23 Junho 2021

 

  • Amnistia Internacional divulga novas provas de tortura, maus-tratos e retornos forçados de refugiados e migrantes para a Turquia
  • Pessoas intercetadas e detidas até 700 km de distância da fronteira grega são, posteriormente,transferidas e forçadas a regressar pela fronteira terrestre com a Turquia
  • Amnistia apela à Frontex (Agência Europeia de Fronteiras e Guarda Costeira) para que suspenda ou revogue as suas operações na Grécia

As forças fronteiriças gregas estão a deter, de forma violenta e ilegal, grupos de refugiados e migrantes, antes de os devolverem rapidamente à Turquia, contrariando as suas obrigações em matéria de direitos humanos no âmbito do direito europeu e internacional, revela uma nova investigação da Amnistia Internacional.

O relatório “Grécia: Violência, mentiras e retornos forçados” – em inglêsGreece: Violence, lies and pushbacks” documenta a forma como as autoridades gregas estão a proceder a retornos forçados e ilegais,em terra e no mar. Centra-se, sobretudo, nas operações ilegais na região de Evros, na fronteira terrestre entre a Grécia e Turquia. Entre fevereiro e março de 2020, a Grécia obrigou, violentamente, ao retorno de refugiados e migrantes, em resposta à abertura unilateral das fronteiras terrestres por parte da Turquia. Ao documentar incidentes ocorridos na sequência desses acontecimentos, de junho a dezembro de 2020, esta nova investigação demonstra que as violações de direitos humanos nas fronteiras da Grécia sucedem continuamente, tendo-se tornado uma prática enraizada.

“É evidente que vários setores das autoridades gregas estão a coordenar, entre si, a captura e detenção de pessoas que procuram segurança na Grécia, sujeitando muitas delas à violência, e transferindo-as depois para as margens do rio Evros, antes de as fazer regressar, rápida e forçadamente, à Turquia”, disse Adriana Tidona, investigadora para as migrações na Europa da Amnistia Internacional.

“As nossas investigações mostram que estes retornos violentos se tornaram a política de controlo fronteiriço grega na região de Evros. O nível de organização necessário para executar numerosas vezes estes retornos – muitas vezes realizados através de locais de detenção não oficiais, e que afetaram cerca de 1000 pessoas nos incidentes documentados no relatório – mostra até que ponto a Grécia está disposta a perpetuar o retorno forçado ilegal e encobrir o problema”.

“O nível de organização necessário para executar numerosas vezes estes retornos mostra até que ponto a Grécia está disposta a perpetuar o retorno forçado ilegal e encobrir o problema”

Adriana Tidona, investigadora para as migrações na Europa da Amnistia Internacional

A grande maioria das pessoas com quem a Amnistia Internacional comunicou, referiu ter sofrido ou testemunhado violência por parte de pessoas que descrevem como funcionários gregos fardados, mas também civis. A sua conduta violenta incluía golpes com paus ou bastões, pontapés, socos, bofetadas, empurrões e, por vezes, resultava em ferimentos graves. Os homens eram frequentemente despidos e revistados, de forma humilhante e agressiva, em vários casos à vista de mulheres e crianças.

Na maioria das situações, estes atos de violência denunciados constituíram uma violação à proibição internacional de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Alguns dos incidentes podem igualmente ser descritos como tortura, pela sua severidade e intenção humilhante ou punitiva.

Saif*, um homem sírio de 25 anos, forçado a retornar quatro vezes em agosto de 2020, relatou à Amnistia Internacional que, na sua segunda tentativa, o grupo no qual viajava foi emboscado por “soldados” vestidos com equipamento preto e balaclavas, e levado para as margens do rio Evros, que atravessa a fronteira grega e turca. Duas pessoas do grupo tentaram escapar, mas foram detidas e espancadas impiedosamente por um dos soldados. Saif, que suspeitava que a coluna de um dos homens tinha sido partida, disse à Amnistia Internacional: “Ele não se conseguia mexer, nem sequer as mãos”. Segundo Saif, depois de os soldados terem levado os dois homens feridos para a Turquia, apareceram soldados turcos e uma ambulância para ajudar os feridos.

Um outro migrante disse à Amnistia Internacional que, durante uma destas operações de retorno forçado, ele e o seu grupo foram obrigados a sair do barco e a nadar até uma pequena ilha no meio do rio Evros, onde permaneceram retidos durante vários dias. Um homem, também forçado a sair mas incapaz de nadar, gritou por socorro enquanto se agitava para cima e para baixo na água e era visto a ser arrastado pela corrente.

Os retornos não ocorrem apenas nas zonas fronteiriças. As pessoas estão também a ser detidas no interior do país, antes de serem forçadas a dirigir-se à região de Evros para regressarem ilegalmente. A Amnistia Internacional falou com quatro pessoas que foram arbitrariamente intercetadas e detidas, em zonas a norte da Grécia, e que acabaram por ser forçadas a regressar à Turquia em grupos maiores. Entre elas, encontrava-se um refugiado reconhecido e um requerente de asilo registado que vivia na Grécia há quase um ano.

“Antes de entrar no autocarro, mostrei à polícia o meu cartão de asilo, mas eles tiraram-mo, rasgaram-no, e disseram-me para entrar no autocarro”

Testemunho de um migrante obrigado ao retorno forçado

Um deles, Nabil*, um sírio de 31 anos e requerente de asilo registado na Grécia, partilhou com a Amnistia Internacional que tinha sido preso no porto de Igoumenitsa, a noroeste da Grécia. A polícia disse-lhe que seria transferido para Atenas e libertado. No entanto, acabou por ser transferido para um segundo local de detenção mais próximo da fronteira terrestre de Evros. Foi espancado, inserido num grupo de 70 pessoas -onde se encontravam crianças – e alvo de retorno forçado conjunto. Referiu à Amnistia Internacional: “Antes de entrar no autocarro, mostrei à polícia o meu cartão de asilo, mas eles tiraram-mo, rasgaram-no, e disseram-me para entrar no autocarro”.

“Todas as pessoas com quem falámos foram obrigadas ao retorno forçado em áreas onde a Frontex tem um número significativo de funcionários. A agência não pode, portanto, alegar que desconhece os abusos que nós, e muitos outros, temos documentado. A Frontex tem o dever de impedir as violações dos direitos humanos. Se não o puder fazer eficientemente, deve retirar ou suspender as operações na Grécia”, disse Adriana Tidona.

 

CONTEXTO

O relatório da Amnistia Internacional “Grécia: Violência, mentiras e retornos forçados” é baseado em conversas com 16 pessoas, que experimentaram 21 destes retornos. Foca-se primordialmente em retornos a partir da fronteira de Evros, entre junho e dezembro de 2020. Com base nos seus testemunhos, estima-se que estas operações ilegais tenham afetado cerca de 1000 pessoas.

Também a Human Rights Watch divulga hoje uma investigação relacionada com este tema, que analisa a responsabilidade da Frontex pelas violações dos direitos humanos nas fronteiras externas da UE, nomeadamente na Grécia.

A Frontex tem a obrigação de tomar medidas adequadas que protejam as pessoas de violações dos seus direitos humanos, e de suspender ou terminar as suas ações se tais violações ocorrerem.

 

*Os nomes foram alterados para proteger as identidades.

 

Recursos

Artigos Relacionados