Diários de Angola
“O FIM DO PARAÍSO DO GADO”

31/10/2019

Ao longo dos dias houve dois momentos que se foram repetindo e que nos marcaram.

A distribuição de bens alimentares de emergência e a entrega do relatório e de outros materiais, vídeos sobre o mesmo, livrinhos com explicação sucinta da situação e imagens das próprias comunidades.

Foi com alguma emoção que fui vendo as pessoas perceberem bem e verem o resultado do trabalho de investigação que a Amnistia Internacional fez naquela região. Foi bom ver em primeira mão os meus colegas, o David e a Camile, prestarem contas às comunidades de todo o trabalho que fizeram por lá com eles. O mundo já sabe o que se passa aqui e não deixaremos que se esqueça até a vossa situação estar resolvida.

“Estamos só a começar” – diziam várias vezes.

Através do projeto da Amnistia Internacional “relief fund”, fomos também apoiando as comunidades na situação de emergência que vivem no presente. Esta não é a solução definitiva, mas um necessário apoio de emergência, que não pode nunca substituir a mudança que queremos atingir, essa sim a solução definitiva: a devolução das terras.

Aqui é fácil perceber o quão incompleto é o provérbio que diz para darmos a cana de pesca e ensinarmos a pescar em vez de dar o peixe.
Utilizando esta linguagem, numa situação urgente, é mesmo preciso dar o peixe. A assistência de emergência tem de ser feita. Ninguém sem forças vai conseguir pescar ou aprender a pescar.

O problema é se nos ficamos pelo assistencialismo e nada mais é feito.

Depois das forças recuperadas, então sim, vamos ao processo da cana de pesca. Mas não temos de a dar, muito menos de ensinar. Quem somos nós para isso? E quem diz que o tipo de cana de pesca que serve para a minha terra serve também ali? – é necessário, por isso, que nos sentemos e dialoguemos, de igual para igual, ver que soluções, que “canas de pesca” funcionam naquela realidade e construir essas soluções em conjunto.
Finalmente é preciso um terceiro trabalho, que cabe aos governos e autoridades políticas: cuidar do rio… para que nunca falte o “peixe”, isto é, garantir o modo de vida sustentável para as pessoas e comunidades.
O que fazemos e defendemos é isto tudo e não poderemos descansar enquanto esta última não acontecer: as terras têm de ser devolvidas a quem sempre viveu nelas desde tempos imemoriais.

Pedro