12 Junho 2014

O Brasil está prestes a receber o maior frenesi de futebol do planeta, com equipas de todo o mundo a lutarem pela taça que todos os adeptos querem conquistar. E fora dos estádios, manifestantes e polícia defrontam-se por todo o país sem árbitros a vigiarem – mas a Amnistia Internacional está de olho nos protestos, explica o diretor da secção brasileira da organização de direitos humanos, Atila Roque.

“Enquanto Messi, Neymar e Rooney se começam a defrontar em campo no Mundial de Futebol, fora dos novos e reluzentes estádios brasileiros há um muito maior impasse a decorrer – e um em que as ‘regras’ estão a ser claramente desrespeitadas.

Desde junho de 2013, centenas de milhares de pessoas têm enchido as ruas em números sem precedentes em várias cidades e vilas por todo o país reivindicando melhores serviços públicos, nas áreas de transportes e outras. Muitos destes manifestantes queixam-se que as autoridades estão demasiado preocupadas com as exigências da FIFA [para a organização do Mundial de Futebol] e muito pouco com as necessidades do próprio povo.

A resposta das autoridades a estes protestos tem sido vergonhosa.

Unidades da polícia militar, mobilizadas para manter os protestos ‘sob controlo’ não têm hesitado, nem por um instante, em lançarem gás lacrimogéneo contra manifestantes pacíficos – num dos incidentes até mesmo dentro de um hospital. Os agentes têm disparado balas de borracha e espancado homens e mulheres à bastonada apesar destes não representarem nenhuma ameaça.

Centenas de pessoas foram feridas nos protestos que ocorreram ao longo do último ano. Entre elas está Sérgio Andrade da Silva, um fotógrafo de 32 anos que perdeu um olho por ter sido alvejado com uma bala de borracha durante um protesto maciço em São Paulo, em junho de 2013.

Agora, apenas com um olho, Sérgio, casado e com dois filhos, vê-se em dificuldades para conseguir trabalho. Não recebeu nenhum pedido de desculpas oficial nem lhe foi prestada qualquer compensação por parte das autoridades, nem tão pouco foi aberta uma investigação à conduta das forças de segurança que o deixaram incapacitado.

Num outro caso, ocorrido em janeiro passado, o estudante universitário Vinicius Duarte foi brutalmente espancado pela polícia num protesto ao ponto de lhe partirem o maxilar e o nariz. Na altura do ataque, Vinicius estava dentro de um hotel a tentar abrigar-se do gás lacrimogéneo que a polícia lançara na rua contra os manifestantes.

Os exemplos de violência policial sucedem-se. São chocantes, mas não surpreendem.

Apesar de se terem registado alguns atos de violência cometidos por pequenos grupos no meio da multidão de manifestantes pacíficos, a resposta desproporcionada por parte das forças de segurança reduziu ainda mais as possibilidades de as pessoas usarem os espaços público para exercerem o seu direito a expressar descontentamento ou oposição através de manifestações pacíficas. A morte acidental do operador de câmara Santiago Andrade, em fevereiro passado, devido a uma carga de fogo-de-artifício lançada por manifestantes tem sido usada pelas autoridades para criminalizar os protestos.

Planos de mobilização dos militares são uma má ideia

As forças de segurança no Brasil têm um currículo bem triste no que toca à forma como se comportam em manifestações. A verdade é que, apesar de responsáveis dos governos locais de cidades como São Paulo terem anunciado a abertura de investigações internas às denúncias de uso excessivo de força pela polícia nos protestos, até à data – pelo que foi apurado pela Amnistia Internacional – ninguém foi visado em quaisquer procedimentos disciplinares ou criminais.

Esta impunidade, aliada à falta de formação dos agentes, que muito simplesmente não conhecem os limites legais no que respeita ao uso de força, dá azo a um perigoso cocktail em que virtualmente qualquer pessoa que ande na rua durante uma manifestação está em risco de ser ferida.

Em algumas cidades as autoridades anunciaram mesmo que estão a ponderar usar as unidades militares já mobilizadas no terreno para a segurança do Mundial para policiar as manifestações que estão previstas ocorrer quando todos os olhares do mundo estão virados para o que se passará dentro dos estádios de futebol. Esta não é nada uma boa ideia, tendo em conta a falta de formação dos militares no Brasil para executarem tarefas de policiamento.

Conforme o Brasil ultima os preparativos para receber o maior evento desportivo do ano, quaisquer ‘queixas’ são frequentemente vistas como tentativas para ‘estragar a festa’ – e as autoridades vão fazer tudo o que for preciso para garantir que a festa corre bem.

Leis que visam dissuadir e punir o crime organizado, por exemplo, têm vindo a ser aplicadas para processar pessoas acusadas de cometerem atos violentos e/ou atacarem propriedade privada durante as manifestações.

Num destes exemplos, em São Paulo foi aplicada a Lei de Segurança Nacional, que data do tempo do regime militar (1964-1985), para consubstanciar a detenção e interrogação de manifestantes.

Ao mesmo tempo, uma série de novas propostas de lei, incluindo legislação antiterrorista atualmente em discussão no Congresso, trazem o risco acrescido de uma ainda maior criminalização dos manifestantes. Se for aprovada, esta proposta legislativa consagrará uma definição de terrorismo mais vaga no sistema brasileiro que permitirá, entre outras coisas, estender as acusações por terrorismo até danos causados em bens e serviços do Estado. Não são poucas as pessoas que temem que esta nova legislação seja manipulada contra os manifestantes.

Estão igualmente em discussão propostas para proibir o uso de máscaras em todo o tipo de protestos públicos.

Brasil tem de treinar adequadamente as forças de segurança

E está longe de se perceber por que razão o Brasil precisa de legislação mais rígida nesta matéria. O sistema jurídico do país dispõe já de ferramentas legais que cobrem violações cometidas durante manifestações.

Em vez de aprovar leis mais duras, o Brasil precisa é de apostar no treino adequado das forças de segurança para que estas possam policiar corretamente as manifestações, cumprindo os padrões internacionais, assim como desenvolver sistemas que responsabilizem os agentes que ultrapassam os limites dos seus mandatos e violam os direitos humanos. E isto é necessário não apenas durante o Mundial de Futebol, mas também para lá do evento.

No período de mais de 30 dias que começa este 12 de junho – dia de arranque do Mundial – o mundo quase todo estará de olhos na televisão, desligado da realidade, a seguir atentamente todos os passos de algumas dezenas de homens a correrem atrás de uma bola nos estádios de várias cidades no Brasil.

Mas a Amnistia Internacional estará também de olho no que se passará fora dos campos de futebol. Não haverá árbitros atentos a cada passo da polícia e dos manifestantes quando estes se defrontarem nas ruas, mas a organização de direitos humanos vai estar pronta a fazer soar o apito sempre que vir jogo sujo.”

 

Juntem-se já à Amnistia Internacional e mostrem o “cartão amarelo” de alerta às autoridades brasileiras, para que respeitem o direito à manifestação pacífica. Façam soar connosco o cântico de que o protesto não é um crime, mas sim um direito humano. Assinem a petição em www.aiyellowcard.org/pt.

 

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