16 Abril 2015

A “devolução” forçada de mais de 350.000 refugiados somalis que vivem no gigantesco campo de Dadaab, no Quénia, constitui uma violação das obrigações assumidas por este país ao abrigo da legislação internacional e irá pôr milhares de vidas em risco, alerta a Amnistia Internacional.

O campo de Dadaab, o maior em dimensão em todo o mundo, localiza-se no Nordeste do Quénia, a não mais do que 100 quilómetros de distância da Universidade de Garissa, onde 147 pessoas – incluindo 142 estudantes – foram mortas, a 2 de abril passado, num ataque revindicado pelas milícias radicais islamitas Al-Shabaab. A decisão das autoridades quenianas em fecharem o Campo de Refugiados de Dadaab foi justificada com o argumento de que tal é uma medida de segurança, em resposta ao massacre de Garissa.

“O ataque a Garissa mostrou bem a necessidade premente do Governo queniano garantir de forma mais eficiente a segurança da sua população. Mas isto não pode ser feito pondo em risco as pessoas que o Quénia tem o dever de proteger”, avalia a diretora da Amnistia Internacional para a Região da África Oriental, do Corno de África e dos Grandes Lagos, Muthoni Wanyeki.

O vice-presidente do Quénia, William Ruto, anunciou a 11 de abril que o Governo do seu país informara o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR, UNHCR na sigla em inglês) sobre a necessidade de o campo de refugiados de Dadaab ser fechado dentro dos próximos três meses e a agência da ONU fazer regressar à Somália aqueles que ali residem. Caso contrário: “trataremos nós mesmos de os reinstalar [noutro local]”, foi ainda avançado.

O Campo de Refugiados de Dadaab abriu em 1991 e aloja cerca de 350.000 refugiados e requerentes de asilo, na maioria oriundos da Somália, mas também de outros países como a Etiópia, o Sudão, a República Democrática do Congo, o Sudão do Sul e o Burundi.

O Governo da Somália não tem controlo efetivo sobre muitas partes do Sul e da região central do país. A violência e insegurança persistem de forma generalizada nesses territórios e os habitantes têm sido alvos frequentes de ataques tanto indiscriminados como visando especificamente estas populações. Se os refugiados forem forçados a regressar para estas áreas da Somália pelas autoridades quenianas, ficam em risco sério de sofrerem abusos de direitos humanos, como a violação e assassinatos, além de extorsão. Apesar de não ser claro em todos os casos quem são os responsáveis destes ataques contra os civis, crê-se que todas as partes envolvidas no conflito os têm levado a cabo.

A lei internacional determina expressamente que os estados estão proibidos de fazerem “devoluções” de pessoas para locais onde estas fiquem em risco real de sofrerem violações de direitos humanos – tal é conhecido como o princípio de “non refoulement”. E o Quénia é um Estado-parte da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1951, assim como da Convenção da Organização de Unidade Africana que Rege os Aspetos Específicos dos Problemas dos Refugiados em África, de 1969. Os refugiados no Quénia estão protegidos também pela Lei sobre Refugiados do país, de 2006, segundo a qual não podem ser visados com “devoluções” forçadas a países em que a sua segurança não esteja garantida e onde possam ser alvos de perseguição.

O anúncio do vice-presidente queniano surge num contexto de intimidação constante dos refugiados oriundos da Somália e de outros países por parte dos serviços de segurança do Quénia. No ano passado, a comunidade somali foi bode expiatório e alvo de numerosas violações de direitos humanos na operação de segurança “Vigilância Usalama”, lançada em abril de 2014 na sequência de dois ataques que tinham ocorrido no mês anterior em Mombasa e Nairobi, e cujos perpetradores permanecem desconhecidos.

Milhares de pessoas foram então detidas, perseguidas e sujeitas a maus-tratos, foi-lhes extorquido dinheiro ou intimidadas e forçadas a entrarem nos campos de refugiados no país. Centenas de outras foram já nessa altura “devolvidas” à Somália. A Amnistia Internacional não tem informações de um único somali detido durante a operação “Vigilância Usalama” ao qual tenham sido deduzidas acusações relacionadas com terrorismo.

E esta não é a primeira vez que é ponderado forçar os refugiados somalis a regressarem ao país de origem. Em novembro de 2013, um acordo firmado entre os governos do Quénia e da Somália e o ACNUR definiu um enquadramento para o regresso voluntário de refugiados à Somália. A fase-piloto deste acordo arrancou em dezembro de 2014.

Para que o regresso de refugiados ao país de origem seja legal, estes têm de o fazer de forma genuinamente voluntária – sem pressões indevidas e com a segurança e dignidade dos refugiados totalmente garantidas. A Amnistia Internacional apurou que a continuada perseguição e maus-tratos de refugiados somalis por parte das forças de segurança quenianas levou muitas destas pessoas a decidirem voltar à Somália. Quando os civis sentem que não têm nenhuma outra opção senão a de regressar, isto não é uma escolha voluntária, antes configurar-se-á como uma “devolução” forçada.

A Amnistia Internacional insta o Governo queniano a cumprir as suas obrigações ao abrigo da lei internacional e da legislação do próprio país, e a garantir a proteção dos refugiados somalis e requerentes de asilo no campo de Dadaab, assim como em todas as outras partes do país, como o fez, de resto, generosamente ao longo de décadas.

 

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