16 Abril 2008

 

Num relatório divulgado hoje, a Amnistia Internacional revela as histórias, até aqui desconhecidas, de mulheres que são forçadas a viver, a educar os filhos e a lutar pela justiça social nas favelas do Brasil. “A realidade é catastrófica para as mulheres que vivem em comunidades carenciadas. São as vítimas secretas da violência criminal e policial, que dominam estas comunidades há décadas”, afirmou Tim Cahill, investigador da Amnistia Internacional dos assuntos relacionados com o Brasil.

Nas favelas, a autoridade estatal está praticamente ausente e, muitas vezes, o único contacto que os moradores mantêm com o governo é através das ocasionais incursões policiais e militarizadas.

Apesar da promessa do governo brasileiro em lançar um projecto que iria acabar com as décadas de negligência dos habitantes das favelas, as autoridades governamentais pouco fizeram para analisar e atenuar as necessidades das mulheres que vivem nestas comunidades.

“Em vez de as proteger, a polícia submete, muitas vezes, as mulheres a revistas de forma ilegal por agentes do sexo masculino. As autoridades policiais utilizam também uma linguagem abusiva para com elas, intimidando-as, principalmente quando estas tentam intervir para proteger um familiar”, afirmou Tim Cahill.

As mulheres que lutam por justiça para com os seus filhos e companheiros, acabam por estar na linha da frente dos conflitos, enfrentando ameaças e abusos por parte da polícia.

Tim Cahill acrescentou que “na ausência do Estado, os chefes do tráfico de droga e os líderes de gangs são a lei na maior parte das comunidades carenciadas. Punem e protegem, e usam as mulheres como troféus ou instrumentos de troca”.

Usadas também como “mulas” de droga ou como chamariz pelos traficantes, as mulheres são consideradas descartáveis tanto pelos criminosos como pelos agentes policiais.

A Amnistia Internacional ouviu histórias de mulheres cujas cabeças foram rapadas depois de serem acusadas de infidelidade ou que foram forçadas a ceder favores sexuais para pagar dívidas. Além disso, um número crescente de mulheres vai para ao sistema prisional brasileiro, superlotado e com péssimas condições de higiene, onde são sujeitas a abusos físicos e psicológicos – em alguns casos são até mesmo vítimas de abuso sexual.

As consequências do crime e da violência afectam comunidades inteiras, prejudicando gravemente os serviços básicos, como os de saúde e de educação. Por exemplo, se os centros de saúde locais se situam em território inimigo, as mulheres são obrigadas a percorrer quilómetros para serem consultadas pelo médico. Creches e escolas podem ser encerradas durante longos períodos de tempo por causa das operações policiais ou da violência criminal. Além disso, os profissionais de saúde e educação têm, muitas vezes, medo de trabalhar em comunidades dominadas pelos traficantes de droga.

As mulheres que moram em favelas vivem em constante ansiedade. Uma delas contou à Amnistia: “Vivo sob o efeito de medicamentos, tomo comprimidos para doidos! Como o diazepan, para dormir. Pois se estou lúcida não consigo dormir com tanto medo. Sob o efeito dos comprimidos, agarro na minha filha, deito-me no chão, para me proteger dos tiroteios, e durmo a noite toda. Se por acaso a minha filha tiver perdido a chupeta fora de casa, vai chorar a noite toda, porque depois das oito horas da noite eu não saio mais de casa”.

“Os direitos destas mulheres estão a ser violados pelo Estado de três formas diferentes: apoiando práticas judiciais que conduzem a execuções extrajudiciais; perpetuando um sistema que dificulta e torna extremamente difícil o acesso à justiça, senão mesmo impossível; e, portanto, condenando-as à miséria”, salientou Tim Cahill. 

No entanto, o Estado brasileiro introduziu algumas iniciativas positivas, como a lei Maria da Penha, que amplifica a protecção das mulheres vítimas de violência doméstica – mas a lei ainda precisa de ser efectivamente implementada.

Políticas amplas e de longa duração, que ambicionem a melhoria das condições de vida das mulheres que vivem em favelas, são absolutamente necessárias para acabar com a violência contra as mulheres. Para começar, a Amnistia Internacional apela ao governo brasileiro para integrar as necessidades das mulheres no novo plano de segurança pública, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI).

Este relatório baseia-se em entrevistas feitas a mulheres provenientes de seis Estados – Bahia, Sergipe, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul – que se realizaram entre 2006 e 2007. 

Conheça o relatório

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