Uma viagem à fronteira entre os Estados Unidos da América e do México

Exposição virtual "Missão Tijuana"

“A liberdade de sonhar dá-nos asas para voar e atravessar muros”. Esta exposição de fotografia retrata a realidade de um lugar de fronteira, dividido por um muro omnipresente que o atravessa e corta.

São muitos os contrastes da vida na linha que separa a Baja Califórnia, hoje um estado mexicano, da Alta Califórnia, hoje um estado dos EUA.

Ambas cheias de simpatia, entre os que vivem de um lado e de outro. Respira-se mar, respira-se vida, arte, educação, surf, natureza. Respira-se alegria e acolhimento em ambos os lados da fronteira.

Mas o muro imprime ritmos. A fronteira cria identidade, como se quisesse impor e sinalizar outra realidade.

Em 2018 uma caravana humana composta de milhares de pessoas provenientes de vários países da América Central, que caminharam centenas de milhares de quilómetros desde as Honduras e El Salvador, atravessando a Guatemala, até ao México. Numa longa caminhada a pé rumo a norte, levavam apenas alguns dos seus haveres. Estas pessoas queriam chegar ao México, mas também e sobretudo aos EUA, país com longa tradição de garantia de direitos fundamentais a quem busca proteção da perseguição e das ameaças à vida mas que foi acolhida com crueldade e ameaças.

Muitas ficaram pelo caminho, muitas chegaram à fronteira onde foram detidas e as famílias separadas, crianças para um lado, pais para outro.

Poucas conseguiram chegar aos EUA e aí reconstruir a vida. A maior parte ficou em Tijuana.

Aí, a vida para os milhares de pessoas da caravana humana continuou aqui como era nos seus lugares de origem: de convívio chegado e persistente com a pobreza e o trabalho.

Uma missão em imagens

(clique em cima de uma imagem para ampliar e depois fora dela para voltar a diminuir)

 

A reserva natural do estuário Rio Tijuana é praticamente intransponível. Fica por inteiro do lado dos EUA. Ao verde do estuário, circundam-no vedações e arame farpado sem vista. E ao longe, vê-se o muro de ferro, que sobe e desce as colinas desde o oceano pacífico até ao deserto. Por vezes chegam a ser três os muros, a correr em paralelo. Aqui encontramo-nos nos limites da cidade de San Diego, uma das maiores do sul da Califórnia que nos evoca vida tranquila, sol e surf. Nada disso condiz com os ferros de ferrugem farpada.

Marcámos no GPS o “parque internacional da amizade” como destino. Fica do lado dos Estados Unidos, junto ao mar onde o muro o cruza e faz a fronteira artificial com o México cortando a praia ao meio. Ao longo da estrada de terra cinzenta batida, para lá chegar, fomos vendo vários sinais de proibido, de avisos para não entrar, para não passar. Sentimos que quase não podíamos olhar para o caminho e que chegar à amizade internacional era missão quase impossível.

O caminho do parque internacional da amizade foi persistente, mas honesto. Foi-nos avisando várias vezes.

Avisos de passagem proibida, de estrada fechada à frente, avisos paradoxais para não entrar na estrada onde já estávamos. Proibição que tinha o objetivo de “proteger a natureza e garantir a segurança pública”.

Aqui o aviso foi mais contundente: área restrita; não passar; propriedade do governo dos Estados Unidos.

Não havendo mais ponto de passagem tivemos de ficar por ali. Não pudemos deste lado da fronteira ver a amizade internacional. Vimos apenas o muro.

A entrada no México a partir dos EUA no posto fronteiriço de San Ysidro foi rápida. Não foi necessário parar sequer, apenas abrandar como se a entrada ao menos nos pedisse consciência do que estávamos a fazer. Tijuana é logo ali, uma cidade como todas as cidades de fronteira. Com um leito de rio quase seco, vislumbrámos logo os pobres da cidade. Os que ficam à margem, tornam-se marginais, como que suspensos no tempo por alguma passagem de vida não cumprida. Estavam ali como se não estivessem, sem horizonte, sem caminho para andar. O da estrada e o da vida. Para a frente muros, para trás, nada.

A estrada mexicana mais a norte e mais a ocidente. Corre rápida como se a viagem aqui não valesse de nada. Ao lado direito, para norte, o muro alto de ferro omnipresente que interrompe tudo. Barras imponentes que deixam ver o outro lado nas intermitências de quem passa. Ao sul, do lado esquerdo, uma cidade de carros, telhados de zinco e edifícios velhos. Tijuana nasce ali para o sul e o leste. Ou se virmos ao contrário, Tijuana foi interrompida ali, pelo muro. Que chegue o azul do Pacífico depressa.

Mais perto do mar, o muro humaniza-se com a arte e a cultura. Aqui dois muros no muro, borboletas e árvores pintam a parte superior da muralha. Em baixo papagaios esvoaçam ao vento e uma menina olha para o lado dos seus sonhos. O artista pintou-a de braços abertos, em acolhimento ou também ela em voo.

Um muro detém os sonhos.
Mas se persistirmos percebemos que um muro nunca detém os sonhos.

Um muro detém os sonhos.
Mas se persistirmos percebemos que um muro nunca detém os sonhos.

Além das barras de ferro que se estendem para o céu, há mais mecanismos a impedir a passagem. Quilómetros e quilómetros de arame farpado enrolado em si mesmo acompanham sempre o muro. Além destes, há sistemas de videovigilância e estradas de terra batida para que soldados e polícia fronteiriça não tenham dificuldades de a percorrer. A border patrol divide o seu trabalho nos postos fronteiriços no controlo das entradas e saídas e nos quilómetros de terra despovoada e vazia a patrulhar o nada. Chamam-se a si mesmos a última linha de defesa do país. O objetivo é ‘protect our way of life’. Para mim vou pensando que a ameaça maior não vem de fora. Nesta altura está bem dentro e ocupa a sala oval, errática e egocêntrica.

O artigo 13º no número 2 da declaração universal dos direitos humanos afirma em letra de lei que toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.

O artigo 14º proclama o direito a pedir asilo noutro país se uma pessoa se encontrar em situação de risco de vida no seu próprio país de origem.

Estes artigos estão longe de se cumprir ainda. A defesa de fronteiras e o controlo de entradas e saídas num país é legítimo se acontecer dentro da lei.
No entanto, fazê-lo de um modo em que se impede quem foge do risco de vida e da miséria, de pedir asilo é ilegal face à lei internacional.
Mas também isto passará, diz o muro.

“A pena para escrever é mais poderosa que a espada”.

O imperador Carlos Magno celebrizou esta expressão. Hoje dir-se-ia que o papel do dinheiro é mais poderoso que todos os muros.

Infelizmente o poder pelo poder e o dinheiro pelo dinheiro, sendo úteis para serviço dos outros e para a prosperidade da sociedade, não se podem separar de uma ideia de Justiça – filosófica e política – que os regule.

Não acontecendo isso, a dignidade humana fica em causa.

Ponhamos de moda a felicidade. #A cidade da esperança. #Pensar a cores. A amizade é vida. #Um mundo sem muros.

Sejamos como gaivotas.

Vai ficar tudo bem?

A canção mais forte é o amor.

Junto ao mar o muro deixa de ter a chapa contínua e horizontal que impede que o ultrapassem. A arquitetura agora é outra, mais transparente. O arame farpado que correu sempre junto ao muro e junto ao chão, sobe-o agora e encima-o.
Nos derradeiros metros, já junto ao mar, é como se o muro ficasse mais brando, cheio de corações, como se se humanizasse.

À maior presença de arame farpado de um lado. A resposta deste lado são corações. A violência gera violência. O Amor, interrompe-a.

Na praia de Tijuana, já de pés molhados, uma menina indiferente ao muro no seu vestido de domingo. Come o algodão doce enquanto abre caminho na areia com os pés. Atrás dela o pai. Atrás deles rostos mexicanos de liberdade, de pensamento, de educação. Perceberá ela a herança que vai ter?

Para lá deles, os Estados Unidos, tão perto e tão longe.

Quando nos faltar a esperança de um mundo sem muros e com mais direitos humanos: lembremo-nos do ar e do oxigénio, lembremo-nos do sal do mar.

Estes ativistas – para o bem e para o mal – não precisam de polarizar ou radicalizar discursos. A pressão deles é conjunta e ao longo do tempo causam a ferrugem que abre brechas ao muro.

A menina e a mãe que a segura. Estão de visita de domingo à praia. O muro a ela não a prende.
Para derrubarmos e ultrapassarmos muros de injustiça: precisamos de ser como as crianças questionando tudo.

Não precisamos em boa verdade de mais do que os ingredientes da geologia. Com pressão e tempo tudo se transforma.

A brecha no muro por onde passam as crianças juntou gente. Curiosos querem ver o que se passa do outro lado. Rapidamente percebem que nada. A comunidade fica deste lado.

Mariachis modernos junto ao muro. Tijuana. Parque da amizade.

A vida e a festa em Tijuana. Do outro lado, o vazio. San Diego ao fundo.

Vou percorrendo a pé o muro e olhando para os desenhos, pinturas, textos e nomes nele escritos. Esta criança aqui pintada segura uma âncora de barco atada a uma corda enrolada. A pintura tem movimento. Adivinhamos que a âncora será lançada e ficará presa no topo do muro para ajudar a subi-lo e ultrapassá-lo.

Transporto-me para a minha infância onde era avisado frequentemente para não subir a muros. Aqui, a representação é outra. É a da necessidade. Penso nas razões da fuga de tantos milhares de pessoas. Penso nas razões dos muros para travar tantos milhares de pessoas.

Se houvesse lideranças políticas mais competentes e humanistas – de ambos os lados – talvez as pessoas não fossem forçadas a fugir dos seus locais de origem e em vez de maltratadas à chegada seriam acolhidas, pensando-se no bem, na diversidade e na riqueza que vêm produzir nos locais de destino.

Como se chamaria a menina do vestido amarelo?

A liberdade de sonhar dá-nos asas para voar e atravessar muros.

A cidade de Tijuana deve o seu nome a várias origens possíveis. Naquele território da Baixa California viviam os Kumeyaay, indígenas na região. Na sua língua, “Tiwan” significa “junto ao mar”. Outra explicação do nome liga-se a Santiago Arguello, soldado espanhol a quem foi dado um território de cerca de 100km2 ao qual deu o nome de Rancho Tijuana. A terceira explicação vem da história de uma mulher, a Ti Juana, que tinha um albergue naquela localidade. Era a tia Joana que acolhia os viajantes, que os cuidava e atendia até retornarem à sua peregrinação pela vida.
A cidade testemunhou um aumento na sua população quando a Alta Califórnia foi anexada aos Estados Unidos. Muitos mexicanos que lá viviam ficaram, mas outros mudaram-se para o sul, para a Baja Califórnia, onde puderam continuar a viver no México.
A cidade tem vivido das dinâmicas comerciais de fronteira, de entretenimento e de cultura vibrante e intelectual.
Com pouco mais de um milhão e meio de habitantes, a cidade cresceu muito nos últimos anos, em habitantes e em extensão. Para lá da cidade propriamente dita e dos seus centros principais, hoje ela estende-se por colinas, vales e pequenos planaltos com largos quilómetros de extensão de terra cobertos de pequenas casas que mais não são que barracas com chapas de zinco que lhes servem de telhado.
A vida para os milhares de pessoas da caravana humana continuou aqui como era nos seus lugares de origem: a pobreza persistente e uma vida que continua dependente de vendas ambulantes na parte turística da cidade e nas filas de carros de passagem na fronteira. Ao menos aparentemente, a condição de segurança melhorou, isto se colocarmos de parte a violência da fronteira.

Em Tijuana, na estrada que caminha para o posto fronteiriço, as filas de trânsito são longas e quase permanentes. São horas para percorrer poucos quilómetros. Tempo para contemplar a vida e a inocência dela.

A venda ambulante é a saída mais rápida da miséria para chegar e continuar na pobreza por parte daqueles que mais nada têm. É esta a única solução que milhares de pessoas encontram para sobreviver, quer junto à praia, quer no distrito mais comercial no centro da cidade quer aqui, a escassos metros do posto fronteiriço onde todos os carros são revistos.
Minutos depois desta fotografia, todos saímos dos carros por segurança, assim ordenados pela polícia para trás de cada carro a distância considerável. A razão de tamanho aparato encontrava-se duas filas ao lado, onde um carro na sua vez de ser revistado onde seguiam um homem adulto e uma senhora idosa foram considerados suspeitos. Toda a fronteira se fechou por minutos e cerca de 40 agentes concentraram-se de armas apontadas aos dois até os deterem.
O medo a quanto obriga.
A senhora, vendedora ambulante, continuou o seu trabalho. A vida dos seus depende disso.

Além do muro pintado, Tijuana é rica em arte de rua, com escultura e pintura. “Todos têm direito à vida com liberdade e dignidade” encima o caminho de fuga de uma família com uma criança, em fuga a passo largo por onde as bandeiras dos Estados Unidos do México e da América se juntam e fundem.

Além do muro pintado, Tijuana é rica em arte de rua, com escultura e pintura. “Todos têm direito à vida digna” encima o caminho de fuga de uma família com uma criança, em fuga a passo largo por onde as bandeiras dos Estados Unidos do México e da América se juntam e fundem.

Para memória.

A vista do parque da amizade sobre o muro que termina no mar. Deste lado no México, do outro lado do muro e da fronteira o outro parque da amizade internacional. Nos tempos que correm, tão vazio.
Em boa verdade, não conseguimos lá chegar ainda que tenhamos começado a tentar por aí.

O coração do parque da amizade, no lado mexicano em Tijuana, a cidade onde começa a pátria. Hoje cheia de cor que dá alegria aqueles que aí chegam e procuram passagem e vida honesta. São a grande maioria, sempre ofuscada por quem se aproveita da miséria dos outros para vingar na vida, de forma lícita ou ilícita. Aproveitar-se da miséria e pobreza dos outros por vezes pode até através de mecanismos legais. Mas não deixam por isso de ser imorais.

“Un muro nunca detiene los sueños”

Vista exterior de um dos centros de detenção de migrantes. É em edifícios destes que esta administração americana separa famílias, enjaulando crianças e prendendo os pais por tempo por vezes indeterminado. A fotografia foi tirada a partir de um carro em andamento. A possibilidade de entrar e estacionar é apenas permitida a veículos autorizados. Parar na estrada que a acompanha é também proibido.

Pessoas sem escrúpulos podem até usar crianças para tentarem passar a fronteira, mas isso não justifica que as autoridades sejam insensíveis à grande maioria de pessoas e famílias honestas que procuram asilo nos Estados Unidos, com razões válidas e legais para o pedir mas nem chegando a poder fazer esse requerimento conforme exige a lei internacional e o artigo 14º da declaração universal dos direitos humanos.

Cabe às autoridades distinguir com eficácia ambos os pontos desse artigo. Quem procura asilo não é criminoso. Pelo contrário, deve ser acolhido. A mobilidade humana gera desenvolvimento, diversidade e riqueza.

Nós portugueses, país de migrantes, sabemos bem disso. Os Estados Unidos, país construído com migração, sabe bem disso. O próprio ocupante da sala oval, filho de mãe migrante não tem razões para fingir que não sabe disso.

Em 2018 a Amnistia Internacional investigou e documentou inúmeros casos de famílias separadas e de crianças literalmente enjauladas em centros de detenção de migrantes espalhadas por toda a fronteira sul dos EUA, desde San Ysidro, junto ao Oceano Pacífico, até à Florida, junto ao Oceano Atlântico.

https://www.amnistia.pt/eua-nao-devem-separar-criancas-dos-pais/

Continuaremos sempre a trabalhar pelos Direitos Humanos. Com eles não precisaríamos de muros.

Agir

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