As autoridades em Moçambique devem lançar de imediato uma investigação independente e imparcial à execução extrajudicial de uma mulher nua e indefesa, em Mocímboa da Praia, na província moçambicana de Cabo Delgado, apela a Amnistia Internacional, após verificar a autenticidade de uma gravação em vídeo do ataque que foi partilhada nas redes sociais.
“Este vídeo macabro é mais outro exemplo repugnante das graves violações de direitos humanos e assassinatos bárbaros que estão a ocorrer em Cabo Delgado às mãos das forças de defesa e segurança moçambicanas”, comenta o diretor para a África Oriental e África Austral da Amnistia Internacional, Deprose Muchena.
Deprose Muchena, diretor para a África Oriental e África Austral da Amnistia Internacional“Reflete as nossas recentes constatações de arrepiantes crimes e violações de direitos humanos, à luz do direito internacional, que estão a ocorrer na área. E demonstra um padrão repetido e impiedoso de crimes cometidos pelas forças armadas”
“Este incidente reflete as nossas recentes constatações de arrepiantes crimes e violações de direitos humanos, à luz do direito internacional, que estão a ocorrer na área. E demonstra um padrão repetido e impiedoso de crimes cometidos pelas forças armadas moçambicanas”, prossegue.
Para Deprose Muchene, “as forças armadas não podem ter carta-branca para cometer crimes e violações de direitos humanos”, como “o assassinato de civis, com a justificação de estarem a combater grupos armados”. “As autoridades moçambicanas devem investigar estes crimes recentes e chocantes e assegurar que todos os suspeitos de responsabilidade criminal prestem contas em tribunais civis através de julgamentos justos”, nota.
Mulher espancada e baleada 36 vezes
De acordo com a análise do Crisis Evidence Lab da Amnistia Internacional, a mulher não identificada foi morta num local com as coordenadas exatas ou aproximadas de -11.518419, 40.021284, no meio da estrada R698, no exterior da subestação elétrica localizada no lado oeste da cidade de Awasse, em Cabo Delgado.
A mulher estava a tentar fugir para o norte, ao longo da estrada, quando foi intercetada por homens aparentemente pertencentes às Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), que a seguiam. Depois de espancada com um pau, mataram-na a tiro e abandonaram o seu corpo nu em plena estrada. Quatro homens armados diferentes dispararam 36 vezes contra a vítima, com espingardas Kalashnikov e uma metralhadora do tipo PKM.
Os soldados usavam a farda das FADM. Um deles exibia o distintivo amarelo e preto no ombro esquerdo. A maior parte usava a farda completa, mas o homem com a metralhadora PKM vestia uma camisa vermelha em vez da camisa camuflada normal.
Todos os soldados falam português no vídeo e referem-se à mulher como “Al-Shabaab”, um grupo armado local acusado de causar instabilidade na região, desde outubro de 2017. No início da gravação, ouvem-se os militares a gritar “Este é o Al-Shabaab” e no final concluem: “Acabámos de matar o Al-Shabaab”. Uma fonte militar local, que falou com os investigadores da Amnistia Internacional, apresentou uma justificação bizarra para o assassinato, alegando que a mulher tinha enfeitiçado o exército moçambicano e que se tinha recusado a mostrar-lhes o esconderijo dos insurgentes.
O vídeo foi divulgado pela primeira vez nas redes sociais a 14 de setembro, mas foi partilhado em telemóveis privados a 7 de setembro – dia em que foi provavelmente filmado, segundo as fontes da Amnistia Internacional. Isto coincide com a “megaoperação” do governo para remover insurgentes de Awasse e Diaca, corroborando a presença de combatentes das FADM nestas cidades.