16 Outubro 2020

A proposta de lei para tornar obrigatória a utilização da aplicação StayAway COVID coloca em causa liberdades fundamentais e direitos individuais, afetando as pessoas de forma desproporcional e não tendo uma finalidade objetiva, defende a Amnistia Internacional Portugal. A organização questiona ainda o rumo que está a ser tomado e os modelos de governação que se procuram legitimar com medidas desta natureza.

“As respostas que dermos a esta crise têm de ser proporcionais à sua necessidade, efetivas e eficazes, focadas nas pessoas e nas comunidades, e estar completamente centradas e alicerçadas nos direitos humanos”

Paulo Fontes, diretor de Comunicação e Campanhas da Amnistia Internacional Portugal

A recomendação de utilização da app de forma facultativa já gerava graves preocupações. Agora, a proposta de lei apresentada levanta mais questões, relacionadas com a liberdade e privacidade dos utilizadores, a aplicação da medida, a discriminação de várias pessoas e a verdadeira fiabilidade da aplicação.

No campo da liberdade e privacidade, retira aos utilizadores a possibilidade de poderem escolher que aplicações têm nos seus dispositivos. Além disso, apesar de a app se encontrar entre as aplicações que usam um modelo descentralizado menos invasivo de rastreio por Bluetooth, em que os dados são armazenados nos telemóveis, não está isenta de perigos para a segurança. Em junho, a Comissão Nacional de Proteção de Dados referiu isso mesmo, após ter realizado uma avaliação, tendo ainda sublinhado a importância do caráter voluntário de instalação.

“Quem vai avaliar se as pessoas têm um smartphone ‘capaz de ter a aplicação instalada’ e sob que critérios? Neste ponto, é necessário perceber se os agentes vão ter formação para saber quais os modelos de smartphone que podem ou não ter a aplicação instalada e a abordagem que devem aplicar no desempenho das suas funções”

Paulo Fontes, diretor de Comunicação e Campanhas da Amnistia Internacional Portugal

No que concerne à aplicação da medida, também se colocam várias questões, nomeadamente sobre a fiscalização a ser feita pelas forças de segurança. “Por exemplo, será realizada de forma aleatória? Quem vai avaliar se as pessoas têm um smartphone ‘capaz de ter a aplicação instalada’ e sob que critérios? Neste ponto, é necessário perceber se os agentes vão ter formação para saber quais os modelos de smartphone que podem ou não ter a aplicação instalada e a abordagem que devem aplicar no desempenho das suas funções”, alerta o diretor de Comunicação e Campanhas da Amnistia Internacional Portugal, Paulo Fontes.

Do ponto de vista da discriminação, esta proposta levanta demasiadas questões. Em primeiro lugar, a medida parte do princípio de que todas as pessoas têm um telemóvel ou smartphone com determinadas características, bem como um plano de dados ou acesso a wifi.

“Mais uma vez, estamos a aumentar o fosso com base na literacia digital, muitas vezes relacionada com a situação socioeconómica das pessoas”

Paulo Fontes, diretor de Comunicação e Campanhas da Amnistia Internacional Portugal

“A inexistência de saldo poderá ser punível? E nas localizações onde não há rede móvel ou de dados que funcione? Isto levantará questões discriminatórias, desfavorecendo claramente pessoas em situação de maior vulnerabilidade financeira”, aponta Paulo Fontes.

Em segundo lugar, há utilizadores que podem ter um equipamento compatível, mas não possuir a literacia tecnológica necessária para instalarem uma aplicação. Outros até podem concluir essa instalação, mas não terem a literacia tecnológica para utilizarem a app e fazerem escolhas informadas sobre as suas opções de privacidade. “Mais uma vez, estamos a aumentar o fosso com base na literacia digital, muitas vezes relacionada com a situação socioeconómica das pessoas”, sustenta o mesmo responsável.

Relativamente à fiabilidade da aplicação, dados da Pordata indicam que a utilização da aplicação por pessoas com atividade laboral ativa – incluindo funcionários das forças armadas e de segurança, e da Administração Pública – e estudantes faria com que a aplicação fosse instalada por cerca de sete milhões de habitantes. Contudo, nem todos têm smartphones compatíveis e colocam-se ainda aqui as limitações relacionadas com a obrigatoriedade de ter a aplicação ativa fora do contexto laboral ou escolar.

“São demasiadas questões para acreditarmos que este mecanismo é a resposta que procuramos e precisamos. As respostas que dermos a esta crise têm de ser proporcionais à sua necessidade, efetivas e eficazes, focadas nas pessoas e nas comunidades, e estar completamente centradas e alicerçadas nos direitos humanos. Sem qualquer exceção”, afirma Paulo Fontes.

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