5 Junho 2014

Todos quantos se manifestarem nas ruas no Brasil durante o próximo Mundial de Futebol arriscam-se a enfrentar uma violência indiscriminada por parte da polícia e forças militares, à medida que as autoridades no país reforçam as medidas de controlo dos protestos públicos, alerta a Amnistia Internacional, a uma semana do arranque do torneio.

“O imperfeito currículo de respeito pelos direitos humanos da polícia brasileira, a política de pôr nas mãos dos militares o controlo dos protestos, a falta de formação e a generalizada atmosfera de impunidade cria uma mistura muito perigosa em que os únicos perdedores são os manifestantes pacíficos”, sustenta o diretor da Amnistia Internacional Brasil, Atila Roque.

Neste contexto, “o Mundial de Futebol de 2014 será um teste crucial às autoridades do Brasil”, frisa. “Têm de usar esta oportunidade para melhorar e garantir que as forças de segurança incumbidas do policiamento das manifestações que vão ocorrer durante o torneio se coíbem de cometer mais violações de direitos humanos”, defende.

A nova investigação da Amnistia Internacional, divulgada esta quinta-feira, 5 de junho e intitulado “’They use a strategy of fear’: Protecting the right to protest in Brazil” (“’Eles usam uma estratégia de medo’: proteger o direito a manifestação no Brasil”), analisa uma série de abusos atribuídos às forças policiais ao longo do último ano. Aqui é investigado o recurso a gás lacrimogéneo e balas de borracha para dispersar manifestantes pacíficos, detenções arbitrárias e o recurso abusivo de leis com o propósito de impedir os protestos e punir aqueles que neles participam. É estimado que estas táticas continuem a ser usadas durante o Mundial.

Esta quinta-feira mesmo, ativistas da Amnistia Internacional entregam às autoridades federais em Brasília as dezenas de milhares de “cartões amarelos” já assinados por pessoas em todo o mundo, avisando que estão atentas e instando a que seja zelosamente respeitado o direito de manifestação pacífica no país. A petição desta campanha – intitulada Mostre-lhes o cartão amarelo! – vai permanecer aberta para assinar até ao próximo mês de julho.

“O mundo está a enviar uma mensagem clara às autoridades brasileiras: protestar não é um crime, é antes um direito humano. E, em vez de usarem a violência para esmagar os protestos, o Governo e as forças de segurança têm a responsabilidade de garantir que as pessoas podem falar livremente, em segurança e sem medo de serem detidas ou agredidas”, salienta Atila Roque.

Manifestações maciças há mais de um ano

Desde junho do ano passado, o Brasil tem sido palco de manifestações maciças sem precedentes, com milhares de pessoas a protestar contra os aumentos dos preços nos transportes públicos, a elevada despesa pública feita com a organização do Mundial de Futebol e o insuficiente investimento do Estado nos serviços públicos.

Centenas de manifestantes foram feridos em protestos em várias cidade do país, em resultado de a polícia militar ter disparado balas de borracha contra as pessoas, que, aliás, não constituíam nenhuma ameaça às forças de segurança. A Amnistia Internacional documentou também casos em que manifestantes foram espancados brutalmente pela polícia com bastões.

O fotógrafo Sérgio Silva, de 32 anos, foi gravemente ferido e ficou incapacitado de um dos olhos por ter sido atingido com uma bala de borracha, a 13 de junho de 2013, enquanto acompanhava uma manifestação feita em protesto ao aumento do preço dos bilhetes dos autocarros em São Paulo. Casado e com dois filhos, Sérgio Silva vê-se agora em dificuldades para conseguir trabalho. Nunca recebeu nenhuma explicação oficial, nem um pedido de desculpas, nem indemnização pelos danos sofridos por parte das autoridades.

As unidades da polícia militar têm também lançado mão de gás lacrimogéneo contra os manifestantes: num dos casos tendo mesmo usado esta medida dentro de um hospital no Rio de Janeiro.

Leis para restringir ainda mais os protestos

Centenas de pessoas têm sido interpeladas indiscriminadamente e detidas, algumas ao abrigo de legislação de combate ao crime organizado, sem nenhumas provas ou indícios que sustentem estarem envolvidos em qualquer atividade criminosa.

Foi o que aconteceu a Humberto Caporalli, de 24 anos, o qual foi detido e acusado ao abrigo da Lei de Segurança Nacional depois de ter participado numa manifestação em prol da educação, em São Paulo, a 7 de outubro de 2013. Na esquadra de polícia foi pressionado pelos agentes a fornecer-lhes a password da sua conta de Facebook, tendo aqueles o propósito de observar o que Humberto tinha vindo a postar naquela rede social. Este cidadão brasileiro esteve detido durante dois dias até um juiz ter decidido libertá-lo sob caução.

A par destas táticas, os deputados brasileiros estão atualmente a debater uma série de propostas legislativas que visam restringir ainda mais o direito a manifestação pacífica no país. Uma proposta-de-lei em matéria de antiterrorismo, que se encontra em análise no Congresso, irá alargar a definição de ato terrorista de maneira a incluir, por exemplo, danos causados à propriedade e serviços essenciais do Estado. A Amnistia Internacional receia que, se esta peça legislativa for aprovada, a mesma seja manietada de forma abusiva para criminalizar manifestantes pacíficos.

“Com as atenções do mundo todas no Brasil, as autoridades têm de comprometer-se publicamente a não recorrerem ao uso excessivo da força contra os manifestantes e garantir que todos os abusos serão investigados. Menos do que isso será o mesmo que dar carta-branca Às forças de segurança para cometerem mais violações de direitos humanos”, remata Atila Roque.

 

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