28 Abril 2016

 

Os moradores de muitas das favelas do Rio de Janeiro vivem imersos no medo após pelo menos 11 pessoas terem sido mortas por polícias desde o início do mês de abril apenas, alerta a Amnistia Internacional quando se entra em contagem decrescente de 100 dias até ao arranque dos Jogos Olímpicos do Rio2016.

(dados atualizados a 9 de maio de 2016)

Só na cidade do Rio foram mortas pelo menos 307 pessoas pela polícia no ano de 2015, o que se traduz em um em cada cinco homicídios ocorridos na cidade. Entretanto, as autoridades falharam em levar os responsáveis por aquelas mortes à justiça e têm cada vez mais endurecido a forma como confrontam os protestos de rua, na sua esmagadora maioria pacíficos.

“Apesar da promessa de um legado de uma cidade segura a acolher os Jogos Olímpicos, as mortes às mãos da polícia aumentaram de forma constante ao longo dos últimos anos no Rio de Janeiro. Muitas pessoas sofreram ferimentos graves provocados por balas de borracha, granadas de atordoamento e até por armas de fogo pelas forças de segurança durante manifestações”, descreve o diretor-executivo da Amnistia Internacional Brasil, Atila Roque.

O perito da organização de direitos humanos avança que “até agora, as mortes às mãos da polícia não têm sido na sua grande parte investigadas, nem tão pouco foram estabelecidas diretrizes operacionais claras nem treino para o uso de armamento ‘menos letal’, além de que as autoridades continuam a tratar os manifestantes como ‘inimigo público’”.

“Ao longo destes 100 dias, há muito que as autoridades brasileiras e os organismos que tutelam a organização do Rio2016 podem e devem fazer para garantir que quaisquer operações de segurança pública não violam os direitos humanos. Esperamos que as forças policiais do Rio de Janeiro assumam uma abordagem preventiva e consultiva em matéria de segurança pública, em vez de continuarem com a estratégia de ‘disparar primeiro, perguntar depois’”, prossegue Atila Roque.

A Amnistia Internacional regista um aumento significativo no recurso à força excessiva por parte das forças policiais no estado do Rio de Janeiro nos anos recentes, e a maioria das vítimas desta conduta são homens jovens e negros habitantes das favelas e áreas marginalizadas.

Em 2014, quando o Brasil foi anfitrião do Mundial de Futebol, as mortes às mãos da polícia no estado do Rio de Janeiro ascenderam às 580 pessoas – 40% mais do que em 2013. E em 2015 foram ainda mais: 645 mortos por ação policial.

Apesar de não ser possível estabelecer uma relação direta entre as mortes por ação policial e os preparativos para os Jogos Olímpicos, as estatísticas demonstram um padrão claro de uso excessivo da força, de violência e de impunidade que mancham as instituições de segurança pública no Brasil. Muitas das mortes causadas por agentes da polícia ocorreram no estado do Rio de Janeiro, onde vão ter lugar os Jogos.

A Amnistia Internacional publicou, em agosto de 2015, o relatório “Você matou meu filho! – Homicídios cometidos pela polícia militar no Rio de Janeiro”, onde são documentadas detalhadamente as práticas de “rápidos no gatilho” da polícia na favela de Acari, no rescaldo do Mundial de Futebol de 2014. A organização de direitos humanos descobriu que, na vasta maioria das mortes causadas pela polícia militar em Acari naquele ano e que foram documentadas em investigação da Amnistia Internacional, havia fortes indícios de execuções extrajudiciais. Apesar da denúncia feita e da pressão pública, até agora ninguém foi julgado por estas mortes.

Enquanto se mantiver a impunidade, o ciclo de violência e de mortes às mãos da polícia vai continuar.

“É aflitivo ver que as mortes provocadas pela polícia continuam a acontecer todos os dias no Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras, e a resposta por parte das autoridades continua a ser muito insuficiente. O custo em dor e perda de vidas é pago sobretudo pelos moradores das favelas e de outras zonas pobres, em particular pelos homens jovens negros”, critica Atila Roque.

A repressão policial das manifestações também causa apreensão na preparação para os Jogos Olímpicos.

Nenhumas medidas eficazes foram tomadas para prevenir mais abusos por parte das forças policiais, já dois anos após o Brasil ter acolhido o Mundial de Futebol – altura em que a Amnistia Internacional também denunciou casos de uso excessivo e desnecessário da força por parte da polícia durante protestos, incluindo o recurso abusivo a armas menos letais.

Em vez disso, a única nova legislação sobre segurança pública que foi aprovada no contexto dos Jogos Olímpicos é uma lei antiterrorismo que, na prática, pode ser usada para reprimir e criminalizar manifestantes.

Números e fatos cruciais

Agentes da polícia foram responsáveis por um em cada cinco homicídios na cidade do Rio de Janeiro em 2015.

Pelo menos 11 pessoas foram mortas durante operações policiais nas primeiras três semanas de abril de 2016. A 2 de abril foi morto um rapazinho de cinco anos e duas outras pessoas ficaram feridas numa operação da polícia militar em Magé, município da grande área metropolitana do Rio de Janeiro. A 4 de abril, foram mortas quatro pessoas na favela de Acari, na zona norte da cidade, no decorrer de uma operação conjunta da polícia federal e civil. Nesse mesmo dia, um jovem foi morto na favela de Manguinhos durante uma operação da polícia militar. A 7 de abril foram mortas pelo menos duas pessoas em Jacarezinho, também numa operação da polícia militar. Entre 16 e 17 de abril, uma megaoperação saldou-se com a morte de duas pessoas e mais nove feridos no Complexo do Alemão, cujos residentes enfrentaram 36 horas de tiroteios intensos. A 23 de abril, o condutor de uma moto-táxi foi morto no decorrer de uma operação da polícia militar.

As mortes resultantes de ação policial no estado do Rio de Janeiro aumentaram em 54% em dois anos, de acordo com os dados documentados no relatório “Você matou meu filho!” e com as estatísticas oficiais do Instituto de Segurança Pública brasileiro. Em 2014, ano em que o Brasil foi anfitrião do Mundial de Futebol, foram registadas 580 mortes no decurso de operações policiais no estado do Rio de Janeiro, o que se traduz num aumento à volta dos 40% em relação ao ano anterior. A tendência manteve-se em 2015: 645 mortes às mãos da polícia, um aumento de 54% nos dois anos desde 2013.

Milhares de ativistas e manifestantes estão atualmente em risco de detenção e de condenações a penas de prisão ao abrigo da nova lei antiterrorismo. A aprovação desta nova legislação federal, em fevereiro de 2016, ameaça os manifestantes e os movimentos sociais com a criminalização de atos ligados ao exercício da liberdade de reunião.

A Amnistia Internacional documentou várias detenções feitas no período que antecedeu o Mundial de Futebol, em 2013. O caso de Rafael Braga, por exemplo, foi analisado pela organização de direitos humanos no relatório “’Eles usam uma estratégia de medo’: proteger o direito a manifestação no Brasil”, dando conta de que este homem, que transportava uma garrafa de um produto de limpeza, foi dado como culpado pelo crime de posse de material explosivo, apesar de as análises forenses submetidas a tribunal terem demonstrado que o líquido não era explosivo.

Até à data não foi criada no Brasil regulamentação para o uso das chamadas armas “menos letais”, incluindo regras de conduta operacional das forças de segurança, nem tão pouco foi feito um treino rigoroso nem estabelecidos padrões para a seleção e testagem dos equipamentos usados pelas polícias. Estas armas “menos letais” – que incluem balas de borracha, granadas de atordoamento, sprays químicos, gás lacrimogéneo e outros – têm sido usadas frequentemente em ações de repressão de manifestações pacíficas no Brasil. O recurso abusivo àquele armamento resulta num uso excessivo e desnecessário da força, que provoca ferimentos graves, alguns com efeitos para a vida, o que foi também documentado pela Amnistia Internacional no relatório “Eles usam uma estratégia de medo” e em outras investigações da organização de direitos humanos no Brasil.

Milhares de agentes da polícia militar e soldados foram mobilizados para zonas residenciais do Rio de Janeiro. Em 2014, o exército brasileiro patrulhou a favela Maré durante o Mundial de Futebol; milhares de tropas e agentes da polícia militar permaneceram naquela comunidade residencial durante mais de um ano e foram reportados múltiplos abusos de direitos humanos, como no caso de Vitor Santiago Borges, agora com 30 anos, o qual foi alvejado por um soldado no ano passado quando entrava na favela, a caminho de casa, junto com amigos. Vitor Santiago Borges perdeu parte de uma perna devido aos ferimentos sofridos.

 

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