradeiro permanece desconhecido.

Iblah Pilo, de dois anos, foi raptado numa noite de janeiro de 2015. A mãe acordou com o som do choro da criança mas nada pode fazer para o salvar. A tia-avó do bebé contou à equipa de investigação da Amnistia Internacional: “Estamos muito preocupados por não sabermos onde Iblah está nem sequer onde foi enterrado. Queremos a verdade. Esta criança tem de ser a última a ter desaparecido”, insta ainda.

Nem os mortos são deixados em paz. A polícia do Malawi registou pelo menos 39 casos de exumação ilegal de corpos de pessoas com albinismo ou de pessoas que tinham em sua posse ossos ou outras partes de corpos retirados de cadáveres de albinos. A Amnistia Internacional receia que alguns destes casos de violação de cadáveres estejam na verdade ligados a homicídios e sejam mais do que roubo de sepulturas.

“Os cidadãos do Malawi têm de ponderar e refletir num novo entendimento sobre as dificuldades e sofrimento com os quais vive este grupo vulnerável e garantir que as pessoas com albinismo são aceites”, exorta o diretor da Associação de Pessoas com Albinismo no Malaw, Boniface Massah.

Falhanço sistemático do policiamento

De acordo com o Serviço de Polícia do Malawi, foram documentados pelo menos 69 crimes contra pessoas com albinismo desde novembro de 2014. A Amnistia Internacional apurou, porém, que a polícia do país não dispõe do treino nem das qualificações necessárias para investigar estes crimes.

O Serviço de Polícia do Malawi não possui recursos, como transportes, para responder atempadamente aos crimes reportados, nem para manter um policiamento visível nos distritos onde são denunciados os maiores números de ataques.

Além disto, há receios de que alguns agentes da polícia partilhem os mesmos preconceitos contra as pessoas com albinismo que existem na sociedade do Malawi de forma generalizada e, assim, não tratem com a seriedade devida os abusos de direitos humanos cometidos contra estas pessoas.

O diretor da Procuradoria do Malawi admitiu aos investigadores da Amnistia Internacional que os procuradores não conhecem toda a legislação que é relevante no que se refere aos crimes contra as pessoas com albinismo.

Há registo de um caso em que o público lançou mão a justiça pelas próprias mãos, com uma multidão violenta a agir contra os suspeitos perpetradores. Em março de 2016, uma turba queimou vivos sete homens no distrito de Nsanje, na fronteira com Moçambique, que eram suspeitos de terem traficado partes de corpos de pessoas com albinismo.

As autoridades do Malawi têm de tomar medidas imediatamente para prevenir e repudiar publicamente tais ataques de justiça popular, assim como garantir que incidentes envolvendo multidões violentas são pronta e imediatamente investigados de forma transparente e que os suspeitos perpetradores são julgados.

Viver no medo

O aumento de ataques e de discriminação generalizada a par do policiamento ineficaz traduz-se em que muitas das 7 000 a 10 000 pessoas com albinismo no país vivem permanentemente aterrorizadas.

Uma testemunha contou aos investigadores da Amnistia Internacional que os ataques mudaram totalmente a sua vida. “Quando estava a crescer, pensava que podia fazer tudo [como as outras pessoas]. Agora sou muito cuidadosa. Não posso apanhar boleias com desconhecidos. Antes ia para todo o lado sem medo. Mas agora, depois das 17h30 vou sempre para casa. Não me sinto segura”, explicou esta mulher.

E um homem, de 37 anos, descreveu o medo com que vive. “As pessoas dizem-me na cara que vão vender-me. Uma vez disseram-me que eu valia 6 milhões de kwachas do Malawi [perto de 10 000 dólares]. Doeu-me ouvir que me punham um preço”.

A exclusão e os abusos que as pessoas com albinismo sofrem nas suas vilas e aldeias e dentro das suas comunidades é um problema muito real, que comporta insultos e ameaças constantes. As mulheres com albinismo são chamadas machilitso (“cura” no dialeto local predominante) – o que alimenta a crença de que ter relações sexuais com uma pessoa com o albinismo cura o Vírus de Imunodeficiência Humana (VIH). Uma mulher relatou: “Se falta a coragem, pode acabar-se por abandonar uma criança por causa dos abusos e dos insultos”.

A Amnistia Internacional insta o Governo do Malawi a adotar medidas específicas para proteger os direitos à vida e à segurança das pessoas com albinismo, providenciando um reforçado policiamento nos distritos rurais e agindo eficazmente quando ocorrem ataques contra este grupo populacional.

Todas as denúncias de crimes cometidos contra pessoas com albinismo têm de ser reanalisados e investigados de forma completa, imparcial, independente e transparente, e os perpetradores julgados, em particular nos casos de pessoas em cuja posse são encontrados ossos humanos.

“É chegada a altura de o Governo do Malawi deixar de ter a cabeça enfiada na areia e fazer de conta de que este problema vai desaparecer por si só. Falar apenas não vai pôr fim aos ataques. É urgentemente precisa ação concreta”, exorta Deprose Muchena.

O diretor da Amnistia Internacional para a África Austral avança ainda que “a polícia tem o dever de proteger todas as pessoas do crime”. “Falhar na investigação eficiente aos crimes contra as pessoas com albinismo promove um clima de impunidade, um ambiente onde estas matanças horríveis podem continuar”, remata.

 

A Amnistia Internacional insta em petição o Presidente do Malawi, Peter Mutharika, para que as pessoas com albinismo sejam protegidas e para que os perpetradores destes crimes sejam levados à justiça. Dê força a este apelo: assine!

 

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