11 Março 2017

Foi uma escolha desumana que nenhuma família devia alguma vez ter de fazer. A decisão era entre permanecerem juntos, com as duas filhas pequenas, e perderem talvez a sua única oportunidade de escaparem aos horrores da guerra, ou aproveitar a hipótese de serem livres mas deixarem a bebé de 1 ano noutro país, do outro lado do mundo. Rawya Rageh, perita da Amnistia Internacional em situações de crise, detalha aqui este caso.

Foi um dilema diabólico o que foi colocado a Baraa Ahmed (nome fictício) e à sua mulher – ambos com dupla nacionalidade, norte-americana e iemenita – separados da seu bebé, que ainda estava a ser amamentada, quando o Presidente Trump emitiu a discriminatória proibição de entrada no país.

“Jamais teria deixado a minha filha na Malásia e regressado [aos Estados Unidos] se não fosse a decisão do Presidente”, conta Baraa Ahmed à Amnistia Internacional. “Nada me teria feito deixar a minha filha para trás… Mas [a ordem executiva de Trump] levou-nos a fazermos o que fizemos”.

O sonho americano

Baraa Ahmed saiu do Iémen há vários anos, para procurar trabalho nos Estados Unidos da América e conseguir uma vida melhor para a sua família. Estabeleceu-se em Nova Iorque, onde trabalha como vendedor. Em 2014 Baraa naturalizou-se cidadão norte-americano e nesse mesmo ano pediu os vistos para a sua mulher e para a sua primeira filha, para que pudessem juntar-se a ele.

Até agora, a história desta família não é diferente da de tantas outras famílias que viajaram de vários países do mundo para trabalhar arduamente e construir uma nova vida nos Estados Unidos da América. Porém, dois acontecimentos imprevisíveis e desastrosos transformaram o sonho americano desta família num pesadelo que ainda continua.

Em primeiro lugar, em março de 2015 a instabilidade interna que existia no Iémen transformou-se num sangrento conflito armado, com os civis a serem apanhados entre bombardeamentos aéreos e ataques terrestres. O conflito originou 2 milhões de deslocados.

Em segundo lugar, depois do Presidente Donald Trump chegar ao poder apoiado num tóxico discurso xenófobo e de divisão, em janeiro de 2017 foi assinada uma ordem executiva a proibir a entrada em território norte-americano a todas as pessoas oriundas do Iémen e de seis outros países de maioria muçulmana [a segunda ordem deixou o Iraque de fora, mas mantém a proibição para seis países].

Segundo Trump, a proibição de entrada tem como objetivo manter os “terroristas” fora de território norte-americano. Porém, o que esta medida descaradamente discriminatória fez foi semear o medo entre os refugiados que fogem da guerra e da perseguição e lançar o caos entre milhares de pessoas que, como a família de Baraa, já se encontravam a passar pelo longo processo de candidatura a vistos de entrada e permanência.

O custo de fugir da guerra

“Com a situação no Iémen, eu queria era trazer a minha mulher e as minhas filhas para aqui [Nova Iorque], porque elas viviam numa das áreas mais afetadas pela guerra”, explica Baraa. “Sempre quis que elas se juntassem a mim, mas a minha principal preocupação era agora a guerra”.

A revolta que começou no Iémen fez com que a Embaixada dos Estados Unidos na capital, Sanaa, encerrasse. Baraa conseguiu, a um preço bem elevado, que a mulher e as duas filhas viajassem para Kuala Lumpur, na Malásia, onde podiam continuar à espera do resultado da candidatura ao visto americano.

A saída do Iémen aconteceu em março de 2016. Para sair, a mulher de Baraa teve de ser acompanhada por um parente do sexo masculino e a viagem exigiu passar por três países diferentes até conseguirem finalmente um voo para a Malásia.

Foi nessa altura que Baraa Ahmed saiu de Nova Iorque para se juntar à mulher e às filhas em Kuala Lumpur. Nos 11 meses seguintes a família aguardou na Malásia pela autorização de entrada nos Estados Unidos e terá gasto mais de 40.000 dólares americanos (cerca de 38.000 euros) entre voos, apartamento e carro alugados, bem como taxas relacionadas com os pedidos de vistos.

A despesa e a demora no processo nem foram o pior. O que lhes viria a acontecer depois foi inimaginável.

A filha mais nova do casal nasceu no final de 2015, quando já tinha passado mais de um ano desde que Baraa iniciara o processo de pedido de vistos para a mulher e para a filha mais velha. Por isso, iniciou-se um processo à parte e foi feito um dispendioso teste de paternidade. Seguiram-se múltiplas entrevistas sobre a situação da filha mais nova com os responsáveis pelos serviços de imigração dos Estados Unidos e várias garantias foram dadas ao longo do processo.

Porém, o pedido de visto da bebé continuou sempre a ser tratado em separado. E quando a mulher e a família mais velha receberam os vistos, no final de 2016, o caso da mais pequena continuava por resolver.

Por isso, a família continuou à espera.

Separados pela força de uma caneta

Entretanto chegou o dia 27 de janeiro de 2017 e os noticiários começam a anunciar a ordem executiva de Trump e a proibição de entrada no país a pessoas oriundas de 7 países, entre eles, o Iémen [a segunda ordem mantém a proibição para seis países]. Alguns dias depois, um Tribunal Distrital americano suspendeu temporariamente o decreto e os iemenitas com vistos válidos correram a entrar nos Estados Unidos para evitarem que serem barrados caso a ordem voltasse.

Nessa altura Baraa e a mulher continuavam sem qualquer informação sobre o visto da filha mais nova e tiveram de tomar a decisão impossível: viajar para os Estados Unidos da América e deixar para trás a filha ainda bebé.

“Não tínhamos alternativa”, conta Baraa aos investigadores da Amnistia Internacional. “Tivemos de deixar a nossa bebé com um amigo e com a mulher dele e voltar [para os Estados Unidos] para que a minha mulher e a minha filha mais velha entrassem, pois tinham sido autorizadas. Foi uma decisão muito cruel, mas o que é que podíamos fazer? Não havia outra hipótese. Não podia arriscar perder a oportunidade da minha mulher e da minha filha mais velha entrarem”.

Neste momento a família não pode sequer viajar para a Malásia para visitar a bebé. Falta-lhes dinheiro e a autorização formal de residência (os chamados green cards) da mãe e da filha mais velha.

Tudo isto deixou a mulher de Baraa à beira da loucura. “[A bebé] ainda mamava quando foi separada da mãe. Estou a dizer-vos que a minha mulher parece uma louca agora. Faz coisas estranhas. Diz que eu sou o culpado”, conta. “Podem imaginar como ela sente a falta da bebé. E eu também estou a sofrer. Sinto-me destroçado por ter abandonado a minha filha”.

Botao Peticao

 

Artigo originalmente publicado no International Business Times

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