1 Março 2007

O relatório mais recente da Amnistia Internacional sobre a China denuncia a situação de milhões de trabalhadores migrantes que apesar de contribuírem para o crescimento económico do país são tratados como uma sub-classe urbana.
Apesar das reformas mais recentes, estes não estão no sistema nacional de saúde, não têm acesso à educação, vivem em locais terríveis e sobrelotados e são expostos a condições de trabalho de pura exploração.

“O chamado ‘milagre’ económico chinês é possível à custa de um elevado preço humano – os migrantes rurais a trabalhar nas cidades vivem os piores abusos nos locais de trabalho” disse  Catherine Baber vice-directora da Amnistia Internacional para a Ásia-Pacífico. “São forçados a trabalhar muitas horas extraordinárias em condições perigosas, são proibidos de faltar mesmo por razões de doença, em troca de um salário miserável.”

“Para além de serem explorados pelos empregadores, as famílias dos migrantes rurais são alvo de leis discriminatórias em quase todas as áreas da vida quotidiana. São-lhes negados benefícios na habitação, seguros de saúde garantidos à restante população e os seus filhos não têm, frequentemente,  acesso ao sistema educativo.”

Estima-se que se situe entre 150 e 200 milhões o número de trabalhadores rurais que migraram para as cidades chinesas à procura de trabalho, e é esperado que este número cresça na próxima década. Em algumas cidades representam a maioria da população.

Os migrantes são obrigados a registarem-se como residentes temporários junto das autoridades ao abrigo do sistema hukou (registo dos agregados familiares). Aqueles que conseguem completar o processo frequentemente moroso ainda são alvo de discriminações ao nível da habitação, educação, cuidados de saúde e emprego. Muitos daqueles que não conseguem completar o processo são deixados sem situação legal, tornando-os vulneráveis à exploração por parte da polícia, senhorios, empregadores e população em geral.

“O Governo central tem tomado algumas iniciativas para melhorar a situação dos trabalhadores migrantes mas a grande questão mantém-se; o sistema de registo continua a discriminar pessoas segundo a sua origem social” disse Catherine Baber. “O Governo tem de alterar as condições do sistema de registo e pressionar as autoridades locais para implementar as leis existentes que permitam assegurar cuidados de saúde, condições de emprego mais justas e educação básica gratuita.”

Os empresários usam uma variedade de tácticas para prevenir que os trabalhadores se demitam. Habitualmente, os migrantes têm salários em atraso, o que significa que se quiserem desistir perdem pelo menos 2 a 3 ordenados. Os empregadores normalmente não pagam propositadamente aos seus empregados antes do Ano Novo, para garantir que os trabalhadores regressem após as festividades, mas o que acontece é que milhões de migrantes não passam este período com os seus familiares em casa por não terem dinheiro para pagar o bilhete de comboio. Também é costume obrigar os trabalhadores a fazerem um pagamento em depósito para prevenir que estes mudem de emprego.  Devido ao seu estatuto ilegal ao abrigo do sistema hukou, é muito pouco provável que se queixem.

Tais métodos permitem aos empregadores fazer face à falta de mão-de-obra, sem ter de aumentar os salários como seria de esperar segundo as leis de mercado da oferta e da procura.

Uma migrante de 21 anos, Zhang, trabalhava numa fábrica de vestuário na periferia de Pequim. Os trabalhadores tinham 3 meses de ordenados em atraso e decidiram demitir-se. Mas ficaram presos na fábrica e precisavam de permissão para partir. Finalmente, um deles roubou as chaves do portão e partiram em massa sem que o guarda pudesse detê-los. “ Naquela altura, sentimo-nos orgulhosos de nós próprios… alguns perderam 4 meses de ordenado” disse a jovem Zhang.

Milhões de crianças são também afectadas e lutam para ter acesso a uma educação de qualidade. Em muitas áreas, são efectivamente excluídas das escolas públicas pelo facto dos seus pais não estarem registados no sistema hukou, por acusações lançadas exclusivamente contra os migrantes ou ainda devido ao elevado custo das propinas.

“A China está empenhada em proporcionar educação básica gratuita, mas apesar dos esforços do Governo, as escolas públicas ainda requerem o pagamento de propinas tornando-as inacessíveis principalmente aos migrantes” disse Catherine Baber. “ Estas crianças são o futuro da China: o governo tem de lhes garantir o acesso à educação.”

Preocupações da Amnistia Internacional

A AI apela ao governo chinês que tome acções para eliminar todas as formas de discriminação contra os seus migrantes que é proibida pela lei internacional, nomeadamente:

1.  reforme o sistema hukou  de forma a remover as categorias administrativas baseadas na origem social que pode ser usada como base para a descriminação no exercício de direitos humanos;

2.  remova as barreiras de acesso aos cuidados de saúde que discriminam os migrantes, incluindo a remoção do estatuto de hukou;

3.  criar cuidados de saúde, seguros de trabalho e outro tipo de seguros que não discriminem os migrantes registrados como hukou;

4.  eliminar os encargos escolares directos e indirectos que são aplicados exclusivamente às familiares dos migrantes de áreas rurais com base no seu estatuto hukou;

5.  remova todas as barreiras administrativas de acesso à educação baseada no estatuto hukou dos pais;

 A AI também pede ao governo chinês que atribua outros direitos humanos que têm um impacto desproporcional nos seus migrantes, incluindo a eliminação de todos os encargos directos e indirectos e outras barreiras para usufruir do direito à liberdade e educação de todas as crianças. A AI  apela ainda ao governo chinês para respeitar os direitos humanos no trabalho como consagrados na lei internacional, designadamente:

1.  aumentando o mecanismo de obrigatoriedade e criando mediadas sancionatórias contra as empresas que não respeitem os direitos dos seus trabalhadores, incluindo os migrantes de áreas rurais, com contratos de trabalho legais e obrigatórios;

2.  respeitando o direito de forma  a elaborar um tratado de união com liberdade de       escolha, consagrada nos Tratados Internacionais que obrigam a China, incluindo a eliminação da reserva feita ao artigo 8º (1) (a) da Convenção Internacional dos       Direitos Económicos, Sociais e Culturais que consagra tal direito;

3.  continuando a aumentar os recursos legais junto dos centros de apoio aos migrantes que os procuram por violação dos seus direitos no local de trabalho.

Relatório China: o preço do “milagre” económico

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