28 Outubro 2021

 

  • Uma das piores secas na história do país está a provocar a morte da sua população
  • Amnistia Internacional apela à comunidade internacional para intensificar esforços de apoio e assistência
  • Líderes mundiais devem reduzir rapidamente as emissões para evitar novas crises humanitárias impulsionadas pelo clima, e os países ricos têm de proporcionar, aos países em desenvolvimento, um aumento substancial do financiamento climático, incluindo a compensação às comunidades afetadas

A crise climática global intensificou uma seca devastadora no sul de Madagáscar que, por sua vez, conduziu 1 milhão de pessoas à fome, informou hoje a Amnistia Internacional, num novo relatório. O país está a experienciar uma das piores secas da sua história e é um exemplo gritante do efeito arrasador das alterações climáticas nas vidas de milhares de pessoas.

No relatório, “Será tarde para nos ajudarem quando estivermos mortos” (em inglês: It will be too late to help us once we are dead”), a Amnistia Internacional documenta o impacto da seca no usufruto de direitos humanos para as pessoas na região do “extremo sul” de Madagáscar, onde 91% da população vive abaixo do limiar da pobreza. A organização insta a comunidade internacional a tomar ações imediatas para enfrentar a crise climática e proteger as pessoas em países como Madagáscar, extremamente vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas.

Maroalomainty (Madagáscar, maio de 2021): Retrato de uma mulher de 80 anos. Fotografia de Pierrot Men.

 

“Madagáscar está na linha da frente da crise climática. Para um milhão de pessoas, isto significa uma seca de proporções catastróficas, e violações dos seus direitos à vida, à saúde, à alimentação e à água. Isto está a acontecer agora e poderá significar também morrer de fome. As projeções atuais sobre as alterações climáticas indicam que as secas deverão tornar-se mais severas, afetando desproporcionadamente os países em desenvolvimento. Em antecipação às negociações climáticas da ONU na COP26, este é um alerta para que os líderes mundiais ‘parem de arrastar os pés’ quanto à crise climática”, afirmou Agnès Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional.

“Madagáscar está na linha da frente da crise climática. Para um milhão de pessoas, isto significa uma seca de proporções catastróficas, e violações dos seus direitos à vida, à saúde, à alimentação e à água”

Agnès Callamard

“A comunidade internacional deve providenciar, de imediato, uma maior assistência humanitária e financiamento adicional pelas perdas e danos sofridos às pessoas afetadas pela seca em Madagáscar. No futuro, os países que mais contribuíram para as alterações climáticas, e aqueles com mais recursos disponíveis,devem também fornecer apoio financeiro e técnico adicional para ajudar as pessoas em Madagáscar a adaptarem-se melhor aos impactos das alterações climáticas, tais como secas cada vez mais severas e prolongadas.”

A Amnistia Internacional apela aos líderes mundiais para que tomem medidas ousadas e concretas para reduzir coletivamente as emissões de carbono em pelo menos 45% em relação aos níveis de 2010 até 2030, e chegar a zero antes ou até 2050, em conformidade com as evidências científicas.

Madagáscar está entre os países mais vulneráveis às alterações climáticas. A ciência mostra que a mudança climática global contribuiu provavelmente para temperaturas mais elevadas e chuvas cada vez mais irregulares no semiárido sul profundo do país, que regista uma taxa de precipitação abaixo da média há cinco anos consecutivos. As Nações Unidas afirmaram mesmo que Madagáscar está à beira de experimentar a primeira vaga de fome, resultante das alterações climáticas, no mundo.

 

A grande dimensão da seca

O Programa Mundial Alimentar (WFP) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) afirmaram, em maio, que cerca de 1.14 milhões de pessoas enfrentavam elevados níveis de insegurança alimentar aguda no sul do país, e que quase 14.000 se encontravam num estado de “catástrofe” – o nível mais elevado de insegurança alimentar sob a escala de cinco etapas da “Classificação da Fase Integrada da Segurança Alimentar” (IPC). É a primeira vez que é registada, desde que a metodologia IPC foi introduzida em Madagáscar em 2016.

A FAO relembra que 95 % das pessoas que enfrentam insegurança alimentar aguda no sul de Madagáscar dependem da agricultura, pecuária e pesca. No entanto, as estações chuvosas abaixo da média, ao longo dos últimos anos, levaram a uma grave redução da produção de alimentos básicos, como arroz e mandioca, e à diminuição do gado, já que a seca também provocou morte de animais o que, por sua vez, agravou a escassez dos meios de subsistência das pessoas.

Ambovombe (Madagáscar, maio de 2021): Uma mulher semeia sementes enquanto homens jovens lavram a terra. Fotografia de Pierrot Men.

 

Embora não existam estatísticas oficiais sobre os óbitos que derivaram da seca, que começou em novembro de 2020, a Amnistia Internacional entrevistou várias pessoas do extremo sul do país, que relataram mortes nas suas comunidades devido à fome.

Em março, Votsora, um agricultor com cerca de 50 anos, disse à Amnistia Internacional que, um mês antes, dez pessoas tinham morrido na sua povoação, e que, em apenas um dia, cinco pessoas da mesma família tinham morrido de fome.

Uma mulher, também entrevistada em março, afirmou ter perdido dois filhos pelo mesmo motivo: “Eles sofriam de fome e acabaram por morrer. Quase não comíamos nada”.

Outro homem, relatou ainda que perdeu duas crianças bebés: “Uma tinha um ano e dois meses, e a outra tinha oito meses. Morreram há um ano porque não estávamos a comer nada”.

Ambovombe (Madagáscar, maio de 2021): A seca visível. Fotografia de Pierrot Men.

 

Impacto nos direitos humanos

Para as pessoas no sul de Madagáscar, a seca representa uma ameaça iminente ao direito à vida, e a outros direitos, como a saúde, água, saneamento e alimentação.

À medida que a crise vira do avesso as vidas das pessoas, muitas não tiveram outra opção senão migrar para outras zonas, em busca de alimentos.

O futuro das crianças está a ser-lhes roubado. A fome força muitas a abandonar a escola para procurarem trabalho, para que possam apoiar as suas famílias. Os pais também estão relutantes em enviar os seus filhos para a escola de estômago vazio.

A crise coloca ainda um fardo desproporcionado sobre as mulheres e os lares chefiados por mulheres que, frequentemente, dependem da agricultura para o sustento.

“Não podemos continuar a aceitar que os grupos mais pobres e marginalizados na sociedade sejam quem paga o preço mais alto pelas ações e falhas dos maiores emissores de dióxido de carbono do mundo”, acrescentou Agnès Callamard.

“O pior é que se espera que as secas se tornem crescentemente severas nesta parte de Madagáscar, trazendo uma erosão contínua das proteções de direitos humanos. A comunidade internacional deve avançar e assegurar que todas as pessoas conseguem desfrutar do seu direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável, essencial para o usufruto de muitos outros direitos.”

“Não podemos continuar a aceitar que os grupos mais pobres e marginalizados na sociedade sejam quem paga o preço mais alto pelas ações e falhas dos maiores emissores de dióxido de carbono do mundo”

Agnès Callamard

Antes da conferência do clima COP26, a Amnistia Internacional apela a todos os países para que:

  • Se comprometam com metas de redução ambiciosas e consistentes com os direitos humanos, capazes de manter o aumento da temperatura global abaixo de 1.5ºC.
  • Se comprometam com o rápido e gradual abandono dos combustíveis fósseis, em vez de confiarem emmedidas compensatórias, que atrasam a ação climática e podem impactar negativamente os direitos humanos.
  • Implementem um mecanismo global para apoiar as pessoas cujos direitos foram afetados, com os governos mais ricos a pagarem os custos através de novos financiamentos adicionais, que não exijam reembolso.
  • Garantir os direitos à informação e à participação, em todos os níveis de tomadas de decisão relacionadas com o clima, para as pessoas afetadas. 

Adicionalmente, a Amnistia Internacional insta os países mais ricos para que aumentem substancialmente as suas contribuições financeiras para uma redução de emissões consistente com os direitos humanos, e medidas de adaptação climáticas em países mais pobres.

 

Contexto

O sul de Madagáscar vivenciou quatro secas consecutivas, que arrasaram as colheitas e comprometeram o acesso das pessoas a comida. A última seca começou em novembro de 2020 e prolongou-se até janeiro de 2021. A estação mais improdutiva, o período entre o plantio e a colheita, chegou cedo este ano, agravando a fome recorrentemente enfrentada pelas pessoas no Sul. A seca teve um impacto enorme sobre as comunidades, expondo as pessoas à fome, à desnutrição e à morte.

De acordo com o retrato mais recente sobre a Segurança Alimentar e Nutricional do WFP, cobrindo o período de abril a setembro de 2021, 1.14 milhões de pessoas do extremo sul de Madagáscar enfrentavam níveis elevados de insegurança alimentar aguda

Recursos

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