1 Julho 2014

Os refugiados palestinianos que fogem da guerra na Síria – incluindo grávidas, crianças, e mulheres com filhos muito pequenos – têm visto ser-lhes negada entrada no Líbano, com a entrada em vigor de mais apertadas restrições fronteiriças adotadas pelas autoridades de Beirute, alerta a Amnistia Internacional.

Na nova investigação, intitulada “Denied refuge: Palestinians from Syria seeking safety in Lebanon” (“Refúgio recusado: palestinianos em fuga da Síria procuram segurança no Líbano”), é documentada a situação dramática que estão a viver muitas famílias de palestinianos, separadas ao serem apanhadas pelas extremamente mutáveis regras fronteiriças quando tentam passar da Síria para o Líbano. Num dos mais chocantes casos investigados pela Amnistia Internacional, uma mulher, com um recém-nascido, viu ser-lhe negada passagem para o Líbano, onde pretendia reunir-se ao marido e aos outros cinco filhos do casal.

“Ao recusar a entrada de uma mãe com o seu filho recém-nascido, entre outros, as autoridades libanesas estão a mostrar um desrespeito verdadeiramente arrepiante pelos direitos dos refugiados em fuga de um conflito sangrento. Ninguém que esteja a tentar escapar de um conflito armado pode ser barrado de entrar em território que lhe oferece refúgio – ao negar-se a acolher estas pessoas, o Líbano está a violar as suas obrigações ao abrigo da lei internacional”, sublinha o chefe do programa de Direitos dos Refugiados e Migrantes da Amnistia Internacional, Sherif Elsayed-Ali.

A pesquisa feita pela organização de direitos humanos encontrou provas de que está a ser seguida uma política no Líbano de recusa liminar de quaisquer refugiados palestinianos em fuga da Síria – mesmo quando reúnem os novos requisitos determinados pelo Governo libanês. Entre essas provas está um documento a que a Amnistia Internacional teve acesso, com origem provável nos serviços de segurança, e que contem instruções expressas para as linhas aéreas que usam o principal aeroporto de Beirute para que estas não transportem da Síria para o Líbano nenhum viajante que seja um refugiado palestiniano, independentemente dos documentos que aqueles apresentem.

“As autoridades libanesas têm de pôr termo imediatamente a estas políticas claramente discriminatórias contra os refugiados palestinianos que partem da Síria. Apesar de o fluxo de refugiados ter certamente colocado uma enorme pressão sobre os recursos do Líbano, não há qualquer justificação para virarem as costas a refugiados palestinianos que procuram segurança naquele país”, sustenta Sherif Elsayed-Ali.

Líbano, Jordânia e Turquia, cada vez mais inacessíveis a quem foge da guerra

Os palestinianos que fogem do conflito armado na Síria enfrentam fortes restrições no acesso a refúgio em outros países vizinhos. Desde janeiro de 2013, o Governo da Jordânia barrou totalmente a entrada e, ainda naquele ano, testemunhos prestados por vários refugiados indicam que se tem vindo a tornar cada vez mais difícil para os palestinianos em fuga da Síria conseguirem entrar na Turquia – muito mais difícil do que acontece com cidadãos sírios.

“Infelizmente, as novas restrições em vigor no Líbano são apenas o mais recente exemplo de políticas que discriminam os refugiados palestinianos que fogem da Síria”, aponta ainda o perito da Amnistia Internacional, sustentando-se nos dados recolhidos pela organização sobre a situação dos refugiados nos países vizinhos da Síria desde 2012.

Ao abrigo das novas condições de entrada no Líbano, os refugiados palestinianos têm de provar que reúnem uma série de requisitos para conseguirem obter residência temporária no Líbano ou mesmo transitarem pelo território libanês: estas condições são extremamente complicadas de cumprir pelos refugiados, senão mesmo impossíveis. E tais requisitos não se aplicam a cidadãos sírios que procuram refúgio no Líbano.

Antes mesmo da mudança recente dos requisitos, aprovados em maio passado, os refugiados palestinianos em fuga da Síria enfrentavam já condições muito diferentes para entrar no Líbano. Agora têm novos termos condicionantes, incluindo a recusa liminar de entrada no país daqueles que chegam de áreas mergulhadas em combate perto da fronteira.

“Ninguém em busca de refúgio da crise na Síria deve ser forçado a voltar para trás. Todos os refugiados devem poder entrar e viver no Líbano sem medo de serem detidos ou deportados”, frisa Sherif Elsayed-Ali.

E mesmo aqueles que conseguem passar a fronteira enfrentam então enormes incertezas: segundo informação colhida pela Amnistia Internacional, não está a ser permitida a renovação dos vistos temporários e das autorizações de residência a alguns refugiados palestinianos no Líbano, o que deixa estas pessoas num limbo legal e em risco de detenção e deportação.

Em alguns dos casos investigados pela organização de direitos humanos, as pessoas acabam por descobrir que não têm os documentos exigidos para obterem a renovação de visto e – em desespero – acabam por voltar à Síria para conseguirem a documentação pedida no Líbano. Outros refugiados testemunharam que é extremamente difícil conseguir pagar os custos da renovação de vistos.

Refúgio tem de ser garantido e para todos, sem discriminação

Suleiman, de 12 anos, está separado dos pais e do irmão há quase um ano, desde que a família fez o difícil caminho de regresso à Síria para obter os novos documentos de identificação que lhes foram exigidos no Líbano a fim de renovarem os vistos e poderem ali permanecer a viver. A família de Suleiman já tentou voltar a entrar no Líbano mais de 30 vezes – sem sucesso. O jovem palestiniano vive atualmente ao cuidado de um tio no Líbano.

Num outro caso documentado pela Amnistia Internacional, uma mulher que conseguira escapar de uma área cercada de Yarmouk (campo de refugiados palestinianos na Síria) viu ser-lhe negada entrada no Líbano quando tentou passar aquela fronteira pela primeira vez em março de 2014, apesar de estar grávida de seis meses e acompanhada de cinco filhos. Foi-lhe autorizado entrar no Líbano à segunda tentativa, após receber a ajuda de um funcionário das Nações Unidas. Quando o marido desta mulher, junto com os dois outros filhos do casal, tentaram entrar no Líbano um mês mais tarde, tal foi-lhes negado pela guarda-fronteiriça com a justificação única de serem palestinianos.

A Amnistia Internacional insta as autoridades libanesas a garantirem que todos os refugiados da Síria podem entrar no Líbano e ali encontrar refúgio seguro. E frisa que as condições exigidas para a entrada no território libanês não podem de nenhuma forma impedir alguém que procura refúgio de o obter, além de que as mesmas têm de cumprir os princípios de não discriminação.

A organização de direitos humanos renova ainda o apelo à comunidade internacional para que reforce o apoio financeiro aos países vizinhos da Síria, incluindo o Líbano, que acolhe o maior número de refugiados da Síria. Sherif Elsayed-Ali defende que “sem um maior apoio internacional e uma mais robusta ajuda financeira, é mais do que provável que as restrições aos refugiados da Síria no Líbano irão aumentar”. “A magnitude desta crise dos refugiados sírios, que aumenta constantemente,  exige uma resposta conjunta da comunidade internacional”, prossegue o perito da Amnistia Internacional.

“Por seu próprio e muito significativo mérito, e apesar da pressão que tal está a causar nos recursos do país, o Líbano tem de forma geral mantido as portas abertas às pessoas que fogem da guerra na Síria. É importante que o país seja encorajado a manter as portas abertas, incluindo aos palestinianos que conseguem escapar da Síria. A comunidade internacional não pode ignorar o seu próprio vergonhoso falhanço em prestar apoio adequado ao Líbano nesta crise”, remata.

 

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