21 Julho 2016

 

O anúncio feito pelo Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, de imposição do estado de emergência no país não pode abrir caminho a um retrocesso de direitos humanos nem ser usado como pretexto para intensificar ainda mais a repressão da liberdade de expressão e debilitar as proteções contra detenções arbitrárias e tortura, sustenta a Amnistia Internacional.

Após reuniões de urgência do Conselho Nacional de Segurança e do Governo, ao fim do dia de quarta-feira, 20 de julho, o Presidente turco anunciou a imposição do estado de emergência pelo período de pelo menos três meses.

“No seguimento da violência que marcou a tentativa de golpe [sexta-feira, 15 de julho], é compreensível que sejam tomadas medidas que deem prioridade à segurança pública. Mas as medidas de emergência têm de respeitar as obrigações da Turquia consagradas na legislação internacional, não podem afastar liberdades e salvaguardas de direitos humanos arduamente conquistadas, e não podem tornar-se permanentes”, frisa o investigador da Amnistia Internacional Andrew Gardner, que integra a missão da organização de direitos humanos que está no país.

O perito alerta que “numa situação em que quase 10 000 pessoas estão presentemente detidas, em que existem alegações de maus-tratos sofridos sob custódia das forças de segurança, e quando os ministérios governamentais e os órgãos de comunicação social estão a ser alvo de ‘purgas’, os poderes reforçados conferidos pelo estado de emergência podem abrir caminho a ainda maiores retrocessos de direitos humanos”.

Num aterrador prenúncio do que está por vir, o vice-primeiro-ministro turco, Numan Kurtulmus, anunciou já esta quinta-feira, 21 de julho, que enquanto vigorar o estado de emergência o Governo suspende a aplicação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

O estado de emergência confere ao primeiro-ministro e a todo o Governo o poder de governarem por decreto sem ser precisa aprovação do Parlamento. A Amnistia Internacional teme que esta medida possa ser usada como pretexto pelas autoridades para prolongarem o período de detenção de suspeitos (sem acusação formulada), o qual, atualmente na Turquia, é de quatro dias.

Nas circunstâncias presentes, tal extensão pode debilitar ainda mais as proteções dos cidadãos contra maus-tratos, assim como a salvaguarda do direito a um julgamento justo. As medidas de emergência podem ainda ser usadas para impor restrições arbitrárias à liberdade de expressão e à liberdade de reunião pacífica, e também anular o direito dos funcionários públicos a recorrerem das suspensões e despedimentos de que estão a ser alvo nas “purgas” em curso no país.

Ao abrigo da lei internacional, as medidas de emergência têm de ser necessárias e proporcionais no alcance e na sua duração e apenas usadas para reagir a genuínas ameaças à segurança no país. De forma crucial, têm de ser zelosamente monitorizadas, têm de ser temporárias e concretizadas judiciosamente – ou seja, apenas quando absolutamente necessário.

“É fundamental que o Governo turco não use o estado de emergência como pretexto para sufocar ainda mais a dissidência pacífica. Em tempos de emergência, a Constituição da Turquia garante que as obrigações do país consagradas na legislação internacional não podem ser violadas”, sublinha Andrew Gardner.

O perito da organização de direitos humanos reitera que “ao abrigo da legislação internacional, há certos direitos, como o direito a julgamento justo e as proibições de tortura e de discriminação, que não podem jamais ser suspensos ou limitados de nenhuma forma”. “O Governo turco abusou de leis existentes, e o estado de emergência dá-lhe uma ainda maior esfera de ação para continuar neste perigoso caminho”, remata.

“Purgas” varrem os sistemas judicial e de ensino e os media

O Governo turco embarcou numa vaga de repressão de proporções extraordinárias, visando pessoas que acusa de terem ligações ao antigo imã Fethullah Gülen, ao qual atribuem a responsabilidade de ter arquitetado o golpe. A Amnistia Internacional expressa profunda apreensão de que as autoridades estejam a agir de forma arbitrária, detendo e suspendendo de funções pessoas sem nenhumas provas de que tenham cometido quaisquer crimes ou ofensas.

Desde a tentativa de golpe, foram suspensos pelo menos 2 745 juízes e procuradores, de acordo com o canal de televisão turco pró-Governo Habertürk. O vice-primeiro-ministro confirmou que foram detidos 2 277 juízes e procuradores, dos quais 1 270 permanecem em detenção preventiva e outros 730 se encontram detidos na qualidade de suspeitos (ainda sem acusações formuladas).

Na passada terça-feira, 19 de julho, o Ministério da Educação reportou ter suspendido de funções 15 200 funcionários, que estão a ser investigados por alegadas ligações a Fethullah Gülen. Segundo foi noticiado pelo jornal diário pró-governamental Sabah, naquele mesmo dia, o Conselho Superior de Educação turco requisitou a demissão a 1 577 reitores e diretores de faculdades – 195 deles já apresentaram as suas cartas de demissão. Todos estes responsáveis máximos de universidades e faculdades na Turquia vão ser investigados por ligações a Fethullah Gülen, de acordo com o Habertürk.

A agência de notícias turca Anadolu (semi-oficial) revelou, por seu lado, que o Governo já deu arranque ao processo de encerramento de 524 escolas privadas e outras 102 instituições de ensino que funcionam sob a tutela do Ministério da Educação, uma vez mais devido a suspeitas ligações a Fethullah Gülen.

O Ministério da Educação truco suspendeu também o direito dos académicos de viajarem para fora do país no âmbito dos seus trabalhos de investigação até novo aviso, e chamou de regresso ao país aqueles que atualmente se encontram noutros países.

As autoridades bloquearam arbitrariamente o acesso a mais de 20 websites de notícias e revogaram as licenças de transmissão/publicação a 25 órgãos de comunicação social no país; foram revogadas as carteiras profissionais a 34 jornalistas e pelo menos uma profissional da comunicação social tem um mandado de captura emitido em seu nome devido à cobertura que estava a fazer da tentativa de golpe.

Já esta quinta-feira, 21 de julho, o conceituado advogado de direitos humanos e jornalista Orham Kemal Cengiz foi detido em Istambul e levado para a esquadra central da cidade.

 

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