6 Junho 2023

 

  • Necessária ação internacional para diminuir as consequências das vagas de calor extremo, em especial, no Paquistão
  • O calor tem afetado o direito à saúde e os meios de subsistência de pessoas que já vivem na pobreza

 

É necessária ação urgente e concertada, a nível mundial, capaz de mitigar o impacto negativo das recentes vagas de calor extremo. Num novo relatório, denominado “Uma emergência escaldante: O calor extremo e o direito à saúde no Paquistão“, a Amnistia Internacional faz do panorama no Paquistão um alerta para os efeitos nocivos que as vagas de calor têm sobre os direitos humanos.

O relatório, publicado no Dia Mundial do Ambiente, examina os impactos do calor extremo no Paquistão sobre a vida das pessoas e o seu direito à saúde e aos meios de subsistência. A investigação destaca também as dificuldades das pessoas que vivem na pobreza em algumas das cidades mais quentes do mundo.

“O Paquistão está na linha da frente da crise climática. A injustiça climática é claramente visível aqui. Apesar do pouco que contribuiu para as alterações climáticas, a sua população enfrenta consequências desproporcionadamente graves, que colocam, muitas vezes, em risco a sua vida. Para fazer face a uma crise climática desta dimensão, é necessária uma atenção e uma ação a nível mundial. Os países mais ricos não devem ter dúvidas quanto à importância do papel que desempenham”, afirmou Dinushika Dissanayake, diretor regional adjunto da Amnistia Internacional no Sul da Ásia.

“O Paquistão está na linha da frente da crise climática. A injustiça climática é claramente visível aqui”

Dinushika Dissanayake

“No Dia Mundial do Ambiente, esperamos que o nosso relatório sirva para lembrar da responsabilidade coletiva para com algumas das pessoas mais marginalizadas e expostas a temperaturas extremas. Estão a ser forçadas a viver em condições sufocantes, uma vez que as temperaturas abrasadoras aumentam todos os anos, enquanto deixamos que o tempo passe sem atuarmos. Sem mais demoras, os países mais ricos devem demonstrar um compromisso decisivo para reduzir as emissões, eliminar rapidamente os combustíveis fósseis, fornecer fundos para apoiar as pessoas a adaptarem-se e operacionalizar rapidamente o fundo de perdas e danos estabelecido na COP27”, assume ainda o responsável.

“[As pessoas] estão a ser forçadas a viver em condições sufocantes, uma vez que as temperaturas abrasadoras aumentam todos os anos”

Dinushika Dissanayake

O relatório também pede ao governo do Paquistão que desenvolva planos de ação abrangentes para o calor, consistentes com a lei e as normas de direitos humanos, e que assegure a proteção dos direitos dos grupos especialmente vulneráveis aos impactos do calor extremo na saúde.

Para a investigação deste relatório, foram realizadas entrevistas a 45 pessoas que sofreram impactos adversos do calor extremo durante os meses de verão de 2021 e 2022, em Jacobabad e Lahore, no Paquistão. Jacobabad é um dos locais mais quentes do planeta. Em junho de 2021, a sua temperatura mais elevada registada atingiu os 52°C.

A Amnistia Internacional entrevistou pessoas com maior risco de exposição ao calor, como trabalhadores agrícolas, operários em fábricas de fornos de tijolo, estafetas, agentes da polícia, trabalhadores de limpeza sanitária e outros que trabalham ao ar livre.

Em Jacobabad e Lahore, os profissionais de saúde entrevistados relataram o aumento dos casos de insolação, sonolência, dificuldade em respirar, sensação de ardor no estômago, tonturas, febre, dores no corpo, infeções oculares e dores de cabeça durante os períodos de calor extremo. Um deles declarou mesmo à Amnistia Internacional: “Em maio e junho, muitos doentes vieram ter connosco por causa da vaga de calor… Diariamente, recebíamos 50 a 60 casos no serviço de urgência”.

Em Jacobabad e Lahore, os profissionais de saúde relataram o aumento de casos de insolação, sonolência, dificuldade em respirar, sensação de ardor no estômago, tonturas, febre, dores no corpo, infeções oculares e dores de cabeça durante os períodos de calor extremo

Mahe Somaroo, de 60 anos na aldeia de Naua Abad. Fotografia de Shakil Adi.

 

“Não há fuga possível para nós”

É evidente nas entrevistas que, embora o impacto do calor extremo seja sentido por todos, algumas pessoas estão em muito pior situação devido ao seu estatuto socioeconómico.

Uma mulher que vive num assentamento informal em Jacobabad destaca: “Somos mais vulneráveis ao calor do que qualquer outra pessoa. O tempo quente afeta as pessoas pobres. Não há escapatória para nós”.

“O tempo quente afeta as pessoas pobres”

habitante de Jacobabad

Os trabalhadores que a Amnistia Internacional entrevistou disseram que não têm outra opção senão continuar a trabalhar mesmo que sintam calor, apesar das orientações de saúde no sentido de permanecerem em casa durante períodos de calor extremo. Um condutor de trator em Jacobabad explicou: “Se fizermos uma pausa, não há salário diário. Por causa da pobreza, temos de trabalhar independentemente do tempo.”

Pessoas como as que vivem na pobreza e operam no setor informal, com trabalho precário, rendimentos mais baixos e menos oportunidades de descanso e sombra, com acesso limitado ou inexistente a apoio, são gravemente afetadas pelas temperaturas extremas. Além disso, as formas de discriminação contra as mulheres, que se cruzam e se apresentam em várias faixas, também prejudicam a sua capacidade de lidar com as ondas de calor, o que tem implicações potencialmente perigosas para a sua saúde e a dos seus filhos.

O calor de Jacobabad. Fotografia de Shakil Adi.

 

“O governo é invisível aqui”

Um proprietário de um forno de tijolos em Jacobabad disse: “Se o governo tivesse tomado conta da zona, Jacobabad teria sido um ótimo lugar. Mas o governo é invisível aqui”.

Apesar das temperaturas abrasadoras em Jacobabad e Lahore, nenhuma das cidades dispõe de um plano de ação contra o calor ou de mecanismos de proteção social sensíveis ao clima. No Paquistão, mais de 40 milhões de pessoas não têm acesso à eletricidade. Outras têm um abastecimento errático e irregular. As pessoas que vivem na pobreza não têm acesso ou não podem pagar a eletricidade necessária para as ventoinhas ou os aparelhos de ar condicionado. Também não têm como comprar painéis solares. Muitos dos conselhos de saúde pública sobre como evitar a exposição ao calor pressupõem que as pessoas podem dar-se ao luxo de ficar em casa, negociar horários de trabalho diferentes, ter acesso a água adequada, cuidados de saúde e mecanismos de refrigeração.

No Paquistão, as pessoas que vivem na pobreza não têm acesso ou não podem pagar a eletricidade necessária para as ventoinhas ou os aparelhos de ar condicionado. Também não têm como comprar painéis solares

“Programas de proteção social bem concebidos e dotados de recursos suficientes podem ajudar a mitigar alguns dos piores impactos das alterações climáticas, à medida que as crises se sucedem no Paquistão”, afirmou Dinushika Dissanayake.

 

Rumo a um financiamento climático compatível com os direitos humanos

O relatório da Amnistia Internacional apresenta uma lista abrangente de recomendações para o governo do Paquistão e para a comunidade internacional. Estas incluem apelar às autoridades paquistanesas para que realizem uma avaliação das necessidades no contexto das ondas de calor, centrando-se nas pessoas mais marginalizadas, e com a sua participação, preparando e implementando planos de ação para o calor compatíveis com os direitos humanos e proporcionando uma proteção social eficaz para apoiar as pessoas a enfrentar as ondas de calor.

Todas estas ações requerem recursos financeiros significativos e a comunidade internacional deve unir-se para garantir que estes estejam disponíveis. O alívio da dívida de pagamentos que atualmente ocupam montantes significativos das receitas e despesas públicas pode ser uma via de financiamento.

Os países mais ricos têm de intensificar a ação para reduzir as emissões e eliminar gradualmente os combustíveis fósseis, em conformidade com as suas obrigações em matéria de direitos humanos, e fornecer o financiamento e o apoio necessários para que o Paquistão ponha em prática medidas de adaptação adequadas, proporcione reparações eficazes por perdas e danos, entre outras medidas necessárias para proteger os direitos humanos.  Devem aumentar significativamente o financiamento da luta contra as alterações climáticas, assegurando simultaneamente um melhor equilíbrio entre o financiamento da atenuação das alterações climáticas e o financiamento da adaptação, incluindo assistência para efetuar avaliações das necessidades de perdas e danos coerentes com os direitos humanos.

“É fundamental que os Estados ricos, mais responsáveis pela crise climática, disponibilizem fundos para apoiar não só a adaptação, mas também a reparação pelas perdas e danos que as pessoas sofreram, ou irão sofrer, devido às ondas de calor extremas provocadas pelas alterações climáticas em países como o Paquistão”, afirmou Dinushika Dissanayake.

“Este relatório conta-nos a história da devastação que se segue às ações irresponsáveis e não mitigadas dos governos, em especial das nações mais ricas e de outras que se opõem a uma transição rápida e justa dos combustíveis fósseis. Eles devem garantir que os prejuízos para os direitos humanos não sejam irreversíveis e trabalhar para alcançar a justiça climática de acordo com suas obrigações em matéria de direitos humanos”.

 

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