20 Fevereiro 2019

As forças de segurança venezuelanas, sob o comando de Nicolás Maduro, executaram e usaram força excessiva contra pessoas, e detiveram arbitrariamente centenas de outras, incluindo adolescentes, numa escalada da sua política de repressão como meio para controlar as pessoas da Venezuela e, particularmente, para punir os residentes de bairros empobrecidos que decidiram protestar entre 21 e 25 de Janeiro de 2019, disse hoje a Amnistia Internacional.

“As autoridades sob o controlo de Nicolás Maduro estão a tentar usar o medo e a punição para impor uma estratégia repulsiva de controlo social contra aqueles que exigem mudança. O seu governo está a atacar as pessoas mais empobrecidas, que alega defender. Mas, ao invés, assassina-as, detém-nas e ameaça-as”

Erika Guevara-Rosas

“As autoridades sob o controlo de Nicolás Maduro estão a tentar usar o medo e a punição para impor uma estratégia repulsiva de controlo social contra aqueles que exigem mudança. O seu governo está a atacar as pessoas mais empobrecidas, que alega defender. Mas, ao invés, assassina-as, detém-nas e ameaça-as”, disse Erika Guevara-Rosas, Diretora da Amnistia Internacional para as Américas.

Há anos que a Venezuela sofre uma grave crise de violações massivas dos direitos humanos, com faltas de alimentos e medicamentos, hiperinflação, violência e repressão política a forçarem mais de três milhões de pessoas a fugirem do país desde 2015.

© Laura Rangel

Face a esta sombria realidade, milhares saíram às ruas para exigir uma mudança no governo. Entre 21 e 25 de Janeiro, registaram-se numerosas manifestações, muitas das quais em zonas desfavorecidas, onde anteriormente os protestos exigindo esta mudança não tinham sido tão visíveis. Existe uma forte presença de grupos armados pro-Nicolás Maduro (conhecidos como “colectivos”) nestas áreas, nas quais os residentes dependem amplamente dos programas estatais – atualmente limitados – de distribuição de bens alimentares de primeira necessidade.

Em apenas cinco dias, pelo menos 41 pessoas morreram durante estes protestos, todas de ferimentos de balas. Mais de 900 foram arbitrariamente detidas e, só a 23 de Janeiro (o dia em que se realizaram manifestações em várias zonas do país), foram reportadas 770 detenções arbitrárias.

Entre 31 de Janeiro e 17 de Fevereiro, durante uma missão de investigação nos estados de Lara, Yaracuy, Vargas e diferentes localizações em Caracas, a Amnistia Internacional reuniu mais de 50 testemunhos e documentou 15 casos emblemáticos, incluindo alguns de graves violações dos direitos humanos e crimes à luz da lei internacional. As descobertas desta investigação serão inteiramente desenvolvidas num relatório público.

As provas reunidas nestas distintas localizações apresentam padrões típicos. Indicam que as autoridades estatais levaram a cabo execuções extrajudiciais seletivas como método de controlo social, usando a Polícia Nacional Bolivariana (PNB), principalmente através da sua Força de Ações Especiais (FAES), contra pessoas que participaram de alguma forma nos protestos. As zonas mais pobres de Caracas e outras partes do país foram particularmente afetadas e estigmatizadas, registando os números mais elevados de vítimas, que posteriormente foram apresentadas como “criminosos” mortos em confrontos com as autoridades.

© Roman Camacho/SOPA Images/Getty Images/Amnistia Internacional

Execuções extrajudiciais

A Amnistia Internacional documentou seis execuções extrajudiciais às mãos da FAES em vários pontos do país, todas com um modus operandi similar. Em cada caso, as vitimas estavam de alguma forma ligadas aos protestos que tinham tido lugar em dias anteriores, e as críticas que várias delas tinham feito a Nicolás Maduro tinham-se tornado virais nas redes sociais.

As seis vítimas eram todas homens jovens, que as autoridades descreveram publicamente como tendo sido mortos em confrontos com a FAES. Esta força de segurança pública adulterou a cena do crime e retratou as vítimas como delinquentes, dizendo que várias delas tinham um registo criminal, numa tentativa de justificar as suas mortes.

“Como vimos muitas vezes na Venezuela, as autoridades querem que acreditemos que aqueles que morreram durante os protestos – principalmente jovens de zonas de baixos rendimentos – eram criminosos. O seu único crime foi atreverem-se a pedir mudança e a exigir uma vida com dignidade.”

Erika Guevara-Rosas

“Como vimos muitas vezes na Venezuela, as autoridades querem que acreditemos que aqueles que morreram durante os protestos – principalmente jovens de zonas de baixos rendimentos – eram criminosos. O seu único crime foi atreverem-se a pedir mudança e a exigir uma vida com dignidade”, disse Erika Guevara-Rosas.

Luis Enrique Ramos Suárez tinha 29 anos de idade quando agentes da FAES o executaram a 24 de Janeiro, na cidade de Carora. No dia anterior, tinha-se tornado viral uma mensagem de voz anunciando protestos contra Nicolás Maduro e o gabinete do autarca de Carora. Nesta mensagem, Luis Enrique era mencionado pela sua alcunha como sendo um dos organizadores.

A 24 de Janeiro, mais de 20 membros da FAES, pesadamente armados e, na sua maioria, de cara tapada, invadiram ilegalmente o lar de Ramos Suárez e maltrataram os 10 membros da família que se encontravam presentes, incluindo seis crianças. Após identificarem Luis Enrique pela sua alcunha, eles fizeram-no ajoelhar-se no meio da sala enquanto um agente tirava fotografias e outros lhe batiam.

Eles encerraram os restantes membros da família em diferentes divisões da casa, ameaçaram-nos e bateram-lhes em várias partes do corpo. Depois, removeram-nos da casa à força e transferiram-nos, numa escolta da PNB, para uma localização a dois quilómetros da casa. Minutos depois, atingiram Luis Enrique duas vezes no peito. Ele morreu de imediato.

Segundo os testemunhos obtidos, depois de executarem Luis Enrique, agentes da FAES dispararam para o interior da casa, simulando um tiroteio. Além de fabricarem provas, adulteraram a cena do crime, arrastando o cadáver até um veículo, no qual foi finalmente transferido para a morgue, violando assim os protocolos mínimos para investigação criminal.

 

Uso excessivo da força

A Amnistia Internacional também documentou os casos de dois homens jovens mortos – e um terceiro ferido – por armas de fogo às mãos de forças de segurança estatais enquanto participavam em protestos.Tanto a PNB como a Guarda Nacional Bolivariana (GNB) participaram em operações desta natureza.
Alixon Pizani, um padeiro com 19 anos de idade, morreu a 22 de Janeiro de um ferimento de bala no tórax quando protestava com um grupo de amigos em Catia, a Oeste de Caracas. Segundo testemunhas, um agente envergando um uniforme da PNB e montado num motociclo disparou um revólver indiscriminadamente sobre a multidão, ferindo gravemente duas pessoas.

Sem receber qualquer ajuda das autoridades, Alixon foi transferido para um centro de saúde, onde faleceu. A família de Alixon diz que, à entrada do hospital, agentes da FAES começaram a disparar contra os seus amigos e parentes, que imediatamente se refugiaram no interior. Até à data, não há qualquer indicação de que o gabinete do Ministério Público tenha iniciado uma investigação.

Detenções arbitrárias

De acordo com o Foro Penal da Venezuela, as autoridades detiveram 137 crianças e adolescentes em todo o país entre 21 e 31 de Janeiro. Destes casos, a Amnistia Internacional documentou a detenção arbitrária de seis pessoas, incluindo quatro adolescentes que participaram num protesto – ou que simplesmente o observavam de perto – na cidade de San Felipe, a 23 de Janeiro.

Numa entrevista com a Amnistia Internacional, eles disseram que, ao serem detidos, as autoridades lhes bateram, lhes chamaram “guarimberos” (manifestantes que recorrem à violência) e “terroristas”, os expuseram a substâncias irritantes, privando-os de sono e ameaçando matá-los. Segundo o seu testemunho, os agentes que os detiveram pertenciam a diferentes corpos de segurança estatais e estavam acompanhados por pessoas em trajes civis.

“Deter arbitrariamente mais de uma centena de adolescentes submetê-los a tratamento cruel (…) demonstra quão longe as autoridades estão dispostas a ir nas suas tentativas desesperadas de parar os protestos e subjugar a população.”

Erika Guevara-Rosas

“Deter arbitrariamente mais de uma centena de adolescentes submetê-los a tratamento cruel,que por vezes pode ter constituído tortura, demonstra quão longe as autoridades estão dispostas a ir nas suas tentativas desesperadas de parar os protestos e subjugar a população”, declarou Erika Guevara-Rosas.

Os quatro adolescentes foram acusados de crimes pelos quais – segundo a lei nacional – não deveriam ter sido mantidos sob detenção. Ainda assim, eles estiveram presos durante oito dias por ordem judicial. Passaram quatro desses dias no Centro de Reabilitação para Menores, uma instituição militar onde as suas cabeças foram rapadas e foram forçados a cantar frases como “Nós somos filhos de Chávez”.

 

© Roman Camacho

 

A 29 de Janeiro, uma das juízas encarregues de três destes casos declarou publicamente que lhe foi ordenado que mantivesse os adolescentes sob custódia, apesar de não existir justificação legal. Depois de ter feito esta queixa, ela foi removida do seu cargo e deixou o país. Os quatro adolescentes aguardam o seu julgamento e permanecem sujeitos a restrições à sua liberdade.

Os jovens exprimiram quão frustrante era viverem, com a sua idade, numa crise económica, social e política, na qual estudar, comer ou encontrar roupa é um desafio diário. Alguns expressaram o seu desejo de deixar a Venezuela em busca de um futuro melhor.

Recomendações preliminares

As autoridades venezuelanas devem por um fim às políticas de repressão que desenvolveram nos últimos anos, e cumprir as suas obrigações de garantir justiça, verdade e reparação para as vítimas de violações dos direitos humanos ou de crimes à luz da lei internacional.

“O sistema judicial venezuelano parece ter uma política de abandonar as vitimas de violações dos direitos humanos. As poucas pessoas suficientemente corajosas para apresentarem denúncias são deixadas indefesas e em perigo, devido à falta de uma resposta por parte das autoridades”, afirmou Erika Guevara-Rosas.

Devido aos sérios obstáculos que obstruem o caminho da justiça na Venezuela, a Amnistia Internacional apela ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para agir no sentido de abordar a total impunidade que prevalece na Venezuela, através da criação de um corpo investigativo independente para monitorizar e relatar sobre a situação dos direitos humanos no país.

“O sistema judicial venezuelano parece ter uma política de abandonar as vitimas de violações dos direitos humanos. As poucas pessoas suficientemente corajosas para apresentarem denúncias são deixadas indefesas e em perigo, devido à falta de uma resposta por parte das autoridades.”

Erika Guevara-Rosas

Adicionalmente, o gabinete do Procurador do Tribunal Penal Internacional deve considerar estes factos e, se os considerar bem fundamentados, incorporá-los como parte da análise preliminar já em curso na Venezuela.

Finalmente, os países genuinamente preocupados com a situação dos direitos humanos na Venezuela devem explorar a aplicação da jurisdição universal, que serve como uma via alternativa de acesso a justiça para vítimas que não lhe conseguem aceder localmente.

“A justiça internacional é a única esperança para as vítimas de violações dos direitos humanos na Venezuela. É tempo de ativar todos os mecanismos disponíveis para prevenir mais atrocidades”, disse Erika Guevara-Rosas.

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