6 Junho 2019

As autoridades francesas perseguiram, intimidaram e até agrediram violentamente pessoas que ofereciam ajuda humanitária e outro tipo de apoio a migrantes, requerentes de asilo e refugiados, numa tentativa deliberada de restringir atos de solidariedade, em Calais e Grande-Synthe. O alerta da Amnistia Internacional resulta de um novo relatório intitulado Targeting solidarity: Criminalization and harassment of people defending migrant and refugee rights in northern France.

“Fornecer alimentos a quem tem fome e calor quem vive na rua tornaram-se atividades cada vez mais arriscadas no norte de França”

Lisa Maracani, investigadora da Amnistia Internacional

“Fornecer alimentos a quem tem fome e calor a quem vive na rua tornaram-se atividades cada vez mais arriscadas no norte de França, já que as autoridades têm como alvo pessoas que oferecem ajuda a migrantes e refugiados”, afirma a investigadora Lisa Maracani, que se dedica aos defensores dos direitos humanos na Amnistia Internacional.

“Os migrantes e refugiados não desapareceram simplesmente com a demolição da ‘Selva’, em 2016. Mais de mil homens, mulheres e crianças ainda vivem em condições precárias na área. O papel dos defensores dos direitos humanos que lhes prestam apoio é fundamental”, lembra a mesma responsável.

Dois anos e meio após a destruição do campo designado por “Selva”, mais de 1200 refugiados e migrantes, incluindo crianças desacompanhadas, estão a viver em tendas e acampamentos informais, nas imediações de Calais e Grande-Synthe. Não têm acesso regular a comida, água, saneamento, abrigo ou assistência jurídica. Além disso, estão sujeitos a desalojamentos, perseguição e violência às mãos da polícia.

Rotina de abusos e violência

O número de acampamentos destruídos em Calais e Grande-Synthe tem vindo a aumentar. Entre janeiro e maio deste ano, já foram realizados 391 desalojamentos. Sem qualquer abrigo, os migrantes ficam sujeitos a mais abusos.

A Amnistia Internacional recolheu relatos que dão conta de que a polícia lançou gás lacrimogéneo contra um grupo que dormia em jardins. Um homem do Afeganistão garantiu ter sido agredido pela polícia com um bastão nas costas, enquanto outro compatriota denunciou que um agente tinha urinado na sua tenda.

As autoridades têm tentado evitar novos acampamentos a todo o custo, mas os centros de acolhimento ou estão longe das zonas de Calais e Grande-Synthe ou não têm a capacidade suficiente para dar resposta a todos os pedidos. Os defensores dos direitos humanos atuam neste quadro, proporcionando o apoio mais elementar que o Estado francês não consegue garantir.

Voluntários sob ataque

De acordo com quatro organizações, que elaboraram um relatório no ano passado, houve 646 casos de assédio policial e abuso contra voluntários, entre novembro de 2017 e junho de 2018. Os números de 2019 apontam para 72, mas acredita-se que podem ser mais elevados.

“Em vez de dificultarem ao máximo a vida dos migrantes e refugiados, as autoridades francesas devem tomar medidas concretas para aliviar o seu sofrimento”

Lisa Maracani, investigadora da Amnistia Internacional

Revistas corporais, insultos, ameaças de detenção ou de processos judiciais por difamação estão entre as descrições feitas à Amnistia Internacional. A Cabane Juridique, uma organização local de direitos humanos, já apresentou mais de 60 queixas a diferentes autoridades e órgãos, entre janeiro de 2016 e abril de 2019. Contudo, o Ministério da Justiça de França revelou-nos que os tribunais regionais apenas receberam 11 queixas desde 2016 e só uma estava a ser investigada.

“Em vez de dificultarem ao máximo a vida dos migrantes e refugiados, as autoridades francesas devem tomar medidas concretas para aliviar o seu sofrimento e providenciar todo o apoio necessário”, nota Lisa Maracani.

Os voluntários não são inimigos, mas aliados essenciais. Por isso, França deve reconhecer, publicamente, o importante papel que os defensores dos direitos humanos desempenham no atendimento das necessidades das pessoas em movimento e assegurar que podem trabalhar livres de intimidação. Todos os relatos de violações de direitos humanos têm de ser investigados e levados à justiça, de forma integral e imparcial. As polícias terão de seguir os mais altos padrões de atuação.

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