4 Fevereiro 2015

 

Um novo relatório da Amnistia Internacional põe em destaque a face humana da crise de refugiados da Síria, através das histórias de oito pessoas e famílias que fugiram do conflito e lutam para sobreviver no Líbano, na Jordânia e no Iraque.

Esta investigação, intitulada “Hardship, Hope and Resettlement: Refugees from Syria tell their stories” (Sofrimento, esperança e reinstalação: os refugiados da Síria contam as suas histórias) e divulgada esta quarta-feira, 4 de fevereiro, demonstra a oportunidade de mudança de vida que a reinstalação internacional pode oferecer a alguns dos mais vulneráveis refugiados. A publicação deste relatório marca também o arranque da nova campanha #OpenToSyria da Amnistia Internacional.

Esta campanha global visa exercer pressão sobre os países ricos, mobilizando o apoio da opinião pública, para que aceitem um maior número de refugiados vulneráveis da Síria através da reinstalação e de outros programas de admissão e acolhimento humanitários. Até agora, a resposta internacional à crise tem sido deplorável e alguns dos mais ricos países têm feito muito pouco.

“Com quase quatro milhões de refugiados, a escala desta crise é avassaladora. E este relatório conta as histórias das pessoas reais que estão por trás dos números, nas suas próprias palavras”, descreve o chefe do programa Refugiados e Migrantes da Amnistia Internacional, Sherif Elsayed-Ali. “Muitas destas pessoas passaram pelo inferno, enfrentaram provações de partir o coração e todos os dias têm pela frente enormes dificuldades na forma como vivem agora, como refugiados. A reinstalação noutros países pode ajudar a oferecer-lhes uma muito necessária corda salva-vidas – um vislumbre de esperança num futuro melhor”.

Entre os refugiados cujas histórias são contadas neste relatório está uma mulher de 23 anos que tenta cuidar sozinha dos quatro filhos no Líbano, um homossexual que sofre ameaças na Jordânia e ainda a família de um rapaz de 12 anos com cancro, que precisa de tratamento médico especializado, no Iraque.

Cerca de 380.000 refugiados foram identificados como vulneráveis e em necessidade urgente de reinstalação pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR, UNHCR no acrónimo em inglês). Aqui incluem-se sobreviventes de tortura e de violação, crianças doentes ou não acompanhadas e outros considerados vulneráveis. Apenas uma muito pequena fração de refugiados já foram reinstalados em outros países depois de saírem dos primeiros que os acolheram na fuga da guerra na Síria – tão só 79.180 lugares de reinstalação foram oferecidos globalmente pelos países ricos (apenas um quinto dos necessários).

“Os líderes mundiais não podem continuar de costas voltadas para os refugiados vulneráveis. É fácil sentirmo-nos impotentes perante uma crise desta magnitude, mas encorajar os líderes mundiais a acolherem refugiados pode ter um impacto extraordinário para mudar as vidas destas pessoas”, frisa o perito da Amnistia Internacional.

Além de permitir aos refugiados reconstruírem as suas vidas em paz e estabilidade, e com acesso a cuidados e apoios de que carecem, a reinstalação contribui na partilha de responsabilidade desta crise de refugiados histórica. Atualmente, cinco países próximos da Síria acolhem conjuntamente 95 por cento dos refugiados do conflito (cerca de 3,8 milhões de pessoas) – e países anfitriões como o Líbano (na foto, uma criança síria no campo libanês do Vale de Bekaa) estão já sem capacidade para dar resposta ao esforço exigido pelo fluxo de refugiados.

Com a crise na Síria a entrar já no seu quarto ano consecutivo, mais de 190 mil pessoas perderam a vida e mais de 11 milhões foram forçadas a abandonar as suas casas. No total, cerca de 7,6 milhões estão deslocadas dentro da Síria; outros quatro milhões fugiram para outros países vivendo agora como refugiados.

Mudar de vida, ter uma vida a sério

Para pessoas como Yara, a mulher síria de 23 anos com quatro filhos antes mencionada, a reinstalação faria uma diferença gigantesca. O seu filho de dois anos, Mutanama, tem uma fenda na coluna vertebral que derrama fluido para o cérebro. O estado clínico da criança agravou-se desde que a família se mudou para o Líbano. O marido de Yara foi preso na Síria, e ela só descobriu que ele tinha sido morto através de um vídeo publicado no YouTube. Sem marido, sozinha, já foi alvo no Líbano de assédio sexual e não tem forma de pagar os elevados preços de arrendamento que lhe são pedidos para acomodar a família.

“Tudo está cheio de dificuldades para um refugiado”, conta Yara. “Há muita gente má que diz coisas más de mim e assedia-me… É uma vida muito difícil, mal dou conta das coisas”.

Outra família síria que fugiu para a região do Curdistão no Iraque e vive agora ali num campo de refugiados tem vindo a fazer tudo o que pode para tratar o filho de 12 anos, Elias, a quem foi diagnosticado um cancro em 2012. “A vida é muito dura aqui porque precisamos de médicos e de medicamentos para o Elias. Temos sofrido muito para lhe conseguirmos o tratamento de que ele precisa”, narra o pai do rapaz, Maher. A família anseia desesperadamente ser reinstalada na Europa onde finalmente poderão ter acesso a tratamento adequado para Elias.

Hamood, um homem jovem oriundo de Deraa, no Sul da Síria, vive atualmente na Jordânia onde sofre ameaças e assédio nas ruas todos os dias. Este refugiado contou à Amnistia Internacional que o irmão o tentou matar por causa da sua orientação sexual e que foi violado por seis homens. Hamood anseia por regressar ao país natal, mas diz que “na Síria só há morte”. Tem esperança de ser reinstalado na Europa onde pode viver abertamente como homossexual, sem medos de perseguição, e realizar o seu sonho de encontrar um trabalho e apaixonar-se. “Se eu for [para a Europa] renascerei”, afirma convicto.

Jamal e Said são um casal de homossexuais, ambos jornalistas e ativistas da oposição na Síria. Foram detidos no país natal por causa das suas atividades políticas. Jamal é seropositivo e o seu estado de saúde deteriorou drasticamente enquanto esteve preso na Síria, onde ficou confinado a uma cela solitária e lhe foi recusado tratamento médico.

No Líbano, o tratamento para um seropositivo é extremamente caro. Jamal tentou suicidar-se uma vez, ao descobrir quanto os medicamentos lhe custariam. Tanto Jamal como Said sentem que têm as vidas em suspenso no Líbano. Querem desesperadamente começar de novo, completar a sua educação e trabalhar, tornarem-se “membros produtivos da sociedade”.

Qasim é um refugiado palestiniano da Síria que fugiu daquele país depois de ter sido ferido quando a casa onde vivia foi destruída por um bombardeamento. Ele e a filham sofrem de elefantíase (ou filariose linfática, que provoca inchaço extremo dos membros) e não conseguem encontrar tratamento. Esta doença fez com que uma das pernas de Qasim inchasse de forma anormal e este homem anseia aflitivamente que a filha possa ser tratada. “Eu estou à espera de morrer. Não me importa se sou tratado ou não, mas quero que a milha filha receba tratamento”, afirma.

Para todas estas pessoas, a perspetiva de reinstalação proporciona uma fuga crucial ao sofrimento das vidas que agora têm.

“Os refugiados são pessoas comuns, tal como todos nós, mas cujas vidas foram frequentemente destruídas de forma catastrófica devido ao conflito e são agora obrigados a começar do zero”, avança Sherif Elsayed-Ali. “É mais do que chegada a hora de abrirmos os nossos corações e as nossas comunidades às pessoas que conseguiram escapar das atrocidades cometidas pelo Governo sírio, pelo grupo armado jihadista Estado Islâmico e outros – e de lhes mostrarmos que a compaixão e a humanidade podem prevalecer”.

 

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