Diários de Angola
DIZER A VERDADE AO PODER

21/10/2019

Não faz mais que dois anos que a Amnistia Internacional não seria em momento algum recebida por um alto representante do governo angolano.

Os direitos humanos são ainda hoje um assunto tabu, que não convém discutir e falar abertamente. Causa incómodos. O país está a seguir o seu caminho, dizem outros. Outros ainda, dizem – nada muda.

Isto mudou.

Fomos recebidos hoje por sua Exca. a Senhora Secretária de Estado dos Direitos Humanos e Cidadania, Ana Celeste Januário.

O caminho para a cidade alta onde ficam os ministérios, vai mostrando os contrastes que persistem em Angola. Os ricos, os pobres. Assim se configura uma das cidades mais caras do mundo.

A manhã começou cedo, com reuniões com representantes de associações locais, com destaque para uma associação feminista LBTI e ficámos a conhecer o seu importante trabalho de acolhimento de pessoas excluídas pelo preconceito social e com dificuldades no acesso à saúde. As reuniões duraram até depois do almoço, hora em que tivemos de sair para o ministério da justiça. O almoço ficaria para mais tarde.

Chegados a uma das entradas da cidade alta, fomos barrados por um polícia, pois íamos numa Hiace, em regime de serviço ocasional e sem estar a fazer o normal serviço de táxi. Explicámos ao que íamos – uma audiência – e pudemos seguir pouco depois, mas não sem antes seguir indicações para entrarmos por outro acesso, pois por aquela estrada – ainda que aberta – não seria possível.

A reunião foi cordata. O governo angolano receber uma organização da sociedade civil, seja ela angolana ou internacional, é novidade que não terá muitos anos.

Dizer a verdade ao poder, nunca é fácil, haja ou não abertura, há sempre lugar a evasivas, a desresponsabilização, a desculpas. Percebemos uma secretária de estado atenta, também defensiva, mas acolhedora à crítica e à denúncia sobre o que se passa no país. O relatório que fomos entregar, acompanhando os colegas do escritório regional do sul de África da Amnistia Internacional, fala de problemas graves de acesso às terras comunitárias por parte dos pastores transumantes do Vale dos Gambos, em Lubango. A falta de acesso a fontes de água, para o gado que criam e lhes dá tudo o que necessitam é também grave. A titularidade da terra não é um tema fácil, quando por muitos anos o direito foi o costumeiro. Hoje outros interesses se levantam e o governo tem de garantir que os direitos humanos são respeitados. Não pode permitir por omissão o abuso de direitos humanos e é da sua responsabilidade a implementação da lei, em plenitude.

Mais tarde, conversámos com alguns jornalistas e fomos jantar a uma missão católica em Luanda, missão que tem uma escola profissional e gere três centros de acolhimento de crianças da rua, de crianças sem abrigo. Num projeto em parceria com a UNICEF, os missionários vão resgatando as crianças da rua e providenciando abrigo, alimento e educação e mais tarde vida ativa e integrada na sociedade.

Agora são já horas de descanso. Amanhã é o dia do lançamento público do relatório “O fim do paraíso do gado” onde falamos de um problema grave de sustentabilidade comunitária devido à usurpação de terras, no sul de Angola.

O relatório fala do Vale dos Gambos, no Lubango, mas há outros municípios e pelo menos cinco distritos de Angola onde há carências alimentares graves, exacerbadas ainda pela seca.

Podemos colocar um fim a isso. Todas as pessoas poderão ter alimento, se puderem ter acesso à terra e continuarem a vida que sempre tiveram ali: a de pastores e criadores de gado.

Pedro