14 Fevereiro 2017

O acordo sobre refugiados firmado entre a União Europeia (UE) e a Turquia, em março de 2016, deixou milhares de refugiados e de migrantes em condições de sobrevivência miseráveis e extremamente perigosas, não podendo ser replicado com nenhum outro país, sustenta a Amnistia Internacional na avaliação de quase um ano de vigência deste programa.

Visando o retorno de requerentes de asilo que já se encontram em território europeu, nomeadamente nas ilhas gregas, de volta para a Turquia – e com base na premissa equivocada de que a Turquia é um país seguro para os refugiados – o acordo está a deixar milhares de pessoas expostas a situações de enorme insegurança e a uma vivência de miséria. No novo briefing “A Blueprint for Despair: Human rights impact of the EU-Turkey deal” (Um modelo para o desespero: o impacto de direitos humanos do acordo UE-Turquia), a Amnistia Internacional documenta também a ocorrência de retornos ilegais de requerentes de asilo para a Turquia numa flagrante violação dos direitos consagrados na legislação internacional.

“O acordo assinado entre a UE e a Turquia tem sido uma calamidade para os milhares de pessoas que ficaram encurraladas num limbo perigoso, desesperado e aparentemente sem fim nas ilhas gregas”, frisa a vice-diretora da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, Gauri van Gulik.

A perita da organização de direitos humanos critica a forma “profundamente desonesta com que os líderes europeus estão a elogiar o acordo UE-Turquia como um sucesso, ao mesmo tempo que fecham os olhos ao insuportável alto custo que está a ser pago por quem sofre as consequências”.

Amontoados na miséria

Quando o acordo entrou em vigor, a 18 de março do ano passado, todos os refugiados e migrantes foram automaticamente mantidos em centros de detenção. Apesar de não existir um regime rígido de detenção, quem vive nos campos continua a ser impedido de sair das ilhas gregas. O resultado é que estas pessoas são forçadas a viver em condições miseráveis durante meses a fio em campos sobrelotados, sem água quente, poucas condições de higiene, má nutrição e cuidados médicos inadequados.

A situação nas ilhas gregas é não só degradante mas também de risco para o bem-estar e para as vidas dos refugiados, requerentes de asilo e migrantes. Na noite de 24 de novembro de 2016, explodiu uma garrafa de gás usada para cozinhar no campo de Mória, na ilha de Lesbos, causando a morte de uma mulher iraquiana de 66 anos e de uma criança de seis que vivia na tenda adjacente.

Às dificuldades impostas pelas débeis condições de receção nas ilhas acrescem os receios dos residentes pela sua segurança. Estas pobres condições nos campos, a incerteza que refugiados e migrantes enfrentam sobre o seu futuro e as relações apreensivas com as populações locais – tudo contribui para as significativas tensões que, ocasionalmente, provocaram incidentes violentos. Fora registados casos de refugiados serem vítimas de ataques de ódio no campo de Suda, na ilha de Chios.

BKD (testemunha identificada pelas iniciais, por razões de proteção de identidade), refugiado sírio de 17 anos, descreveu o ataque aos investigadores da Amnistia Internacional: “Quando aconteceu, ficámos com medo de morrer e fugimos a correr do campo… As pessoas gritavam, as crianças choravam… não precisamos disto de novo nas nossas vidas”.

As mulheres são especialmente afetadas pela falta de segurança nas ilhas gregas, vendo-se frequentemente obrigadas a viver em campos onde têm de usar os mesmos duches e casas-de-banho que os homens. Ouvidas pela Amnistia Internacional, refugiadas nos campos da Grécia, queixaram-se, por exemplo, da falta de chuveiros e de lavabos só para mulheres ou, quando estes existem, da ausência de portas e de iluminação adequadas. Muitas mulheres contaram aos investigadores da organização de direitos humanos que já sofreram elas mesmas ou testemunharam outras refugiadas serem alvo de assédio sexual verbal ou físico ou de atos de violência doméstica.

Levar as pessoas em frente, não de volta para a Turquia

A premissa central do acordo assinado entre a UE e a Turquia, de fazer regressar a território turco todos quantos chegam irregularmente às ilhas gregas, baseia-se na suposição de que a Turquia é um país seguro para os requerentes de asilo.

Apesar de nenhum requerente de asilo ter sido até agora formalmente feito regressar da Grécia para a Turquia na suposição de que a Turquia é segura, a Amnistia Internacional documentou casos de requerentes de asilo que foram forçados a voltar para trás às pressas, sem lhes ser dada a oportunidade de apresentarem requerimento de asilo nem recorrerem da decisão de os fazer regressar à Turquia – o que constitui uma violação da lei internacional.

“Enquanto a Turquia permanecer um país que não é seguro para os refugiados, a UE tem de trabalhar junto com as autoridades gregas para transferir urgentemente os requerentes de asilo para a Grécia continental e os governos europeus têm de dar-lhes acesso aos seus países através do mecanismo de recolocação”, sustenta Gauri van Gulik.

A vice-diretora da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central reitera que “ninguém deve morrer ao frio na porta de entrada da Europa”. “Os líderes que se vangloriam de que o acordo UE-Turquia deve servir de modelo para outros acordos similares com a Líbia, o Sudão, o Níger e outros países, devem olhar bem para as consequências horríveis e ficar avisados: isto não deve jamais repetir-se”, remata.

 

A Amnistia Internacional insta, em petição, a União Europeia a dar prioridade à vida das pessoas e a abandonar as políticas que estão a votar milhares de refugiados, requerentes de asilo e migrantes a condições miseráveis, degradantes e com risco de vida nos campos nas ilhas gregas. Junte a sua voz a este apelo: assine!

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