7 Fevereiro 2019

Uma investigação “open source” (de acesso aberto) publicada hoje pela Amnistia Internacional destaca um perigo crescente no conflito no Iémen, com os Emirados Árabes Unidos (EAU) a irresponsavelmente armarem milícias com uma gama de armamento sofisticado.

A investigação, “Quando as armas se extraviam: a nova e letal ameaça de desvio de armas para milícias no Iémen” (“When arms go astray: Yemen’s deadly new threat of arms diversion to militias”), mostra como os EAU se tornaram numa importante conduta de veículos blindados, sistemas de morteiros, espingardas, revólveres e metralhadoras – que estão a ser ilicitamente desviados para milícias acusadas de crimes de guerra e outras violações graves, mas irresponsabilizáveis.

© Mohammed Hamoud/Getty Images

“Enquanto os EUA, o Reino Unido, a França e outros estados europeus foram justamente criticados por fornecerem armas às forças da Coligação, e o Irão foi implicado no envio de armas aos Houthi, uma nova ameaça letal está a emergir. O Iémen está a transformar-se rapidamente num abrigo seguro para as milícias apoiadas pelos EAU, que são em ampla medida irresponsabilizáveis,” disse Patrick Wilcken, investigador da Amnistia Internacional sobre Controlo de Armas e Direitos Humanos.

“As forças dos Emirados recebem de estados ocidentais – e outros – armamento no valor de biliões de dólares, apenas para o desviarem para o Iémen, para milícias que não respondem perante ninguém e que são conhecidas por cometerem crimes de guerra.”

Patrick Wilcken

“A proliferação destas forças combatentes é desastroso para os civis iemenitas, que já foram mortos aos milhares, enquanto milhões se encontram à beira da fome como resultado direto da guerra.”

Os grupos armados que beneficiam destes duvidosos negócios de armamento – incluindo “Os Gigantes” (“The Giants”), o Cinto de Segurança (Security Belt) e as Forças de Elite (Elite Forces) – são treinados e financiados pelos EAU, mas não são responsabilizáveis por qualquer governo. Alguns deles encontram-se acusados de crimes de guerra, incluindo os cometidos durante a recente ofensiva sobre a cidade portuária de Hodeida, bem como na rede de prisões secretas apoiada pelos EAU no sul do Iémen.

© REUTERS/Khaled Abdullah

Estados fornecem armas aos EAU

De acordo com dados publicados e disponíveis para consulta, desde o início do conflito no Iémen, em Março de 2015, diversos estados ocidentais forneceram aos EAU armamento no valor de pelo menos 3.5 biliões de dólares norte-americanos (3 mil milhões de Euros), no qual estão armas convencionais pesadas – incluindo aviões e navios – armas menores, armas ligeiras e respetivas peças e munições.

Apesar das graves violações atribuídas aos EAU e às milícias que estes apoiam, os Emirados receberam frequentemente armas dos seguintes países: Austrália, Bélgica, Brasil, Bulgária, República Checa, França, Alemanha, África do Sul, Coreia do Sul, Turquia, Reino Unido e EUA, entre outros.

A Amnistia Internacional analisou provas de acesso aberto em torno da batalha por Hodeida e descobriu que veículos militares e armamento fornecidos pelos EAU são agora largamente usados por milícias no terreno.

Foi documentada – nas mãos das milícias Cinto de Segurança, Forças de Elite de Shabwani e “Os Gigantes”, apoiadas pelos EAU – uma ampla variedade de veículos blindados norte-americanos equipados com metralhadoras pesadas, incluindo modelos M-ATV, Caiman e MaxxPro.

Metralhadoras ligeiras belgas Minimi, também provavelmente vendidas aos EAU, estão a ser empregues pelo grupo “Os Gigantes”. Outras armas usadas pelas milícias apoiadas pelos EAU em Hodeida incluem metralhadoras Zastava MO2 Coyote, de fabrico sérvio, e o sistema de morteiro de 120mm Agrab, fabricado em Singapura e montado em camiões blindados – os EAU são o único país que se sabe ter comprado este sistema combinado de armamento.

Noutras partes do Iémen, os EAU têm treinado e financiado as milícias diretamente, incluindo os grupos Cinto de Segurança e Forças de Elite, que operam uma sombria rede de prisões secretas conhecidas como “black sites” (lugares negros ou escuros).

A Amnistia Internacional e outras organizações já tinham documentado o papel destas forças em desaparecimentos forçados e outras violações cometidas nestas instalações – incluindo detenção sob ameaça de armas, tortura com choques elétricos, simulação de afogamento, ser pendurado do teto, humilhação sexual, isolamento prolongado em solitária, condições miseráveis e alimentação e água inadequadas.

As milícias apoiadas pelos EAU que gerem estas prisões secretas empunham espingardas búlgaras e conduzem veículos blindados norte-americanos.

© Andrew Renneisen/Getty Images

Violando o Tratado sobre o Comércio de Armas

Muitos dos estados que continuam a fornecer armas aos EAU são signatários do Tratado global sobre o Comércio de Armas. Alguns têm outras obrigações legais, enquanto membros da UE ou à luz de leis nacionais, de não transferência de armas usadas para cometer crimes de guerra. Ao persistirem na transferência de armas para os EAU, apesar das provas avassaladoras de que estas estão a ser usadas em crimes de guerra e noutras violações graves no Iémen, estes estados estão a desrespeitar tais obrigações.

A Amnistia Internacional apela a todos os estados para pararem de fornecer armas a qualquer das partes em conflito no Iémen até que não exista um risco substancial de esse equipamento ser utilizado para cometer ou facilitar graves violações da lei humanitária e de direitos humanos internacional. A Dinamarca, a Finlândia, a Holanda e a Noruega anunciaram recentemente a suspensão de transferências de armas para os EAU.

“Enquanto se aproxima a próxima ronda de conversações de paz para o conflito no Iémen, os estados fornecedores de armamento têm de refletir profundamente sobre como as suas transferências de armas estão, direta e indiretamente, a continuar a alimentar crimes de guerra e outras violações graves. A proliferação de milícias apoiadas pelos EAU, irresponsabilizáveis, está a piorar a crise humanitária e a colocar uma ameaça crescente para a população civil”.

Patrick Wilcken

“Apenas uma mão-cheia de países fez o que é correto, parar o fornecimento de armas para o devastador conflito iemenita. Outros têm de seguir esse exemplo, ou partilharão a responsibilidade pelo devastador número de baixas que este armamento no valor de milhares de milhões de Euros está a causar entre os civis no Iémen.”

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