17 Agosto 2018

A polícia da Indonésia matou a tiro mais de 70 pessoas numa vaga de repressão crescente no que as autoridades designam como operações contra “pequenos criminosos” antes de o país receber os Jogos Asiáticos de 2018, cuja cerimónia de abertura decorre em Jacarta, denuncia a Amnistia Internacional.

Entre janeiro e agosto deste ano pelo menos 77 pessoas foram mortas a tiro por todo o país, incluindo 31 nas cidades que acolhem os Jogos na grande área de Jacarta e no Sul de Sumatra. Muitas destas mortes ocorreram durante operações da polícia explicitamente concebidas para preparar as cidades-anfitriãs do evento multidesportivo, entre 18 de agosto e 2 de setembro.

“Nos meses que antecederam os Jogos Asiáticos, as autoridades prometeram melhorar a segurança para todos. Em vez disso, assistimos à polícia a disparar e a matar dezenas de pessoas por todo o país com uma quase total impunidade pelas mortes causadas”, frisa o diretor da Amnistia Internacional na Indonésia, Usman Hamid.

O perito da organização de direitos humanos considera que “estes números chocantes revelam um padrão claro de uso excessivo e desnecessário da força pela polícia e um permanente manto de impunidade que mancha as instituições de segurança pública”. “Ser país anfitrião de um evento desportivo internacional não pode ser feito à custa de um abandono dos direitos humanos. As mortes têm de parar e todas têm de ser pronta e eficazmente investigadas”, insta.

“Estes números chocantes revelam um padrão claro de uso excessivo e desnecessário da força pela polícia.”

Usman Hamid, diretor executivo da Amnistia Internacional Indonésia

O número de mortes atingiu um pico entre 3 e 12 de julho, quando foram mortalmente alvejadas pela polícia 11 pessoas na grande área de Jacarta e três no Sul de Sumatra, durante as operações de “segurança pública” feitas para preparar as duas cidades para os Jogos.  Em Jacarta, além das pessoas mortas, foram ainda atingidas a tiro nas pernas mais 41 pessoas, e mais de 700 das cerca de cinco mil detidas foram acusadas de delitos criminais.

Pouco antes de ter começado esta operação, denominada “Cipta Kondisi” (Operação de Segurança Pública), oficiais de topo da polícia indonésia anunciaram que os agentes tomariam “ações firmes”, incluindo disparar de imediato contra quem resistisse a ser detido ou atacasse a polícia. Apesar das críticas, o chede da Polícia Nacional reiterou esta política a 30 de julho, afirmando que “se houver resistência aos agentes durante a detenção, não tenham dúvidas – é para disparar”.

“Ser país anfitrião de um evento desportivo internacional não pode ser feito à custa de um abandono dos direitos humanos.”

Usman Hamid, diretor executivo da Amnistia Internacional Indonésia

As autoridades policiais têm vindo a justificar as mortes causadas em Jacarta no contexto de um cada vez mais acentuada preocupação pública sobre a multiplicação de incidentes de crime violento cometidos na cidade, designados localmente como begal. Esta expressão refere-se a pessoas que usam armas brancas ou revólveres e se deslocam em motos para fazer assaltos ou atacar transeuntes.

O número total de pessoas mortas nas ruas da Indonésia e acusadas de terem cometidos este tipo de pequenos crimes ascende a 64% mais do que o registado no mesmo período de 2017.

“A polícia está muito claramente a executar uma política de ‘disparar primeiro e perguntar depois’. A Comissão Nacional de Direitos Humanos e a Comissão da Polícia Nacional têm de lançar de imediato uma investigação minuciosa, imparcial e independente às mortes ocorridas e levar a tribunal quem seja suspeito de responsabilidade criminal, incluindo os topos das cadeias de comando”, sustenta Usman Hamid.

“A polícia está muito claramente a executar uma política de ‘disparar primeiro e perguntar depois’.”

Usman Hamid, diretor executivo da Amnistia Internacional Indonésia

A Amnistia Internacional exorta também as autoridades indonésias, assim como os organismos desportivos nacionais e internacionais competentes, a tomarem todas as medidas adequadas para garantir que não são cometidas violações de direitos humanos em resultado dos Jogos Asiáticos na Indonésia e que ser palco deste grande evento desportivo não contribui para exacerbar abusos já existentes.

A Indonésia está obrigada por força da lei internacional de direitos humanos a respeitar e a proteger o direito à vida de todas as pessoas em todos os momentos e tem o dever de levar a cabo investigações prontas, detalhadas e eficazes a todas as suspeitas violações do direito à vida.

Os padrões e legislação internacional de direitos humanos determinam que os agentes responsáveis pelo cumprimento da lei podem recorrer à força apenas quando tal é estritamente necessário, de forma proporcionada e na medida do que é imprescindível para cumprir um objetivo legítimo de cumprimento da lei. O uso intencional de força letal, incluindo o de armas de fogo, só pode verificar-se como absoluto último recurso e quando seja estritamente inevitável para proteger a vida ou de ferimento grave.

  • 10 milhões

    Existem cerca de 10 milhões de pessoas presas no mundo inteiro, em qualquer momento.
  • 3,2 milhões

    Estima-se que 3,2 milhões de pessoas que se encontram na prisão ainda aguardem julgamento.

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