Pôr fim ao uso de crianças soldado é apenas uma das fortes razões para os Estados adotarem um Tratado ao Comércio de Armas (TCA) mais restrito, diz a Amnistia Internacional quando se assinala o dia internacional contra o uso de crianças soldado.
No Mali, assim como em outros países, a fraca regulação do comércio de armas tem contribuido para o recrutamento e uso de rapazes e raparigas com menos de 18 anos de idade em conflitos – tanto por parte dos grupos armados como das forças de segurança governamentais.
A última discussão do TCA terá lugar no próximo mês na ONU. A Amnistia Internacional apela a todos os países que adotem um tratado forte com regras efetivas para a proteção dos direitos humanos.
”O TCA deve exigir aos governos a prevenção das transferências de armas que irão ser usadas para cometer violência contra crianças e deve incluir regras que detenham o fluxo de armas com destino às forças de segurança governamentais e grupos armados responsáveis por crimes de guerra ou graves violações de direitos humanos, mas o esboço atual das regulamentações não é suficientemente forte para fazer uma diferença significativa”, diz Brian Wood, representante da Amnistia Internacional para Controlo de Armas e Direitos Humanos.
A participação de crianças soldado nas hostilidades rouba-lhes a infância e expõem-os a inúmeros perigos, assim como a sofrimento psicológico e físico, tornando-se vítimas mortais dos conflitos, sofrendo mutilações, violações e outros tipos de violência sexual.
Uso atual de crianças soldado
De acordo com a coligação Internacional de ONG Crianças Soldado, da qual a Amnistia faz parte, desde janeiro de 2011 têm-se registado relatos de uso de crianças soldado em 19 países, entre eles no Mali, onde uma delegação da Amnistia Internacional recolheu relatos recentemente que apontam para o recrutamento e uso de crianças entre os 10 e os 17 anos de idade por parte dos grupos armados islâmicos.
Um rapaz de 16 anos relatou a história do seu recrutamento forçado:
”Eles treinaram-nos para disparar, apontando ao coração ou aos pés. Antes do combate tinhamos de comer arroz misturado com um pó branco e um molho com um pó vermelho. Também nos davam injeções. A mim deram-me três. Depois dessas injeções e de comer o arroz misturado com o pó sentia o meu corpo ligar-se como o motor de um veículo, podia fazer tudo pelos meus mestres. Percecionava os meus inimigos como se fossem cães e a única coisa que tinha na cabeça era abaté-los”.
O mesmo rapaz confirmou a morte de quatro crianças soldados no conflito entre os grupos armados islâmicos e a força conjunta composta por militares malis e franceses aquando da tentativa de reconquista do controlo da cidade de Diabaly entre 20 e 21 de janeiro.
Nos anos recentes a Amnistia Internacional tem documentado o uso ou alegações de uso de crianças soldado em vários outros países, incluindo na República Centro-Africana, Chade, Costa do Marfim, República Democrática do Congo, Sri Lanka, Somália, e Iémen.
Como o Tratado de Comércio de Armas pode ajudar
Cerca de 150 países, incluindo o Mali, já aceitaram proibir o uso de pessoas com menos de 18 anos de idade em conflitos armados – através do Protocolo Opcional à Convenção sobre os Direitos das crianças. É considerado crime de guerra o recrutamento ou uso de crianças com menos de 15 anos em conflitos activos.
Um TCA forte pode acabar com o fluxo de armas para os governos e grupos armados que violam os direitos humanos e consequentemente acabar com o recrutamento forçado de crianças soldado.
Na proposta de texto atual as regulamentações que dizem respeito aos direitos humanos internacionais e ao direitos internacional humanitário podem ser facilmente contornados – o ponto acerca da violência contra as crianças requere apenas que os Estados ”considerem a aplicação de medidas exequiveis” e as medidas para a prevenção do desvio de armas não cobre todo o tipo de armamento, por exemplo deixando de fora as munições.
A Amnistia Internacional está a pressionar os Estados para que estas lacunas no texto sejam resolvidas de modo a que o TCA possa prevenir o comércio de armas que contribui para a violência contra crianças, incluindo o recrutamento e uso de crianças soldado.