Defensores de direitos humanos que trabalham para uma sociedade mais justa na Hungria encontram-se em perigo.

 

(Conteúdos atualizados no dia 22 de junho de 2018, às 12h50.)

No dia 20 de junho, a Hungria aprovou um conjunto de leis punitivas, que incluem a criminalização de qualquer trabalho relativo ao apoio à migração prestado por ativistas e ONGs.

“É uma ironia amarga que o parlamento húngaro tenha votado para introduzir uma lei que tem como alvo organizações e indivíduos que apoiam requerentes de asilo, refugiados e migrantes, no dia mundial do refugiado. Criminalizar este essencial e legítimo trabalho de direitos humanos é um ataque descarado a todas pessoas que procuram um refúgio seguro e a todos os que trabalham admiravelmente para os ajudar. É um novo ponto baixo neste processo de repressão da sociedade civil, e é algo para o qual iremos resistir em cada passo.”

Gauri Van Gulik, diretora da Amnistia Internacional na Europa

 

Um pouco à semelhança do que se verifica em todo o mundo, existem países na Europa que têm contribuído largamente para a atual era de demonização e estigmatização aos defensores de direitos humanos. A Hungria é hoje um desses países onde todas as pessoas que ousam erguer a sua voz contra as violações de direitos humanos são consideradas um alvo.

Com recurso a uma legislação altamente repressiva, o governo húngaro asfixia as organizações que criticam a sua atuação, impossibilitando o seu trabalho em assistir quem se encontra em posições mais vulneráveis.

O pacote legislativo em causa faz parte de uma esmagadora tática de repressão aos direitos humanos e às organizações da sociedade civil na Hungria, num ataque que se verifica há já vários anos. O objetivo do governo é simples: silenciar todas as ONGs independentes e críticas, nas quais se incluem a Amnistia Internacional na Hungria, a União de Liberdades Civis Húngaras, o Comité de Helsínquia Húngaro, a Transparência Internacional, entre outras.

 

A proposta legislativa

A 13 de fevereiro de 2018, o governo húngaro apresentou um pacote legislativo composto por três leis conhecidas como “Stop Soros”, em referência ao investidor e filantropo de nacionalidade húngara e norte-americana George Soros. As propostas visam “a proteção da segurança nacional” e as fronteiras, mas, na prática, não farão nenhuma dessas coisas. A 20 de junho essa lei foi aprovada.

É agora exigido às associações que trabalham na área das migrações a carecerem de um aval de segurança nacional (que pode demorar até nove meses a obter) e de uma autorização do Ministério do Interior para poderem funcionar. É considerado como apoio às migrações o trabalho feito em campanhas, “influência judicial”, preparação de materiais de informação e organização e recrutamento de voluntários com o objetivo de obter financiamento e apoio na entrada e permanência de pessoas que procuram asilo.

Este pacote legislativo exige também que as organizações paguem uma taxa de 25% do valor de financiamento estrangeiro recebido e que seja aplicado para apoio a migrantes. O incumprimento desta obrigação implica um conjunto de consequências que variam entre multas avultadas (5 800€ por cada infração), declaração de falência judicial e dissolvência da ONG em causa.

A mensagem é simples: as migrações são más e quem trabalhe na área será castigado. Uma mensagem que claramente viola os padrões de direitos humanos a que a Hungria está vinculada.

“Iremos resistir a esta lei discriminatória e prejudicial a todos níveis, desde as ruas aos tribunais, na Hungria e em todo o lado.”

Gauri van Gulik, diretora do escritório regional da Europa e da Ásia Central

 

 

Esta lei avançou após a entrada em vigor da Lei sobre a Transparência das Organizações Financiadas a partir do Estrangeiro, em junho de 2017. Uma lei a que a Amnistia Internacional e outras ONGs se recusam a cumprir, uma vez que exige o registo oficial destas junto das autoridades e o reconhecimento das multas e sanções penais para quem se recuse a submeter-se ao controlo do governo húngaro.

O contexto anti-imigração

Em 2016, o governo húngaro aprovou uma emenda constitucional que dá ao primeiro-ministro poder incondicional para declarar “situação de ameaça terrorista” ao que assim considerar. Nesse mesmo ano, o governo húngaro declarou que as migrações em massa seriam motivo para declarar o referido estado de emergência. Uma situação que se concretizou a 16 de fevereiro de 2018, tendo o estado de emergência sido prolongado por mais seis meses.

Image of Ahmed H

Ahmed H., uma das vítimas do estado de emergência

Em Agosto de 2015, Ahmed H. saiu de sua casa no Chipre para ir ajudar os pais e outros seis familiares a fugirem da Síria e a encontrarem refúgio na Europa. Um mês depois, estavam entre as centenas de refugiados encurralados na fronteira da Hungria com a Sérvia.

À medida que alguns refugiados tentavam passar, a polícia respondeu com gás pimenta e canhões de água, ferindo dezenas. Algumas pessoas atiraram pedras, incluindo Ahmed. Mas provas fotográficas e de vídeo mostram claramente Ahmed a usar um megafone para tentar acalmar ambos os lados.

Por esta ação, e ao abrigo das vagas leis de contraterrorismo na Hungria, um tribunal húngaro considerou-o culpado de um “ato de terror”. Foi condenado a 10 anos de prisão em novembro de 2016.

Não há espaço para equívocos com esta mensagem: refugiados e migrantes não são bem-vindos à Hungria e não merecem ser tratados nem com dignidade e respeito.

 

A redução do espaço de atuação da sociedade civil na Hungria e a nova proposta legislativa neste contexto de campanha de anti-imigração representam uma clara tentativa de demonizar e hostilizar opiniões contra requerentes de asilo e refugiados. As eleições de 2018 consolidaram precisamente essa narrativa de “nós contra eles” veiculada por Viktor Orbán e o seu partido, Fidesz, para quem fechar as fronteiras não é suficiente.

 

Apesar de o clima ser hostil, permanecemos firmes na nossa intenção. Iremos resistir ao recuo do respeito pelos direitos humanos na Hungria por e com todas as pessoas e grupos que lutam pelos direitos e liberdades de todos. Iremos continuar a lutar contra as tentativas de hostilização de refugiados e migrantes e continuaremos a lutar por todos os que os apoiam e defendem. Não seremos atemorizados por aqueles que tentam amordaçar as vozes críticas da Hungria e que criam uma atmosfera de medo.

Gauri van Gulik, diretora do escritório regional da Europa e da Ásia Central

Este é o momento para o qual nos preparámos:
a sociedade civil na Hungria precisa do nosso apoio

Enquanto defensores de direitos humanos queremos que todas as pessoas, em todo o lado, possam falar livremente sem receios de serem atacados, ameaçados ou presos.

Mais de 250 organizações e plataformas em todo o mundo já manifestaram o seu apoio. Numa carta, assinada por todas elas, expressaram as suas preocupações e encorajaram a sociedade civil húngara e todos os defensores de direitos humanos a não desistir. Afinal, não estão sozinhos.

Não podemos permitir que que o governo húngaro silencie as vozes críticas. Todas as ONGs na Hungria precisam do nosso apoio e solidariedade, e o tempo urge. Destacamos a mensagem de Júlia Iván, diretora-executiva da Amnistia Internacional na Hungria, em resposta à publicação dos nomes de trabalhadores e membros de ONGs na Hungria num semanário favorável ao governo. Nessa lista figuram os nomes de vários colegas nossos, entre outras dezenas de defensores de direitos humanos.

A nossa mensagem, tal como a da Hungria, é clara: não seremos intimidados.

 

Gostaria de dizer que estou surpreendida e revoltada. Mas é mais correto dizer que estou triste e ligeiramente enojada.

Acordamos todas as manhãs a pensar sobre quais as mentiras desprezíveis que iremos ler nesse dia nos meios de comunicação favoráveis ao governo. A lista é a última tentativa para intimidar os trabalhadores, membros e apoiantes de ONGs. Mas temos más notícias para o governo: não temos medo, não vamos recuar. Continuaremos a trabalhar para os princípios e direitos humanos de o governo se esqueceu há muito tempo atrás. Estas organizações apoiam e representam dezenas de milhares de pessoas. Ao ataca-las, o governo negligencia as necessidades dessas pessoas. Se o governo atingir o seu objetivo e deixar a Hungria sem nenhuma ONG de direitos humanos, as pessoas mais vulneráveis serão abandonadas, sem qualquer assistência e apoio. Isto não é apenas sobre as ONGs que estão sob ataque, isto afeta a vida de toda a gente.

Em resposta, iremos erguer a nossa voz e ser bastante claros: não seremos intimidados.

Julia Ivan, diretora executiva da Amnistia Internacional na Hungria

 

 

Gostaria de dizer que estou surpreendida e revoltada. Mas é mais correto dizer que estou triste e ligeiramente enojada.

Acordamos todas as manhãs a pensar sobre quais as mentiras desprezíveis que iremos ler nesse dia nos meios de comunicação favoráveis ao governo. A lista é a última tentativa para intimidar os trabalhadores, membros e apoiantes de ONGs. Mas temos más notícias para o governo: não temos medo, não vamos recuar. Continuaremos a trabalhar para os princípios e direitos humanos de o governo se esqueceu há muito tempo atrás. Estas organizações apoiam e representam dezenas de milhares de pessoas. Ao ataca-las, o governo negligencia as necessidades dessas pessoas. Se o governo atingir o seu objetivo e deixar a Hungria sem nenhuma ONG de direitos humanos, as pessoas mais vulneráveis serão abandonadas, sem qualquer assistência e apoio. Isto não é apenas sobre as ONGs que estão sob ataque, isto afeta a vida de toda a gente.

Em resposta, iremos erguer a nossa voz e ser bastante claros: não seremos intimidados.

Julia Ivan, diretora executiva da Amnistia Internacional na Hungria