14 Abril 2022

Prisioneiros doentes no Irão estão a ser deixados a morrer entre crise de impunidade por negação fatal de cuidados médicos.

Os responsáveis prisionais iranianos estão a cometer violações do direito à vida ao negarem deliberadamente cuidados de saúde vitais a prisioneiros doentes e recusarem investigar e garantir responsabilização por mortes ilícitas ocorridas sob custódia, disse hoje a Amnistia Internacional. Num novo relatório, “Na antecâmara da morte: Mortes sob custódia na sequência de negação deliberada de cuidados médicos nas prisões do Irão“, a organização documenta como as autoridades prisionais causam ou contribuem rotineiramente para mortes sob custódia, nomeadamente bloqueando ou atrasando o acesso dos prisioneiros a hospitalização de emergência.

Até à data, e de uma forma que é consistente com os padrões de impunidade sistemática enraizados no Irão, as autoridades recusaram conduzir quaisquer investigações independentes e transparentes às mortes sob custódia envolvendo relatos de negação de cuidados médicos, e falharam em assegurar que aqueles suspeitos de responsabilidade criminal são acusados e punidos.

“O terrível desrespeito das autoridades iranianas pela vida humana tem efetivamente transformado as prisões do Irão numa antecâmara da morte para prisioneiros doentes quando condições tratáveis se tornam tragicamente fatais”, afirmou Diana Eltahawy, diretora regional adjunta para o Médio Oriente e Norte de África na Amnistia Internacional.

“As mortes sob custódia resultantes da negação deliberada de cuidados médicos equivalem a privação de vida, que é uma grave violação de direitos humanos sob o direito internacional. A morte do prisioneiro sob custódia constitui também uma execução sumária, um crime à luz do direito internacional, se os responsáveis pretenderam causar a morte ou se persistiram nas suas ações ilícitas sabendo com um grau suficiente de certeza que a morte seria a consequência”.

O relatório, que detalha as circunstâncias que rodeiam a morte sob custódia de 92 homens e quatro mulheres em 30 prisões em 18 províncias através do Irão desde 2010, baseia-se na documentação pela Amnistia Internacional de uma seleção de casos ilustrativos, conclusões de longo prazo sobre negação deliberada de acesso a cuidados de saúde adequados nas prisões do Irão, e uma revisão abrangente dos relatos de grupos independentes de direitos humanos.

Os 96 casos revistos são mais ilustrativos do que um panorama exaustivo, já que o verdadeiro número de mortes sob custódia é provavelmente muito maior. Isto, porque as violações de direitos humanos no Irão ficam frequentemente por reportar, devido a receios justificados de represálias.

A lista de casos exclui mortes sob custódia envolvendo relatos credíveis de tortura física ou da utilização de armas de fogo, que a Amnistia Internacional abordou num outro relatório em setembro de 2021.

Prisioneiros doentes deixados a morrer

A Amnistia Internacional documentou as consequências fatais decorrentes da prática comum por parte de responsáveis prisionais de negar ou atrasar transferências hospitalares a prisioneiros criticamente doentes.

A organização também documentou como os responsáveis prisionais negam frequentemente aos prisioneiros o acesso a cuidados de saúde adequados, incluindo testes de diagnóstico, exames de rotina e cuidados pós-operatórios, ao longo da sua reclusão, o que leva ao agravar dos problemas de saúde, inflige dor e sofrimento adicionais a prisioneiros doentes e, em última instância, causa ou contribui para as suas mortes prematuras.

No Irão, as clínicas prisionais não estão equipadas com as instalações exigidas para abordar problemas de saúde complexos. Além disso, não dispõem de um número adequado de pessoal médico qualificado, muito menos especialistas médicos, aos quais só é exigido visitar uma ou várias horas durante a semana, “na medida do necessário”. Como resultado, prisioneiros que vivenciam emergências médicas e que necessitam de cuidados médicos especializados devem sempre ser transferidos de imediato para instalações médicas exteriores.

Abdolvahed Gomshadzehi morreu na prisão principal em Zahedan em maio de 2016. Os médicos prisionais tinham avisado que ele precisava de hospitalização, mas os responsáveis tinham recusado. Grupos de direitos humanos disseram que o jovem com 19 anos de idade, que era uma criança aquando da detenção, morreu de coágulos de sangue no cérebro que foram negligenciados e resultavam de espancamentos sofridos durante a sua detenção e/ou interrogatórios dois anos antes. Durante a sua reclusão, os seus múltiplos pedidos para tratamento tinham sido negados.

Sessenta e quatro dos 96 prisioneiros cujos casos a Amnistia Internacional reviu, morreram na prisão. Muitos morreram nas suas celas, o que significa que não lhes foi providenciado acompanhamento básico nas suas últimas horas. Alguns morreram enquanto retidos em clínicas prisionais mal equipadas e sobrelotadas.

Pelo menos 26 prisioneiros morreram durante a transferência ou pouco após a sua admissão no hospital, na sequência de atrasos deliberados por parte de pessoal médico prisional e/ou responsáveis prisionais, que se revelou fatal.

Em pelo menos seis casos, prisioneiros gravemente doentes foram movidos para confinamento solitário, alas de castigo ou secções de quarentena; quatro deles morreram sozinhos na prisão enquanto dois foram tiveram eventualmente a transferência de hospital autorizada, mas revelou-se demasiado tarde.

Em muitos casos, tanto o pessoal clínico como os responsáveis prisionais acusaram os prisioneiros que vivenciaram emergências médicas de “fingir” ou de “exagerar” os seus sintomas.

Por exemplo, Nader Alizehi foi acusado de “fingir” a sua doença pelo chefe da clínica na prisão principal em Zahedan. Morreu em novembro de 2017, aos 22 anos de idade. De acordo com grupos de direitos humanos, foram recusados a Nader cuidados médicos especializados para a sua doença cardíaca e foi mandado embora pelo pessoal clínico com medicação gastrointestinal.

Vidas interrompidas

Na vasta maioria dos casos, os prisioneiros que morreram eram jovens ou pessoas de meia-idade – 23 tinham entre 19 e 39 anos de idade, e 26 tinham entre 40 e 59 anos, suscitando preocupações adicionais de que vidas estejam a ser encurtadas por negação de atenção médica.

Prisões com grandes populações de minorias oprimidas pesam particularmente – 22 das 96 mortes registadas ocorreu nas prisões em Urumieh, província do Azerbaijão Ocidental, onde a maioria dos prisioneiros são das minorias turcas curda e azeri. Foram registadas treze mortes na prisão principal nas províncias de Zahedan, Sistan e Baluchestan, onde os prisioneiros pertencem sobretudo à minoria Baluchi, oprimida no Irão.

Pelo menos 11 prisioneiros morreram após lhes terem sido recusado cuidados médicos adequados para ferimentos traumáticos resultantes de incidentes específicos ocorridos no momento da detenção ou durante o encarceramento. Os restantes 85 prisioneiros morreram depois de lhes terem sido negados cuidados médicos adequados para emergências médicas graves envolvendo, entre outras, ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais, complicações gastrointestinais, complicações respiratórias, problemas renais, COVID-19 ou outras doenças infecciosas, que, ou emergiram subitamente ou estavam relacionados com doenças pré-existentes para as quais não tinham recebido cuidados de saúde especializados adequados ao longo do seu encarceramento.

Os casos de 20 prisioneiros foram de natureza política. Os restantes tinham sido condenados ou acusados por infrações não políticas.

Impunidade

A crise de impunidade sistémica que prevalece no Irão encorajou os responsáveis prisionais a persistir com a negação mortal de cuidados médicos aos prisioneiros.

A crise é caraterizada não apenas pela sistemática recusa das autoridades de investigar, mas também pela sua promoção de narrativas que elogiam a qualidade dos serviços de saúde oferecidos aos prisioneiros como “exemplar” ou “sem paralelo” mundial, o que indica que não pretendem alterar o rumo.

Dado este contexto, a Amnistia Internacional reitera o seu apelo ao Conselho de Direitos Humanos da ONU para implementar um mecanismo de investigação e responsabilização para recolher, preservar e analisar provas dos crimes mais graves sob o direito internacional e das violações de direitos humanos cometidas no Irão para facilitar procedimentos judiciais justos.

“A sombra da morte continuará a pairar sobre os prisioneiros doentes do Irão até que, sejam realizadas investigações efetivas, rigorosas, transparentes, imparciais e independentes para determinar as circunstâncias que rodeiam as mortes sob custódia e a responsabilidade daqueles envolvidos nas mortes”, referiu Diana Eltahawy.

Para prevenir mais perdas evitáveis de vidas em resultado da negação de cuidados médicos vitais, a Amnistia Internacional insta as autoridades iranianas a requerer, na lei na prática, que melhoramentos estruturais pendentes nas clínicas prisionais, prisioneiros que experienciam emergências médicas sejam imediatamente transferidos para instalações médicas exteriores à prisão. Os prisioneiros diagnosticados com doenças graves pré-existentes ou exibindo sinais e sintomas do que podem ser problemas de saúde graves devem similarmente ser transferidos prontamente para instalações médicas exteriores para cuidados médicos adequados.

A Amnistia Internacional também apela às autoridades iranianas para que reformem provisões profundamente erradas nos regulamentos prisionais do Irão, que concedem aos diretores das prisões e aos promotores da acusação o poder de ignorar ou anular recomendações médicas e de tomar decisões de saúde respeitantes à transferência de prisoneiros para tratamento.

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