18 Outubro 2019

A lista de abusos adensa-se, no nordeste da Síria, entre execuções sumárias, sequestro de civis e ataques indiscriminados em áreas residenciais. Para a Amnistia Internacional, as forças militares turcas, apoiadas por grupos armados locais, são responsáveis por crimes de guerra que devem ser investigados e levados à justiça.

“As forças militares turcas e os seus aliados demonstraram um total desprezo pelas vidas civis”

Kumi Naidoo, secretário-geral da Amnistia Internacional

De 12 a 16 de outubro, foram reunidos testemunhos de médicos, equipas de resgate, civis deslocados, jornalistas e trabalhadores humanitários sírios e estrangeiros. Os investigadores da Amnistia Internacional analisaram ainda vídeos, relatórios clínicos e outros documentos.

“As forças militares turcas e os seus aliados demonstraram um total desprezo pelas vidas civis, lançando ataques mortíferos ilegais em áreas residenciais”, afirma o secretário-geral da Amnistia Internacional, Kumi Naidoo.

As informações recolhidas apontam ainda para a execução da política síria-curda Hevrin Khalaf, às mãos do Ahrar Al-Sharqiya – uma milícia equipada pelo regime de Ancara.

“A Turquia é responsável pelas ações dos grupos armados que apoia, arma e dirige. Até agora, tem dado rédea solta para que cometam graves violações em Afrin”, explica Kumi Naidoo.

A administração curda, através do Departamento de Saúde, adianta que, desde o início da operação turca, morreram, pelo menos, 218 civis, incluindo 18 crianças. O balanço oficial dá também conta de 653 feridos.

“Mais uma vez, pedimos à Turquia que acabe com as violações, responsabilize outros autores e proteja os civis que estão sob a sua alçada. A Turquia não pode fugir das obrigações e atribuir a responsabilidade dos crimes de guerra a grupos armados”, nota o secretário-geral da Amnistia Internacional.

Já as autoridades da Turquia indicam que, até ao dia 15 de outubro, 18 civis foram mortos e 150 ficaram feridos, em território nacional, após ataques de morteiro realizados por forças curdas a partir da Síria. Caso se confirme a veracidade das informações, estamos perante a violação do direito internacional humanitário.

Relatos de violência e impunidade

Um funcionário do movimento Crescente Vermelho Curdo descreveu-nos como retirou corpos dos destroços provocados por um ataque aéreo turco, na manhã de 12 de outubro. O alvo foi uma escola em Salhiye, onde civis deslocados tinham procurado abrigo.

“Tudo aconteceu muito rápido. No total, houve seis feridos e quatro mortos, incluindo duas crianças. Não sabia dizer se eram meninos ou meninas porque os cadáveres estavam pretos. Pareciam carvão. As outras duas pessoas mortas eram homens mais velhos, pareciam ter mais de 50 anos. Honestamente, ainda estou em choque”, afirma o homem, que garante que a linha de frente de combate mais próxima ficava a um quilómetro de distância.

“A Turquia não pode fugir das obrigações e atribuir a responsabilidade dos crimes de guerra a grupos armados”

Kumi Naidoo, secretário-geral da Amnistia Internacional

Outro incidente, registado por monitores internacionais a 13 de outubro, revela um ataque aéreo turco contra uma coluna de veículos civis, onde seguiam vários jornalistas, que viajavam entre Qamishli e Ras al-Ain. De acordo com o movimento Crescente Vermelho Curdo, seis civis, incluindo um jornalista, foram mortos e 59 pessoas ficaram feridas.

Quem assistiu fala em “massacre absoluto”. A coluna era composta por 400 veículos civis e não há notícias de que combatentes estavam presentes. Apenas um punhado de guardas armados que protegiam o comboio, explica um repórter ouvido.

“Todas as partes no conflito devem respeitar o direito internacional humanitário, o que exige que sejam tomadas todas as precauções possíveis para evitar ou, pelo menos, minimizar os danos civis”, lembra Kumi Naidoo.

Os Estados Unidos da América (EUA) são o maior exportador de armas para a Turquia. Outros fornecedores incluem Itália, Alemanha, Brasil e Índia.

A Amnistia Internacional pede a todos os Estados que suspendam, de forma imediata, as transferências de armas para a Turquia e outras partes envolvidas no conflito na Síria, incluindo as forças curdas, contra as quais existem alegações credíveis de violações graves do direito internacional.

O depois da saída norte-americana

Trabalhadores humanitários disseram à Amnistia Internacional que a crise no nordeste da Síria resulta de três situações de risco: a retirada dos EUA, a ofensiva militar da Turquia e a entrada em cena do governo sírio.

Desconhece-se se os 100 mil deslocados têm acesso a comida, água potável e cuidados de saúde. Em campos como o de al-Hol, a população depende inteiramente da ajuda humanitária. Um grupo de 14 organizações internacionais alertou, no passado dia 10 de outubro, que a ofensiva poderia levar à suspensão do apoio.

Muitos deslocados estão a dormir ao ar livre, em jardins e ruas, enquanto outros procuram abrigo em escolas. Mas a situação pode piorar, já que o Comité Internacional da Cruz Vermelha prevê que 300 mil pessoas possam ser afetadas pelo conflito e obrigadas a abandonar as casas onde vivem.

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