22 Fevereiro 2019

Governos em todo o mundo estão cada vez mais a atacar organizações não-governamentais (ONGs) ao criarem leis que as submetem – e ao seu pessoal – a vigilância, obstáculos burocráticos de pesadelo e a sempre-presente ameaça de prisão, disse a Amnistia Internacional num novo relatório divulgado hoje.

Leis Desenhadas para Silenciar: A Repressão Global Sobre Organizações da Sociedade Civil revela o surpreendente número de países que estão a usar técnicas de assédio e regulamentações repressivas para impedir ONGs de fazerem o seu trabalho vital. O relatório lista 50 países em todo o globo nos quais foram implementadas ou estão na calha legislações anti-ONGs.

“Documentámos como um número crescente de governos está a colocar restrições e barreiras irrazoáveis a ONGs, impedindo-as de desenvolverem trabalho crucial,” disse Kumi Naidoo, secretário-geral da Amnistia Internacional.

“Em muitos países, organizações que ousam exprimir-se pelos direitos humanos estão a ser assediadas para silenciá-las. Grupos de pessoas que se juntam para defender e exigir direitos humanos estão a enfrentar obstáculos crescentes a poderem trabalhar livremente e em segurança.”

Kumi Naidoo

“Em muitos países, organizações que ousam exprimir-se pelos direitos humanos estão a ser assediadas para silenciá-las. Grupos de pessoas que se juntam para defender e exigir direitos humanos estão a enfrentar obstáculos crescentes a poderem trabalhar livremente e em segurança. Silenciá-los e impedir o seu trabalho tem consequências para toda a gente.”

Só nos dois últimos anos, globalmente, foram implementados ou estão a ser trabalhados quase 40 textos legislativos que interferem com o direito de associação e estão desenhados para dificultar o trabalho de organizações da sociedade civil. É comum estas leis incluírem a implementação de absurdos processos de registo para organizações, monitorizando o seu trabalho, restringindo as suas fontes de recursos e, em muitos casos, encerrando-as se estas não aderem aos requisitos irrazoáveis que lhes são impostos.

© REUTERS/Oswaldo Rivas

Um problema global

Em Outubro de 2018, o ministro paquistanês do Interior rejeitou as candidaturas a registo de 18 ONGs internacionais, e indeferiu os seus subsequentes recursos, sem providenciar um motivo.

Na Bielorrússia, as ONGs estão sujeitas a estrita supervisão estatal. Trabalhar para as ONGs cujo pedido de registo é rejeitado (frequentemente de maneira arbitrária) constitui a prática de um crime.

Na Arábia Saudita, o governo pode negar licenças a novas organizações e dissolvê-las se for considerado que estão a “prejudicar a unidade nacional”. Isto tem afetado grupos pelos direitos humanos, incluindo grupos pelos direitos humanos das mulheres, que não conseguiram registar-se nem operar livremente no país.

No Egito, organizações que recebem fundos do exterior, são forçadas a cumprir regulamentações severas e arbitrárias. O que levou muitos defensores dos direitos humanos a serem proibidos de viajar, a terem os seus bens congelados ou a sofrerem acusações. Se condenados por receberem financiamento do estrangeiro, alguns poderiam enfrentar até 25 anos de prisão.

Escritórios da “Amnistia Internacional em todo o mundo foram igualmente visados. Da Índia à Hungria, as autoridades maltrataram o nosso pessoal, invadiram os seus escritórios e congelaram os seus bens num novo escalar do ataque a organizações locais”, disse Kumi Naidoo.

Detido por incumprimento

Muitos países, tais como o Azerbeijão, a China e a Rússia, introduziram requisitos adicionais de registo e prestação de contas para as ONGs. O incumprimento significa a prisão, uma punição que Rasul Jafarov, defensor dos direitos humanos no Azerbaijão, conhece demasiado bem.

“Eu fui preso em conexão com ativismo e manifestações que levei a cabo com o meu Clube de Direitos Humanos,” disse Rasul, que foi libertado da prisão em 2016, após ter sido detido durante mais de um ano. “Isto criou uma atmosfera horrível. Aqueles que não foram presos ou investigados, tiveram de encerrar as suas organizações ou parar os seus projetos. Muitos deixaram o Azerbaijão para trabalharem no exterior.”

©REUTERS

Esta regulamentação restritiva significa que as ONGs estão sob escrutínio constante por parte das autoridades. Na China, nova legislação estabelece um controlo apertado sobre o trabalho das ONGs, desde o registo e prestação de contas até às transações bancárias, aos requisitos de contratação e à angariação de fundos.

Na Rússia, o governo classificou as ONGs que recebem financiamento do exterior como “agentes estrangeiros” – um termo sinónimo de “espião”, “traidor” e “inimigo do Estado”. O governo aplica esta legislação de forma tão ampla, que mesmo uma organização de apoio a pessoas com diabetes foi pesadamente multada, colocada no registo de “agentes estrangeiros” e forçada a encerrar em Outubro de 2018. Grupos médicos, ambientalistas e de mulheres foram igualmente visados.

Efeito dominó

As políticas repressivas do governo russo causaram um efeito dominó que está a atingir vários outros países.

Na Hungria, várias ONGs estão a ser forçadas a identificar-se como “financiadas pelo estrangeiro”, com o governo a procurar desacreditar o seu trabalho e virar a opinião pública contra elas. As organizações que não cumpram estas normas, enfrentam multas elevadas e, em última análise, a suspensão das suas atividades. Organizações que trabalham no apoio a migrantes e refugiados foram intencionalmente visadas, e o seu pessoal maltratado, após a aprovação de um novo pacote de leis, em Junho de 2018.

“Não sabemos o que nos vai acontecer, e a outras organizações, e que leis serão aprovadas a seguir”, disse Aron Demeter, da Amnistia Internacional Hungria. “Vários membros do nosso pessoal sofreram perseguição ‘online’, maus-tratos e ameaças de violência. Alguns locais recusaram acolher os nossos eventos e houve escolas que recusaram levar a cabo atividades de educação para os direitos humanos, por medo de repercussões.”

“Ninguém devia ser criminalizado por defender os direitos humanos. Os líderes mundiais deviam focar-se em garantir igualdade e assegurar que as pessoas têm melhores condições de trabalho, cuidados de saúde dignos, acesso a educação e a habitação adequada nos seus países – não em perseguir aqueles que os exigem”

Kumi Naidoo

Em alguns países, o ataque a ONGs toma particularmente como alvo organizações que defendem os direitos de grupos marginalizados. Aquelas que promovem os direitos das mulheres, incluindo saúde e direitos sexuais e reprodutivos, direitos LGBTI, os direitos de migrantes e refugiados e grupos ambientalistas estão entre os mais afetados.

“Ninguém devia ser criminalizado por defender os direitos humanos. Os líderes mundiais deviam focar-se em garantir igualdade e assegurar que as pessoas têm melhores condições de trabalho, cuidados de saúde dignos, acesso a educação e a habitação adequada nos seus países – não em perseguir aqueles que os exigem”, disse Kumi Naidoo.

“Os defensores dos direitos humanos estão comprometidos com a criação de um mundo melhor para todas as pessoas. Não vamos desistir da luta, porque conhecemos a importância deste trabalho. Em Dezembro de 2018, na sede da ONU, por ocasião do 20º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os líderes mundiais reiteraram o seu compromisso com o providenciar de um ambiente seguro para os defensores dos direitos humanos. Agora, devem garantir que se torne realidade.”

Segundo a CIVICUS, uma aliança global de organizações e ativistas da sociedade civil, o relatório da Amnistia Internacional chegou num momento crítico.

“Este é um relatório oportuno, dada a proliferação de restrições ao trabalho legítimo de organizações da sociedade civil,” disse Mandeep Tiwana, Diretor de Programas da CIVICUS. “Ao apontarmos um foco sobre os desafios, aqueles que apoiam a sociedade civil e os valores dos direitos humanos podem ajudar a deter este curso.”

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